Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 36475-72.2011.8.26.0000 (990.10.307921-3)

Órgão Especial

Suscitante: 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelante: SINDEMA – Sindicato dos Funcionários Públicos de Diadema

Apelada: Municipalidade de Diadema

Objeto: Lei Municipal nº 2.096/2001, de Diadema

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 2.096/2001, de Diadema, que “Dispõe sobre a criação do Banco de Horas para a Prefeitura Municipal de Diadema”.

2)      Alegação de contrariedade ao disposto no art. 7º, XIII e art. 39, § 3º da CR. Ausência de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

3)       Regime estatutário dos servidores municipais. Correta interpretação do art. 7º, XIII, quando aplicado aos servidores estatutários.

4)      Ausência de inconstitucionalidade. Lei que assegura o exercício de um direito fundamental do servidor estatutário, consistente na compensação de horas. Exigência de prévio acordo ou convenção coletiva de trabalho que poderia significar recusa à fruição do direito fundamental.

5)      Limites à atuação da Administração Pública relativamente aos servidores estatuários. Impossibilidade de realização daquilo que não está expressamente autorizado em lei.

6)      Má aplicação da norma não é questão relativa à sua constitucionalidade, mas sim problema de legalidade.

7)      Parecer no sentido do conhecimento e rejeição da arguição.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 12ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação 990.10.307921-3, da Comarca de Diadema, na sessão realizada em 15 de dezembro de 2010, sendo relator o Desembargador Edson Ferreira, relativamente à Lei Municipal 2.096, de 27 de dezembro de 2001, de Diadema, que, nos termos da respectiva rubrica “Dispõe sobre a criação do Banco de Horas para a Prefeitura Municipal de Diadema”.

De conformidade com o v. acórdão de fls. 278/280, a inconstitucionalidade do ato normativo estaria centrada na sua contrariedade aos art. 7º, XIII, e art. 39, § 3º, da Constituição da República, que estabelecem a necessidade de “acordo ou convenção coletiva de trabalho” para a adoção do “Banco de Horas”.

Do voto do relator, des. Edson Ferreira, colhe-se a seguinte passagem ilustrativa da discussão:

“(...)

Da forma como foi instituído, o sistema de banco de horas, para compensação das horas excedentes de trabalho, feriu a norma constitucional porque imposto aos servidores sem que houvesse prévio ajuste entre o Município e a entidade sindical dos servidores públicos.

(...)”

É o relato do essencial.

Embora a Lei Municipal 2.096/2001, de Diadema, tenha sido posteriormente revogada pela Lei Municipal 2.905/2009, persiste o interesse no exame da arguição incidental de inconstitucionalidade, na medida em que aquele ato normativo vigorou durante relevante lapso temporal, e sua aplicação, ou não, mostra-se relevante para o desfecho do feito no qual foi suscitado o incidente de inconstitucionalidade.

A Lei Municipal 2.096/2001 tem o seguinte teor:

“(...)

Artigo 1º - Fica criado sistema de banco de horas a crédito a fim de possibilitar a compensação das horas excedentes ao horário normal, nos seguintes termos:

I – As horas excedentes ao horário normal serão computadas como horas – crédito para serem compensadas em gozo.

II – A conversão das horas referidas no inciso I deste artigo obedecerá aos seguintes critérios:

a)      as horas trabalhadas de segunda a sexta-feira serão compensadas em gozo à razão de uma por uma (uma hora em gozo para cada uma hora trabalhada);

b)      as horas trabalhadas aos sábados serão compensadas à razão de uma por uma e meia (uma hora e meia em gozo para cada uma hora trabalhada);

c)      as horas trabalhadas aos domingos e feriados serão compensadas à razão de uma por duas (duas horas em gozo para cada uma hora trabalhada).

III – O controle da compensação de horas deverá ser efetuado pelo superior imediato do servidor e comunicado mensalmente à Divisão de Administração de Pessoal.

IV- a compensação de horas deverá ocorrer a cada ano obrigatoriamente.

Artigo 2º - Excetuam-se as disposições do artigo anterior às horas abonadas, na forma da Lei.

Artigo 3º - A necessidade da prestação de serviço em horário excedente deverá ser justificada por escrito pelo superior imediato do servidor, que deverá comunicá-lo previamente.

Parágrafo Único - A justificativa mencionada no “caput” deste artigo deverá ser entregue à Divisão de Administração de Pessoal juntamente com o controle da compensação, na forma do inciso III do artigo 1º.

Artigo 4º - Na hipótese de desligamento do servidor as horas não compensadas serão pagas na proporção mencionada no inciso II do artigo 1º, no momento da rescisão.

