Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

 

Autos nº. 0033900-57.2012.8.26.0000

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: expressão “exploração de stands”, contida no item 3.03 da Lista de Serviços da Lei Complementar n. 116/2003 e no item 3.02 da Lei Complementar Municipal n. 151/03, do Município de Sertãozinho 

 

 

Ementa: Arguição de inconstitucionalidade da expressão “exploração de stands”, contida no item 3.03 da Lista de Serviços da Lei Complementar n. 116/2003 e item 3.02 da Lei Complementar Municipal n. 151/03, do Município de Sertãozinho, que prevê a incidência do ISS sobre a montagem e a exploração de “stands”. O art. 156, III, da CF, identifica um campo material da hipótese tributária do ISS, vinculando o legislador, estando ele, pois, impedido de tributar sobre fatos que não se enquadrem no conceito de “serviço” haurido do Direito Privado. Atividade que não constitui prestação de serviço (obrigação de fazer), escapando, portanto, da referida tributação, sob pena de afronta ao art. 156, inc. III, da CF. Precedentes do STF no sentido de que somente obrigações de fazer ensejam o ISS. Parecer pelo acolhimento da arguição.

 

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 15ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes (...). e a PREFEITURA MUNICIPAL DE SERTÃOZINHO.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), pois se trata de pronunciamento de inconstitucionalidade do órgão colegiado da expressão “exploração de stands”, contida no item 3.03 da Lista de Serviços da Lei Complementar n. 116/2003 e no item 3.02 da Lei Complementar Municipal n. 151/03, do Município de Sertãozinho.

Concluiu o V. Acórdão que:

“Como se vê, a empresa tem por objeto explorar o ramo de serviços vinculado à montagem de stands e outras atividades, como acima mencionado, situação que guarda perfeita simetria como o disposto no texto legal.

Não obstante a isso e a despeito das questões formais, resta vincular o direito posto a uma das fontes conectadas com a realidade e, com isso, persiste a dúvida se explorar stands, salões de festas, quadras esportivas, ginásios, não é a mesma coisa que locação, tendo o legislador apenas modificado a nomenclatura para desviar do que o STF já disse, que a locação não é tributável por ISS.

No entanto, o direito não muda a realidade, a propósito, deve a ela se enquadrar e locação será sempre um negócio jurídico, que implica em uma das partes se obrigar a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição, conforme definição do art. 565 do CC. Assim, fica insustentável dizer que aquele que utiliza como meio de negócio o aluguel de stands, salões, centros de convenção, ginásios, casas de espetáculo, etc. esteja apenas explorando essas atividades, e que isso constitui um serviço e não uma locação.”

É o relatório.

A arguição procede, ou melhor, a expressão “exploração de stands”, contida no item 3.03 da Lista de Serviços da Lei Complementar n. 116/2003 e no item 3.02 da Lei Complementar Municipal n. 151/03, do Município de Sertãozinho, está em conflito com o art. 156, inc. III, da Constituição Federal.

Com efeito, no exercício de sua autonomia, cabe aos Municípios instituir e arrecadar os tributos da sua competência (art. 30, inc. III, CF), dentre os quais o imposto sobre “serviços de qualquer natureza”, nos termos do que dispõe o art. 156, III, da CF, verbis:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).”

O dispositivo constitucional transcrito identifica um campo material específico de hipótese tributária, isto é, delimita o perímetro de atuação do legislador local.

Bem por isso, “todo e qualquer fato que – exorbitando o conceito de serviço empregado pelo art. 156, III, da Constituição Federal – for colocado sob a incidência do imposto municipal importa exigência inconstitucional de tributo por invasão de competência alheia” (Amilcar de Araújo Falcão, Sistema Tributário Brasileiro, 1ª. ed., Rio de Janeiro, Financeiras, 1965, p. 51, apud: Aires F. Barreto, ISS na Constituição e na lei, 2ª. ed., rev. e ampl., São Paulo, Dialética, 2005, p. 27, g.nº).

A Constituição Federal, como se sabe, não discrimina que fatos se compreendem como “serviços” ou serviços tributáveis. A omissão, contudo, não concede maior liberdade ao legislador. Se este pudesse, pela deturpação do conceito de “serviço”, instituir tributo sobre um fato qualquer, estaria burlando a exaustividade, a rigidez e a privatividade das competências tributárias, o que não se compadece com o sistema normativo hierarquizado.

Daí a precisa advertência de Geraldo Ataliba:

“A circunstância de outorgar a Constituição à lei complementar a tarefa de definir os serviços não quer significar, absolutamente, que a Constituição tenha dado ao legislador complementar liberdade de ampliar o conceito de serviço pressuposto constitucionalmente” (Geraldo Ataliba, Imposto sobre Serviços – Diversões Públicas – Convites e Ingressos Gratuitos, in RDA 104/383, apud: Marcelo da Silva Prado, O papel da lista de serviços no imposto sobre serviços de qualquer natureza, in: Rodrigo Brunelli Machado (coord.), ISS na Lei Complementar nº 116/2003, São Paulo, Quartier Latin, 2004, p. 236).

Doutrina e jurisprudência têm entendido que o conceito de “serviço” há de ser encontrado no Direito Privado, como ressalta, aliás, o art. 110 do Código Tributário Nacional.

Orientam-se no sentido de ser tributável pelo ISS uma prestação de fazer consistente em “atividade lícita, não vedada pela lei e pelos bons costumes, oriunda da energia humana aproveitada por outrem, e que pode ser material ou imaterial” (Eduardo Pugliese Pincelli e Marcelo Knoepfelmacher, O ISS na Lei Complementar nº 116/2003, in: Rodrigo Brunelli Machado (coord.), ISS na Lei Complementar nº 116/2003, São Paulo, Quartier Latin, 2004, p. 201).

O STF, ao que parece, inclina-se nesse sentido e tem rechaçado a tributação pelo ISS de fatos que, embora previstos na lei complementar, não são essencialmente obligatio in faciendo, como demonstram os seguintes julgados:

“IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) - LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR - INADMISSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DA INCIDÊNCIA DESSE TRIBUTO MUNICIPAL - DISTINÇÃO NECESSÁRIA ENTRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (OBRIGAÇÃO DE DAR OU DE ENTREGAR) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (OBRIGAÇÃO DE FAZER) - IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL ALTERAR A DEFINIÇÃO E O ALCANCE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO (CTN, ART. 110) - INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 79 DA ANTIGA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68 - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO IMPROVIDO. - Não se revela tributável, mediante ISS, a locação de veículos automotores (que consubstancia obrigação de dar ou de entregar), eis que esse tributo municipal somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. Precedentes (STF). Doutrina” (RE 446003 AgR/PR – Minº Celso de Mello, j. 30.5.2006, 2ª. T).

“IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) - LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR - INADMISSIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DESSE TRIBUTO MUNICIPAL - DISTINÇÃO ENTRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (OBRIGAÇÃO DE DAR OU DE ENTREGAR) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (OBRIGAÇÃO DE FAZER) - IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL ALTERAR A DEFINIÇÃO E O ALCANCE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO (CTN, ART. 110) - INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 79 DA ANTIGA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68 - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - ATENDIMENTO, NA ESPÉCIE, DOS PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA CONCESSÃO DE PROVIMENTO CAUTELAR (RTJ 174/437-438) - OUTORGA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA A RECURSO EXTRAORDINÁRIO, QUE, INTERPOSTO POR EMPRESAS LOCADORAS DE VEÍCULOS AUTOMOTORES, JÁ FOI ADMITIDO PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL RECORRIDO - DECISÃO REFERENDADA PELA TURMA” (AC 661/MG – Minº Celso de Mello, j. 8.3.2005, 2ª. T).

“TRIBUTO - FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional” (RE 116121/SP, Minº Marco Aurélio, j. 11.10.2000, Pleno).

É de se convir que a exploração de “stands”, a rigor, não pode ser considerada uma prestação de serviço, mas sim uma locação, nos termos e pelos exatos fundamentos adotados no Acórdão proferido pela Colenda 15ª Câmara de Direito Público.

Posto isso, opino pelo acolhimento da arguição de inconstitucionalidade da expressão da “exploração de stands”, contida no item 3.03 da Lista de Serviços da Lei Complementar n. 116/2003 e no item 3.02 da Lei Complementar Municipal n. 151/03, do Município de Sertãozinho .

São Paulo, 3 de abril de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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