Parecer
Processo n. 0042558-07.2011.8.26.0000
Requerente: 15ª Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Objeto: inconstitucionalidade do art. 6º,
inciso I e § 2º da Lei n. 4.711/08, do
Município de São Caetano do Sul
1) Ementa: Incidente de Inconstitucionalidade do art. 6º, inciso I e § 2º, da Lei n. 4.711/08, do Município de São Caetano do Sul, que altera denominação da taxa de limpeza para taxa de coleta, remoção e destinação de lixo- Previsão de cobrança da taxa de imóvel não edificado e do valor mínimo para lançamento anual, no importe de R$ 146,34.
2) Taxa que tem como hipótese de incidência serviço não específico e indivisível. Afronta ao art. 145, II, da CR/88 e do art. 77, do CTN.
3) Parecer
pelo acolhimento do incidente.
Colendo Órgão Especial:
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 15ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes (...) E (...) e PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL.
Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 6º, inciso I e § 2º, da Lei n. 4.711/08 do Município de São Caetano do Sul, que “estabelece alterações no lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU e da Taxa de Limpeza Pública; extingue a Taxa de Combate à Incêndio e de Periclitação à Vida a partir do Exercício de 2009 e dá outras providências”.
Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal especificamente sobre a constitucionalidade dos dispositivos legais em análise
Este é resumo do que consta dos autos.
A
taxa de limpeza pública prevista nos citados dispositivos legais é
inconstitucional, pois afronta o art. 160, II, da Constituição Estadual (que
reproduz o disposto no art. 145, II, da CR/88), e tem a seguinte redação:
“Art.160. Compete ao Estado instituir:
(...)
II – taxas em
razão do exercício do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou
potencial, de serviços públicos de sua atribuição, específicos e divisíveis,
prestados ao contribuinte, ou postos a sua disposição;”
A Lei Municipal nº 4.711/08, de São Caetano do Sul, prevê tributo
cujo fato gerador é a prestação de serviços gerais e indivisíveis, o que o
torna incompatível com a sistemática constitucional tributária.
Referidos dispositivos legais impõem recolhimento de tributo sobre
imóvel não edificado, situado em logradouro ou via servida por coleta
e remoção de lixo, por metro linear ou testada.
No entanto, não se pode afirmar com segurança se o imóvel
edificado poderá ou não produzir lixo, razão pela qual deveria haver especificação
e identificação de critérios para sua cobrança, o que efetivamente não ocorreu.
Não se nega que foi outorgada autonomia aos Municípios, inclusive
para fins de instituição e arrecadação de tributos, desde que atendidos os
princípios constitucionais estabelecidos, que fixam limites ao exercício dessa
competência constitucional (art. 29, caput,
e art. 30, III, da CR/88).
A Constituição da República, ao regular o sistema constitucional
tributário, estabeleceu a denominada “regra matriz de incidência”. Embora não
tenha ela própria criado tributos, indicou, de forma genérica, a norma padrão
de incidência, ou seja, as hipóteses genericamente consideradas, das quais o
legislador infraconstitucional de todas as esferas da Federação pode se valer
para criar tributos.
A competência das pessoas políticas (União, Estados, Distrito
Federal e Municípios) para instituir e arrecadar tributos deve se desenvolver
dentro desses limites, sob pena de mostrar-se inconstitucional.
É indispensável invocar, nesse passo, as considerações formuladas
por Roque Antônio Carrazza (Curso de
Direito Constitucional Tributário, 4ª ed., Malheiros, 1993, p. 257):
“A Constituição, ao discriminar
as competências tributárias, estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo
implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma
padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação.
Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo
possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota
possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o
legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma
padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador
(federal, estadual, municipal ou distrital) enquanto cria o tributo, não pode
fugir deste arquétipo constitucional”.
Além disso, a respeito da hipótese de incidência das taxas anota
Roque Antônio Carrazza que deve ser “uma
prestação de serviço público diretamente referida a alguém”. São os
serviços específicos, prestados uti
singuli. “Gozam, portanto, de
divisibilidade, é dizer, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou
potencial, individualmente considerada. É o caso dos serviços de telefone, de
transporte coletivo, de fornecimento domiciliar de água potável, de gás, de
energia elétrica, etc. Estes sim podem ser custeados por meio de taxas de
serviço” (op. cit., p. 271/272).
