ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Processo n.º 0038109-06.2011.8.26.0000

Suscitante: 12.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto de impugnação: art. 65, parágrafo único, da Lei Complementar n.º 496, de 10/11/1990, do Município de Mendonça.

Ementa: Arguição de inconstitucionalidade. Art. 65, parágrafo único, da Lei Complementar n.º 496/90, do Município de Mendonça, que assegurou a complementação de benefícios pagos pelo INSS em favor de servidores inativos e pensionistas. Ofensa ao art. 195, § 5.º, da Constituição Federal. Nenhum benefício previdenciário pode ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. A regra da paridade entre ativos e inativos, que anteriormente era prevista na Constituição, não se aplicava aos empregados admitidos no serviço público sob o regime trabalhista, mas somente aos servidores estatutários. Precedentes do STF. Subordinação ao regime geral de previdência social, que prevê a fixação de teto para o pagamento de benefícios previdenciários. Inconstitucionalidade material configurada.”

 

Colendo Órgão Especial,

Eméritos Desembargadores:

 

                   Em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo – objetivando a cessação do pagamento de complementação de aposentadoria aos servidores inativos do Município de Mendonça vinculados ao regime geral de previdência social (INSS), além de a devolução dos valores indevidamente percebidos –, afinal julgada procedente, foi suscitado incidente para aferir-se a conformidade da norma em epígrafe – que garantiu esse direito – com a Constituição promulgada em 5/10/88, em desacordo, porém, com o disposto no seu art. 195, § 5.º.

                   A objeção é pertinente.

                   Dispõe o art. 195, § 5.º, da Constituição Federal que:

                  ‘Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.’

 

                   No âmbito do Supremo Tribunal Federal, já se firmou a exegese segundo a qual ‘a exigência inscrita no art. 195, § 5.º, da Carta Política traduz comando que tem, por destinatário exclusivo, o próprio legislador ordinário, no que se refere à criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços da seguridade social’ (STF – 1.ª Turma, AI 151.106-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 28/9/1993, DJ de 26/11/1993).

                   No caso em análise, em que pese à vedação constitucional expressa, o Município de Mendonça editou lei que possibilita a complementação dos proventos e pensões pagas pelo INSS, de forma a garantir-se a paridade entre os servidores ativos, inativos e pensionistas.

                   Em cumprimento ao disposto no art. 39, ‘caput’, da Carta promulgada em 5/10/88, a Lei Complementar n.º 496/90, do Município de Mendonça, adotou como regime jurídico único o trabalhista (CLT), vinculado ao regime geral de previdência social (INSS), de caráter contributivo, no qual há previsão de teto para o pagamento dos respectivos benefícios (aposentadorias e pensões).

                   Porém, sem indicação da correspondente fonte de custeio (CF, art. 195, I a IV), a lei em epígrafe não poderia autorizar a complementação dos proventos e pensões pagas pelo INSS, a cargo do erário municipal, violando, com tal iniciativa, o comando emergente da Constituição Federal (art. 195, § 5.º).

                   Ao examinar propositura semelhante, o colendo STF proclamou que:

 

                   ‘EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACRÉSCIMO DE BENEFÍCIO AOS PROVENTOS, POR LEI, SEM INICIATIVA DO GOVERNADOR (REGIME JURÍDICO DE SERVIDOR) E SEM PREVISÃO DE FONTE DE CUSTEIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 39, DE 23 DE NOVEMBRO DE 1994, DO ESTADO DO AMAZONAS. 1. Havendo a Lei em questão instituído benefício previdenciário, em acréscimo a benefício já percebido pelo aposentado, por invalidez, sem que o projeto (sobre regime jurídico de servidor) tenha tido a iniciativa do governador, e sem previsão de fonte de custeio, é de se lhe declarar a inconstitucionalidade, por inobservância dos princípios dos artigos 61, § 1º, "c", 195, § 5º, c/c artigo 25 da parte permanente da C.F. de 05.10.1988 e art. 11 do A.D.C.T. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. Plenário. Decisão unânime. (STF – Pleno, ADI n.º 1223/AM, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, j. em 12/2/2003).

 

                   É evidente que, ao formular a opção pelo regime jurídico único trabalhista, com todas as consequências daí advindas, o Município de Mendonça não poderia mais assegurar a paridade entre ativos e inativos, própria dos servidores públicos vinculados ao regime estatutário, visto que os benefícios do regime geral de previdência obedecem a um teto determinado e a contribuição previdenciária passou a ser calculada não sobre a integralidade dos vencimentos, mas sim sobre piso inferior, proporcionalmente, notando-se, daí, que essa lei garantiu o pagamento de benefício para o qual o servidor efetivamente nunca contribuiu.

                   Para obter a complementação do benefício previdenciário, a única fórmula juridicamente possível seria o servidor optar à época por previdência privada, mediante aporte mensal dos recursos necessários, dado que naquele período inexistia previsão constitucional para a instituição de previdência complementar pelos entes federativos, o que só veio a surgir posteriormente, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 20, de 15/12/1998.

                   No mais, cumpre obtemperar que a inconstitucionalidade atinge tanto o ‘caput’ do art. 65 da Lei Complementar n.º 496/90, do Município de Mendonça, como também o seu parágrafo único, seja porque – como houve opção por regime trabalhista – não é possível assegurar a paridade entre ativos, inativos e pensionistas, seja porque a Constituição veda a complementação de proventos e pensões, pelo Poder Público, sem que o beneficiário tenha contribuído para tanto.

                   Nessa conformidade, propõe-se o acolhimento da arguição de inconstitucionalidade.

 

                            São Paulo, 15 de março de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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