Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0032607-86.2011.8.26.0000

Suscitante: 2ª. Câmara de Direito Público

Objeto: § 1º do art. 32 da Lei nº 8.702/04, do Município de Santo André

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade suscitado pela 2ª. Câmara de Direito Público do § 1º do art. 32 da Lei nº 8.702/04, do Município de Santo André, que determina a filiação obrigatória dos servidores públicos à assistência médica prestada pelo Instituto de Previdência de Santo André. Entendimento jurisprudencial no sentido de que, à luz do art. 149, § 1º, da Constituição Federal, a filiação deve ser facultativa. Parecer pelo acolhimento da arguição, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do dispositivo.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 2ª  Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes o INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DE SANTO ANDRÉ E OUTROS (apelantes) e (...) E OUTROS (apelados).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do § 1º do art. 32 da Lei nº 8.702/04, do Município de Santo André, que determina a filiação obrigatória dos servidores públicos à assistência médica prestada pelo Instituto de Previdência de Santo André.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

O dispositivo impugnado tem a seguinte redação:

Art. 32 – O Instituto de Previdência de Santo André sucederá a Caixa de Pensões dos Servidores Públicos Municipais de Santo André, dando continuidade à prestação de assistência médica aos servidores públicos municipais ativos estáveis ou em estágio probatório.

§ 1º - A asssistência médica terá caráter contributivo e será de filiação obrigatória aos servidores de que trata o caput.

...

O tema veiculado neste incidente – a filiação compulsória de servidores públicos na assistência médica oferecida por entes políticos e autarquias – já mereceu análise desse E. Tribunal de Justiça, em mais de uma ocasião.

Tem-se entendido, então, que as leis que instituem a contribuição obrigatória para esse fim não se coadunam com a Constituição da República.

Pela sua clareza, reproduz-se a lição contida no v. Acórdão da 12ª Câmara de Direito Público, da lavra do em. Des. Edson Ferreira, que bem delineia a questão jurídica:

“O servidor deve ter o direito de optar entre este e outros serviços de assistência médico-hospitalar, inclusive dos planos privados de saúde existentes no mercado, e de somente pagar pelo serviço de sua escolha.

A Constituição divide a seguridade social em saúde, previdência social e assistência social e só impõe a filiação em caráter obrigatório e contributivo à previdência social, que não engloba assistência à saúde.

É certo que o art. 195 dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais, inclusive do trabalhador.

Mas no que tange à saúde, tais contribuições sociais, inclusive do trabalhador, só podem ser direcionadas para o custeio do Sistema Único de Saúde (art. 198, § 1º), não cabendo a instituição de contribuições especiais, com o mesmo caráter obrigatório, para o custeio de assistência à saúde que os entes federados entendam de organizar para os seus servidores” (Apelação Cível nº 185.662-0/1-00).

É certo, outrossim, que esse Sodalício, em julgado de 07 de outubro de 2009 (Apelação Cível com Revisão n° 929.102-5/8-00,  8ª. Câmara de Direito Público), pronunciou-se, de novo, pela facultatividade da contribuição para fins de assistência médica, reconhecendo a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Estadual nº 452, de 02 de outubro de 1974, que impunham a referida exação.

Desse julgado se extrai outra valiosa argumentação:

“Impende considerar que a Cruz Azul de São Paulo é entidade beneficente, de natureza privada, voltada à prestação de serviços médicos e odontológicos, que atende os beneficiários da Caixa da Polícia Militar, por força do convênio celebrado.

Desse modo, qualquer contribuição para esse sistema de assistência à saúde deve ser facultativa, não podendo a citada Lei n° 452/74 obrigar os autores a financiar tais serviços.

Forçoso reconhecer que os dispositivos legais invocados pelas rés não foram recepcionados pela Carta Magna de 1988, razão pela qual a contribuição em causa apenas pode ser exigida daqueles que desejarem receber a assistência oferecida.

Ora, na redação original do artigo 149, parágrafo único, da CF/88, estava prevista a competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a instituição de contribuição dos servidores para o custeio de sistemas de previdência e assistência social.

Destacava-se, então, que, em havendo nítida diferenciação na Carta Maior entre previdência, assistência e saúde, conforme se vê do Capítulo que trata da Seguridade Social, não estava autorizada a instituição de contribuição compulsória para financiamento de serviços de saúde prestados ao servidor.

Com a Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, ocorreu melhor explicitação do preceituado, definindo agora o §1° do citado artigo 149 que:

"Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em beneficio destes, do regime previdenciário de que trata o artigo 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União" (grifo nosso).

Como se vê, por injunção constitucional, é possível a instituição, em caráter obrigatório, de contribuição para o custeio do sistema de previdência social, que não alberga propriamente o sistema de saúde.

A evidência, cada ente federado pode instituir tal sistema em proveito de seus servidores, vedado, no entanto, o caráter compulsório da adesão e correspondente contribuição.

Deste modo, pode a Caixa Beneficente da Polícia Militar oferecer assistência médico-hospitalar a seus beneficiários, recebendo a contribuição prevista no citado artigo 32 da Lei 452/74; não pode, porém, obrigá-los a participar desse sistema.

Bem de ver, inclusive, que destinada a contribuição ao custeio de serviços prestados por entidade privada, a imposição da lei estadual contrasta com o disposto no artigo 5o, inciso XX, da Carta Magna, pelo qual ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.

Tal é a orientação que vem predominando na jurisprudência desta Corte (Apelação Cível n° 139.284.5/2-00, 4ª Câmara de Direito Público, Relator Desembargador Sérgio Godoy, j. 11/12/03; Apelação Cível n° 149.117.5/0-00, 3a Câmara de Direito Público, Relator Desembargador Magalhães Coelho, j . 06/04/04; Agravo de Instrumento n° 421.344.5/8-00, 5a Câmara de Direito Público, Relator Desembargador Xavier de Aquino, j . 11/08/05; Apelação Cível n° 226.515.5/7-00, 10a Câmara de Direito Público, Relator Desembargador Antônio VillenJ. 23/03/06).

Respeitados entendimentos em sentido contrário, é possível concluir que a obrigatoriedade de filiação à assistência médica prestada pela autarquia, com o consequente desconto de 3% dos vencimentos dos servidores ativos (nos moldes do art. 34 da lei em estudo), colide com o previsto no art. 149, § 1º, da Constituição Federal de 1988.

Do parâmetro constitucional é possível extrair que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário.

Como a assistência à saúde distingue-se do regime previdenciário, a contribuição para o custeio daquela, embora possível, não pode ser obrigatória, pois esse caráter não tem amparo constitucional.

Conclui-se, assim, que o § 1º do art. 32 da Lei nº 8.702/2004 é, de fato, incompatível com o § 1º do art. 149 da Carta Republicana.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade do § 1º do art. 32 da Lei nº 8.702/2004, do Município de Santo André.

 

São Paulo, 1º de março de 2011.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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