No mesmo sentido anotou oportunamente Geraldo Ataliba (Hipótese de Incidência Tributária, 4ªed., São Paulo, RT, 1991, p. 128 e ss.)
que a taxa é espécie de tributo vinculado, tendo em vista o critério jurídico
do aspecto material do fato gerador, ou seja, a “hipótese de incidência”,
devendo assim ser serviço especificamente ligado ao contribuinte.
Nessa mesma linha de raciocínio, aduz Hely Lopes Meirelles (Direito Municipal Brasileiro, 6ª ed., 3ª
tir., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 141), que:
“quanto à divisibilidade, o conceito do
Código Tributário Nacional está correto, pois caracteriza como divisíveis os
serviços uti singuli, i. é, os de
utilização individual e mensurável, que se contrapõem aos serviços uti
universi, prestados indistintamente a
todos os usuários, sem possibilidade de individualização e medição, muito
embora possam beneficiar mais determinadas categorias do que outras. (...)
Somente a conjugação desses dois requisitos – especificidade e divisibilidade –
aliada à compulsoriedade do serviço, pode autorizar a imposição de taxa”.
É pacífico, na doutrina, o entendimento de que só serviços
específicos e divisíveis podem render ensejo à tributação por meio de taxas.
Confira-se, entre outros: Luciano Amaro Neto, Direito Tributário Brasileiro, 13ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007,
p. 33 e ss; Ricardo Lobo Torres, Curso de
Direito Financeiro e Tributário, 14ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p.
403; Leandro Paulsen, Direito Tributário,
9ª ed., Porto Alegre, 2007, p. 48.
Essa posição também é assente junto ao E. STF, no sentido de não
se admitir a tributação, por meio de taxas, de serviços que não sejam
específicos e divisíveis.
Confiram-se os seguintes precedentes: RE 367.004-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em
31-5-07, DJ de 22-6-07; ADI 2.424,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 1º-4-04, DJ de 18-6-04; ADI 948, Rel. Min. Francisco Rezek,
julgamento em 9-11-95, DJ de 17-3-00; AI
245.539-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 14-12-99, DJ de 3-3-00; RE 249.070, Rel. Min. Ilmar Galvão,
julgamento em 19-10-99, DJ de 17-12-99; ADI
447, voto do Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-91, DJ de 5-3-93.
Apenas a título de exemplificação, confira-se a ementa transcrita
a seguir, pela qual o E. STF reconheceu a inconstitucionalidade da “Taxa de
Limpeza Pública” por vício similar ao verificado nas taxas impugnadas nesta
ação direta:
“EMENTA: -
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA: MUNICÍPIO DE IPATINGA/MG.
C.F., art. 145, II. CTN, art. 79, II e III. I. - As taxas de serviço devem ter
como fato gerador serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao
contribuinte ou postos à sua disposição. Serviços específicos são aqueles que
podem ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de
necessidade públicas; e divisíveis, quando suscetíveis de utilização,
separadamente, por parte de cada um dos usuários. CTN, art. 79, II e III. II. -
Taxa de Limpeza Pública: Município de Ipatinga/MG: o seu fato gerador apresenta
conteúdo inespecífico e indivisível. III. - Agravo não provido.” (RE-AgR
366086/MG, REL. Min. CARLOS VELLOSO, j. 10/06/2003, 2ª T., DJ 01-08-2003
PP-00137, EMENT VOL-02117-45 PP-09708).
Diversa
não é a posição que vem sendo adotada por esse C. Órgão Especial do E. Tribunal
de Justiça de São Paulo.
Quando
do julgamento da ADI 151.685-0/2-00, rel. des. Damião Cogan, em 13.08.2008, por
unanimidade foi reconhecida a inconstitucionalidade da taxa de conservação de
vias e logradouros públicos instituída no Município de Tatuí, tendo o i.
relator consignado em trecho de seu voto que:
“As atividades indicadas de conservação das vias e logradouros públicos devem ser realizadas através da receita pública obtida com os impostos, já que a Constituição da República não autoriza a instituição de taxa para o custeio de serviço público de utilização coletiva.”
No
mesmo sentido, a ementa transcrita a seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos
Portanto, os dispositivos legais em
questão violam o inciso II do art. 145 da Constituição Federal.
Ante o exposto, opino pela declaração
de inconstitucionalidade do art. 6º, inciso I e § 2º, da Lei n. 4.711/08, do
Município de São Caetano do Sul.
São Paulo, 18 de maio de 2011.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb