Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 0040906.18.2012.8.26.0000

 

Suscitante: Sexta Câmara de Direito Público

Objeto da impugnação: Lei Municipal n. 3.774, de 8 de abril de 2005, que alterou a redação da Lei Municipal n. 3.473, de 4 de março de 2002, do Município de Mauá

 

 

 

Ementa:

 

1) Lei Municipal n. 3.774, de 8 de abril de 2005, que alterou a redação da Lei Municipal n. 3.473, de 4 de março de 2002, do Município de Mauá.

 

2) Proibição de cobrança em estacionamento de veículos para clientes de banco e shopping center. Alegação de ofensa à Constituição Federal (arts. 22, I e 5º, XXII).

 

3) Órgão fracionário do tribunal que não conhece da arguição de inconstitucionalidade sob o argumento de que não tem competência para apreciar a questão.

 

4) Incompetência do Município para legislar sobre Direito Civil (art. 22, I, CF). Desrespeito ao direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF). Desrespeito aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência (art. 170, caput, IV, CF).

 

5) Parecer pela decretação da nulidade do acórdão. No mérito, pela pronúncia de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de Acórdão proferido pela Colenda Sexta Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível n. 0020840-45.2009.8.26.0348, que não conheceu do recurso e determinou a remessa dos autos ao Excelso Órgão Especial, por força da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal.

É o breve relatório.

Preliminarmente.

Da nulidade do V. Acórdão.

Antes do órgão fracionário deliberar sobre o mérito do recurso de apelação, para provê-lo ou não, há necessidade de ser instaurado o necessário Incidente de Inconstitucionalidade, disciplinado a partir do art. 480 do CPC.

Assim, arguida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, é necessária a prévia deliberação da Câmara, que, se rejeitar a argumentação, deverá prosseguir no julgamento e, nesse caso, negar ou dar provimento ao recurso.

Todavia, quando há o acolhimento da arguição de inconstitucionalidade, a Câmara “suspende” o julgamento, isto é, não pode prosseguir no julgamento para dar ou negar provimento ao recurso. Deve determinar a instauração do Incidente de Inconstitucionalidade, a fim de provocar a deliberação do Pleno.

Portanto, o V. Acórdão proferido pelo órgão fracionário, s.m.j., deve ser anulado, para que outro seja proferido, a fim de que seja conhecido o recurso e adentrado ao exame do capítulo referente à constitucionalidade ou não do dispositivo legal impugnado, embora não seja o caso de se passar ao exame das demais questões tratadas no recurso. Caso a deliberação do Colendo Órgão Fracionário seja pela inconstitucionalidade da lei, deve ser suscitada a formação do incidente para a análise da questão prejudicial pelo Excelso Órgão Especial.

De fato, é prejudicial a questão da eventual inconstitucionalidade, sendo que o órgão competente para apreciá-la, como se disse, é o Órgão Especial, por força do princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da Lei Maior.

Requer-se, pois, que seja declarada a nulidade do V. Acórdão.

Em função do princípio da eventualidade, a Procuradoria-Geral passa a analisar o mérito, com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial. E, no mérito, tem-se que é inconstitucional a legislação impugnada.

Ocorre que há flagrante inconstitucionalidade, pois a lei impugnada, de fato, é verticalmente incompatível com a Constituição Federal.

 

 

Com efeito, o diploma mostra-se inconstitucional por mais de uma razão, pois o legislador municipal, a pretexto de legislar sobre assunto de interesse local (art. 30, I, da CR), tratou do Direito Civil (art. 22, I, CR), desrespeitou o direito de propriedade (art. 5, XXII, CR), bem como desconsiderou princípios que regem a atividade econômica, especificamente a livre iniciativa e a livre concorrência (art. 170, caput, IV, CR).

Ao proibir a cobrança em estacionamentos, que integram a propriedade privada de empresas que exploram atividades econômicas, o legislador municipal, a pretexto de criar direito local, invadiu a competência do legislador federal, tratando de Direito Civil.

De outro lado, não se mostra legítimo, em perspectiva constitucional, que a lei restrinja, indevidamente, o exercício do direito de propriedade, impedindo que o seu titular, relativamente ao imóvel, exerça, com liberdade e de forma adequada, todas as faculdades que o domínio lhe assegura.

Por último e não menos importante, é inegável que os estabelecimentos comerciais aos quais a lei se refere (supermercados, hipermercados e shopping center) exercem atividade comercial e econômica, sendo certo que, nessa atividade, aplicam-se os princípios constitucionais que a regem, entre os quais a livre iniciativa e a livre concorrência.

Dito de outro modo, ao limitar a legítima exploração de aspectos inerentes ao exercício da atividade econômica, deixou o legislador municipal de observar referidos princípios constitucionais.

O entendimento aqui externado vem sendo adotado pelo Col. STF.

