Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0043808-75.2011.8.26.0000

Suscitante: 13ª Câmara de Direito Público do TJSP

Objeto: §§ 1º e 2º do art. 43 da Lei Complementar Estadual nº 1.059/08 

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 13ª Câmara de Direito Público, tendo por objeto os §§ 1º e 2º do art. 43 da Lei Complementar Estadual nº 1.059/08, que autoriza a conversão em pecúnia dos períodos de licença prêmio não usufruídos pelos Agentes Fiscais de Rendas, sem a observância do teto constitucional (art. 37, XI, CF com a redação da EC nº 41/03). Natureza indenizatória do pagamento, que o exclui, portanto, do referido limite. Cálculo de indenização que deve desprezar o redutor da EC 41/03. Parecer pela declaração da constitucionalidade do § 1º e da inconstitucionalidade do § 2º.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 13ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação nº 990.10.366217-2 (0005468-34.2010), em que figuram como partes a FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO (apelante) e (...) (apelado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), cogitando-se do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, dos §§ 1º e 2º do art. 43 da Lei Complementar Estadual nº 1.059/08.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

Versam os autos sobre ação de cobrança proposta por Agente Fiscal de Rendas aposentado, que pretende receber em pecúnia períodos de licença prêmio não usufruídas no curso da carreira.

A pretensão do autor se estriba no art. 43 da Lei Complementar Estadual nº 1.059/08, cuja constitucionalidade foi posta em dúvida pelo Órgão Fracionário. A questão deve ser dirimida para se saber se, no cálculo da indenização, há que se considerar ou não o teto remuneratório.

Eis a redação do dispositivo em análise:

Artigo 43 - Os períodos de licenças-prêmio não usufruídas, a que fazem jus os Agentes Fiscais de Rendas em atividade, poderão ser convertidos em pecúnia no momento da aposentadoria ou do falecimento, mediante requerimento.

§ 1º - O valor pago nos termos do "caput" deste artigo tem caráter indenizatório, não devendo ser considerado para fins de determinação do limite a que se refere o inciso XII do artigo 115 da Constituição Estadual.

§ 2º - O valor da indenização de que trata este artigo será calculado com base na remuneração do Agente Fiscal de Rendas, referente ao mês anterior ao do evento a que se refere o "caput" deste artigo, e o pagamento será efetuado no prazo de 3 (três) meses subsequentes ao mês do requerimento.

Inicialmente, submete-se à elevada apreciação do C. Órgão Especial a tese da inconstitucionalidade do § 1º do art. 43 da Lei Complementar nº 1.059/08, que autoriza a conversão em pecúnia, sem a observância do teto constitucional (art. 37, XI, CF com a redação da EC nº 41/03), dos períodos de licença prêmio não usufruídos pelos Agentes Fiscais de Rendas.

Referido dispositivo, segundo penso, não contraria a Carta Política.

É que o pagamento em pecúnia de licença prêmio (ou mesmo de férias) não se confunde com os institutos da remuneração ou da vantagem pessoal, que demandam a observância do limite remuneratório fixado no inc. XII do art. 115 da Constituição Paulista, que traslada para o âmbito Estadual a regra do art. 37, XI, CF (com a redação da EC nº 41/03).

De fato, a conversão dos períodos de afastamento em pecúnia tem, como se sabe, inequívoco caráter indenizatório, não se contendo, desse modo, no limite cogitado.

Sobre a parcela sequer incide o imposto de renda. Confira-se:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. FÉRIAS E LICENÇA PRÊMIO PAGOS EM PECÚNIA. I. - Férias e licença-prêmio em pecúnia: não-incidência do imposto de renda, dado o seu caráter indenizatório. Matéria infraconstitucional: não-cabimento do RE. II. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido
(RE 380022 AgR, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 10/08/2004, DJ 27-08-2004 PP-00077 EMENT VOL-02161-03 PP-00494).

Esse entendimento está, consoante expõe o Procurador-Geral do Estado (fls. 134/145), em consonância com o art. 37, § 11, da Constituição Federal (com a redação da EC nº 47/05), in verbis:

§ 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei.

Ajusta-se, ainda, à jurisprudência desse E. Tribunal:

LICENÇA-PRÊMIO. Indenização. Conversão em pecúnia. Pagamento sem incidência do teto remuneratório estadual. Retenção indevida. Verba sem natureza remuneratória nem de vantagem pessoal, mas indenizatória. Demanda que se julga procedente. Recurso provido (Apelação nº 0029113.88.2010.8.26.0053, rel. Des. Edson Ferreira, j. 27.04.11).

Servidores – Férias e licença prêmio – Indenização – Não tendo o servidor gozado dos benefícios de férias e licença prêmio a que tinha direito em razão de sua aposentadoria, estas se convertem em pecúnia. Prescrição afastada. Incidente de uniformização de jurisprudência indeferido – Sentença mantida – Recurso voluntário bem como reexame necessário improvidos (Apelação nº 822.160.5/1-00, rel. Des. Luiz Burza Neto, j. 15.10.08).

Solução diversa deve ser adotada em relação ao art. 43, § 2º, da norma estadual.

É que, se a conversão da licença prêmio em pecúnia implica em indenizar com base na remuneração do servidor, esta encontraria seu limite na regra que emana dos arts. 37, XI, CF e 115, XII, CE, tal como sustenta a Fazenda Pública.

Se isso ocorrer, entretanto, o benefício instituído no parágrafo anterior – que segue a regra do art. 37, § 11, da Constituição Federal (com a redação da EC nº 47/05) – ficaria anulado.

Nesse panorama, impõe-se declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 43, por ofensa ao art. 37, § 11, da CF.

Se assim não se entender, convém empregar, em relação ao referido dispositivo, a técnica da interpretação conforme a Constituição.

Na interpretação conforme a Constituição, “the court, if possible, must give the statute such a construction as will enable it to have effect”[1]. Ou seja: o Tribunal parte do pressuposto que o legislador quis positivar uma norma constitucional (no caso, o art. 37, § 11, da CF) e atribui ao ato legislativo sindicado a única interpretação que confere efetividade àquela.

No caso vertente, entendo que o C. Órgão Especial deverá declarar que o valor da indenização de que trata o § 2º do art. 43 da Lei Complementar Estadual nº 1.059/08 será calculado com base na remuneração, “excluído o redutor salarial (EC 41/2003)”, dirimindo em definitivo a dúvida constitucional que lhe foi apresentada.

Diante do exposto, opino pela constitucionalidade do § 1º do art. 43 e pela inconstitucionalidade do § 2º do art. 43, ambos da Lei Complementar Estadual nº 1.059/08.

 

São Paulo, 20 de julho de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

jesp



[1] Cooley, Treatise on the constitutional limitations, apud: Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, Controle concentrado de constitucionalidade, 3ª. Ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 457.