(...)”

Os dispositivos apontados como parâmetros para o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da referida lei em sede de controle difuso, na presente arguição (formulada nos termos do art. 480 a 482 do CPC) ambos da Constituição da República, são o art. 7º, XIII, e o art. 39, § 3º.

O primeiro dispositivo (art. 7º, III da CR), prevê como direito fundamental do trabalhador a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatros semanais, “facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

O segundo dispositivo (art. 39, § 3º da CR) determina a aplicação aos servidores públicos, entre outros, do direito fundamental estabelecido no outro preceito constitucional acima referido.

Pois bem.

Com a devida vênia, não há na lei em exame incompatibilidade com relação ao direito fundamental estabelecido no art. 7º, XIII da CR, extensível aos servidores públicos por força do art. 39, § 3º da Carta.

A Lei Municipal 2.096/2001, de Diadema, criou o sistema de “Banco de Horas” a fim de viabilizar, ou seja, de possibilitar a compensação, não com a finalidade de impor peremptoriamente a aplicação desse sistema.

Nesse sentido, lendo-se com atenção os dispositivos da Lei Municipal 2.096/2001, observa-se que:

(a) o art. 1º da mencionada lei afirma expressamente que fica criado o sistema de “Banco de Horas”, a fim de “possibilitar a compensação das horas excedentes ao horário normal” (g.n.);

(b) o art. 3º, caput da Lei indica claramente que o mecanismo de compensação só será utilizado mediante solicitação do próprio servidor interessado, ao afirmar que a “necessidade da prestação de serviço em horário excedente deverá ser justificada por escrito pelo superior imediato do servidor, que deverá comunicá-lo previamente” (g.n.).

Em outras palavras, em conformidade com os dispositivos legais acima, a iniciativa para a compensação de horas deve partir do próprio servidor, e não figurar como imposição por parte da Administração Pública.

Tanto assim que, em conformidade com o art. 3º, caput, da Lei Municipal 2.096/2001, de Diadema, cabe ao próprio servidor a iniciativa de comunicar ao seu “superior imediato” a necessidade de prestação de serviço em horário excedente, cabendo ao último (superior imediato), justificar tal necessidade perante a Administração.

Em outras palavras, torna-se claro que a Lei Municipal 2.096/2001 foi editada a fim de assegurar aos servidores (não impor a eles) o direito de compensar horas trabalhadas em horário excedente.

É indispensável ter em mente, ademais, que a aplicação do preceito contido no art. 7º, XIII da CR aos servidores públicos, com fundamento no art. 39, § 3º da CR, tem que ser feita em conformidade com as peculiaridades inerentes ao regime jurídico de direito público e estatutário que rege o funcionalismo municipal em Diadema.

A interpretação no sentido de que só seria possível a instituição da “compensação de horários” mediante “acordo ou convenção coletiva de trabalho”, significaria, a bem da verdade, impedir que os servidores municipais estatutários pudessem fruir do referido direito fundamental assegurado no art. 7º, XIII da CR.

A leitura correta desse preceito constitucional na perspectiva aplicável aos que se submetem ao regime estatutário deve ser diversa, e isso é compreensível.

Quanto aos empregados, regidos pela CLT, a necessidade de acordo ou convenção coletiva de trabalho guarda relação com a peculiaridade própria desse regime, que confere maior margem de liberdade e negociação para o aperfeiçoamento e o ajuste dos termos dos contratos de trabalho.

Quanto aos servidores estatutários, diversamente, há margem menor para esse tipo de negociação. A Administração Pública, nessa hipótese, deve agir sempre em conformidade com a lei, pois o que esta não autoriza, evidentemente, está proibido.

Desse modo, a previsão legal da compensação, ao contrário de violar o disposto no art. 7º, XIII da CR, c.c. o art. 39, § 3º da mesma Carta, assegura o exercício do direito fundamental do servidor estatutário.

Um adendo se mostra pertinente.

Note-se que questão distinta da constitucionalidade ou não da norma, é aquela referente à sua correta ou incorreta aplicação.

A Lei Municipal 2.096/2001 não é inconstitucional ao possibilitar aos servidores municipais estatutários a fruição da compensação de horas. Entretanto, se sua interpretação vem sendo distorcida, e a compensação vem sendo imposta aos servidores, essa é uma questão de ilegalidade, e não de inconstitucionalidade.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente, mas pela rejeição da alegação de inconstitucionalidade da Lei Municipal 2.096/2001, de Diadema.

São Paulo, 11 de março de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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