Confira-se:

“EMENTA:  DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO "OU PARTICULARES" CONSTANTE DO ART. 1º DA LEI Nº 2.702, DE 04/04/2001, DO DISTRITO FEDERAL, DESTE TEOR: ‘FICA PROIBIDA A COBRANÇA, SOB QUALQUER PRETEXTO, PELA UTILIZAÇÃO DE ESTACIONAMENTO DE VEÍCULOS EM ÁREAS PERTENCENTES A INSTITUIÇÕES DE ENSINO FUNDAMENTAL, MÉDIO E SUPERIOR, PÚBLICAS OU PARTICULARES.’ ALEGAÇÃO DE QUE SUA INCLUSÃO, NO TEXTO, IMPLICA VIOLAÇÃO ÀS NORMAS DOS ARTIGOS 22, I, 5º, XXII, XXIV e LIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO PRELIMINAR SUSCITADA PELA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL: a) DE DESCABIMENTO DA ADI, POR TER CARÁTER MUNICIPAL A LEI EM QUESTÃO; b) DE ILEGITIMIDADE PASSIVA ‘AD CAUSAM’. MEDIDA CAUTELAR (ART. 170, § 1º, DO R.I.S.T.F.). 1. Não procede a preliminar de descabimento da ADI sob a alegação de ter o ato normativo impugnado natureza de direito municipal. Argüição idêntica já foi repelida por esta Corte, na ADIMC nº 1.472-2, e na qual se impugnava o art. 1º da Lei Distrital nº 1.094, de 31 de maio de 1996. 2. Não colhe, igualmente, a alegação de ilegitimidade passiva ‘ad causam’, pois a Câmara Distrital, como órgão, de que emanou o ato normativo impugnado, deve prestar informações no processo da A.D.I., nos termos dos artigos 6 e 10 da Lei n 9.868, de 10.11.1999. 3. Quanto ao mais, a A.D.I. tem plausibilidade jurídica, pois não pode o D.F. legislar sobre direito civil, nem por esse meio violar o direito de propriedade. 4. ‘Periculum in mora’ também reconhecido. 5. Precedente no mesmo sentido: ADIMC n 1.472-DF. 6. Cautelar deferida. Decisão unânime” (ADI 2448 MC/DF, rel. Min. SYDNEY SANCHES, j. 01/02/2002, Tribunal Pleno).

“EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º E SEUS §§ 1º E 2º DA LEI Nº 4.771, DE 16.12.92, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, QUE PROÍBE A COBRANÇA AO USUÁRIO DE ESTACIONAMENTO EM ÁREA PRIVADA, NAS CONDIÇÕES EM QUE ESTIPULA. Presença da relevância da fundamentação jurídica do pedido, vista tanto na evidente inconstitucionalidade formal da lei impugnada, por invasão da competência exclusiva da União para legislar sobre direito civil (CF, artigo 22, I), como na inconstitucionalidade material, por ofensa ao direito de propriedade (CF, artigo 5º, XXII). 2. Presença, também, da conveniência da concessão da medida liminar pelos tumultos que a norma impugnada vem causando ao impedir o exercício de profissão lícita. 3. Precedentes: ADIMC nº 1.472-DF e ADIMC nº 1.623-RJ. 4. Medida cautelar concedida para suspender a eficácia, com efeito ex nunc, do art. 2º e seus parágrafos § 1º e § 2º da Lei nº 4.711, de 16.12.92, do Estado do Espírito Santo, até o final julgamento desta ação” (ADI 1918 MC/ES, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. 25/11/1998, Tribunal Pleno).

“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n 2.050, de 30 de dezembro de 1992, do Estado do Rio de Janeiro. Vedação de cobrança ao usuário de estacionamento em área privada. Pedido de liminar. - Tendo em vista o precedente invocado na inicial - o da concessão de liminar na ADIN 1.472 que versa hipótese análoga à presente - não há dúvida de que é relevante a fundamentação jurídica do pedido, quer sob o aspecto da inconstitucionalidade material (ofensa ao artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, por ocorrência de grave afronta ao exercício normal do direito de propriedade), quer sob o ângulo da inconstitucionalidade formal (ofensa ao artigo 22, I, da Carta Magna, por invasão de competência privativa da União para legislar sobre direito civil). - Por outro lado, manifesta-se a conveniência da concessão da liminar, inclusive pela possibilidade de aumento dos distúrbios sociais que vem causando a aplicação dessa lei. Medida cautelar deferida, para suspender, ‘ex nunc’, a eficácia da lei estadual em causa.” (ADI 1623 MC/RJ, Min. MOREIRA ALVES, j. 25/06/1997, Tribunal Pleno).

Tal entendimento também é prestigiado pelo Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Confira-se:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Proibição de exploração pelo particular de estacionamento em estabelecimentos comerciais e de serviços. Lei complementar que invade a competência legislativa da união, ao tratar de matéria afeta ao direito de propriedade regulado pelo Código Civil Violação aos art. 1º e 144 da Constituição estadual e 22, I, da Constituição Federal. Procedência para declara a inconstitucionalidade das Leis Complementares nºs 426/2005 e 418/2004, ambas do Município de Jundiaí.” (ADI 166.824.0/2, Rel. Des. Reis Kuntz, j. 19.11.2008, T. Pleno).

Em tais circunstancias, o parecer é no sentido da decretação da nulidade do V. Acórdão ou, se assim não se entender, que seja reconhecida a inconstitucionalidade da lei impugnada.

São Paulo, 15 de março de 2012.

 

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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