Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0056194-40.2011.8.26.0000

Requerente: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: art. 3º da Lei Complementar Estadual n. 809/96.

 

Lei Complementar Nº 809, de 18 de abril de 1996, que institui Prêmio de Valorização para os servidores em exercício na Secretaria da Educação e determina que o valor do Prêmio de Valorização seja computado exclusivamente no cálculo de férias e de licença-prêmio, ficando, por conseguinte, esse valor excluído do cálculo do décimo terceiro salário e de todas as demais vantagens.  Violação, em tese, aos arts. 7º, inciso VIII e 39, § 3º, ambos da Constituição Federal, além de afronta ao art. 124, § 3º, da Constituição do Estado de São Paulo.

 

 

Colendo Órgão Especial:

                  

A Colenda 9ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suscitou incidente de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 3º da Lei Complementar n. 809/96, conforme venerando acórdão assim ementado:

SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. Ativos e inativos. Secretaria da Educação. Prêmio de Valorização instituído pelas Leis Complementares ns. 809/96, 818/96, 838/97, 855/98 e 861/99. Pretensão à inclusão do benefício ao 13° salário. Admissibilidade. Artigos 7o, inciso VIII, e 39, §3°, da CF/88. Todavia, as diferenças são pagas até a entrada em vigor da Lei Complementar n° 1.018 que determinou a absorção do benefício nos níveis de vencimentos das escalas de vencimentos. Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 3o da Lei Complementar n° 809/96, na parte em que exclui o Prêmio de Valorização do cálculo do décimo terceiro salário reconhecida pelo Juízo de primeiro grau, mantida nesta instância. Incidência da Súmula Vinculante n° 10 do C. STF. Remessa dos autos para o C. Órgão Especial para apreciação da matéria constitucional.

É o breve relato.

Como se sabe, o procedimento relativo ao incidente de inconstitucionalidade tem por escopo, em última análise, a observância da denominada “cláusula de reserva de plenário”, prevista no art. 97 da CR/88, pela qual “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Essa regra define a competência funcional e absoluta do Tribunal (Pleno ou Órgão Especial), bem como o quórum mínimo para a deliberação, quando for o caso de reconhecimento de incompatibilidade entre determinado ato normativo e o texto constitucional.

Em razão disso é que o Código de Processo Civil estabelece o procedimento previsto nos seus arts. 480 a 482.

O procedimento relativo ao incidente de inconstitucionalidade é dividido em três fases: (a) a primeira, com a manifestação do órgão colegiado fracionário, admitindo o recurso e determinando a instauração do incidente por vislumbrar a possibilidade de declaração da inconstitucionalidade do ato normativo; (b) a segunda perante o Tribunal ou respectivo Órgão Especial, para exame efetivo da questão constitucional; (c) a terceira, com o retorno dos autos ao órgão fracionário, para conclusão do julgamento do recurso, com aplicação do direito à espécie.

Isso decorre expressamente do CPC, na medida em que: (a) o art. 481, caput, prevê que, se for acolhida, no órgão fracionário, a alegação de inconstitucionalidade, “será lavrado acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno”; e (b) tratar o art. 482 e §§ do procedimento relativo ao julgamento do incidente no Tribunal Pleno ou Órgão Especial.

Esse sistema estabelece, nesse caso, o julgamento como um ato complexo, na medida em que o resultado final será formado pela manifestação de vontade de diferentes órgãos, todos eles com competência funcional e absoluta: (a) primeiro, a deliberação do colegiado fracionário, imprescindível à instauração do incidente; (b) depois, a deliberação do Tribunal, que se limita a examinar a quaestio iuris consubstanciada na discussão constitucional; (c) por último, o retorno dos autos com o acórdão relativo ao incidente ao colegiado fracionário, a quem caberá concluir o julgamento.

A Lei Complementar Nº 809, de 18 de abril de 1996, instituía Prêmio de Valorização para os servidores em exercício na Secretaria da Educação. Assim, nos termos de seu art. 1º, ficava instituído no período de 1º de março de 1996 a 27 de dezembro de 1996, Prêmio de Valorização aos servidores em exercício na Secretaria da Educação, a ser concedido mensalmente, na seguinte forma:

I - para os servidores do Quadro do Magistério:

a)  integrantes da série de classes de docentes:

1. R$ 40,00 (quarenta reais) quando em Jornada Integral de Trabalho Docente;

2. R$ 30,00 (trinta reais) quando em Jornada Completa de Trabalho Docente;

3. R$ 20,00 (vinte reais) quando em Jornada Parcial de Trabalho Docente;

b)  integrantes das classes de especialista de educação:

1. R$ 40,00 (quarenta reais) quando em Jornada de 40 (quarenta) horas semanais;

2. R$ 30,00 (trinta reais) quando em Jornada de 30 (trinta) horas semanais;

II - para os servidores do Quadro de Apoio Escolar e Quadro da Secretaria da Educação:

a) R$ 80,00 (oitenta reais) quando em Jornada de 40 (quarenta) horas semanais;

b) R$ 60,00 (sessenta reais) quando em Jornada de 30 (trinta) horas semanais.

Parágrafo único - O valor da hora-aula devido aos docentes, para os fins de que trata esta lei complementar, será de 1/200 (um duzentos avos) sobre o valor do prêmio fixado para a Jornada Integral de Trabalho Docente.

O dispositivo em discussão neste incidente de inconstitucionalidade é o art. 3º da Lei Complementar Nº 809, de 18 de abril de 1996, a saber:

Artigo 3º - O Prêmio de Valorização não se incorporará aos vencimentos para nenhum efeito, e sobre ele não incidirão vantagens de qualquer natureza, bem como os descontos previdenciários e de assistência médica.

Parágrafo único - O valor do Prêmio de Valorização será computado exclusivamente no cálculo de férias e de licença-prêmio, ficando, conseqüentemente, esse valor excluído do cálculo do décimo terceiro salário e de todas as demais vantagens.

O art. 3º da Lei Complementar Estadual n. 809/96, ao vedar a inclusão do prêmio de valorização do magistério no cálculo do 13º salário, afronta os arts. 7º, inciso VIII, e 39, § 3º, da Constituição Federal, além de afrontar o art. 124, § 3º, da Constituição do Estado de São Paulo.

De toda forma, a Lei Complementar n. 1080, de 17 de dezembro de 2008, instituiu o Plano Geral de Cargos, Vencimentos e Salários para os servidores das Secretarias de Estado, da Procuradoria-Geral do Estado e das Autarquias, titulares de cargos e ocupantes de funções-atividades expressamente indicados nos Anexos I e II de referida legislação, sendo certo que o art. 59, XIII, dispõe:

Artigo 59 - Esta lei complementar e suas Disposições Transitórias entram em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de outubro de 2008, ficando revogados:

(...).

XIII - a Lei Complementar nº 809, de 18 de abril de 1996.

Ao lado da revogação da norma supra transcrita, registre-se, por oportuno, que a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da apelação cível n. 447.583.5/8-00, decidiu que a exclusão do valor do prêmio de valorização no cálculo do décimo terceiro não poderia prevalecer, ante os termos claros do disposto no art. 7o, inciso VIII, da Constituição Federal, aplicável aos servidores públicos (art. 39, § 3o, da Carta Magna), segundo o qual o décimo terceiro salário deve ter como base a remuneração integral, compreendendo o padrão e todas as demais vantagens pecuniárias que, a título permanente ou transitório, são pagas aos beneficiários.

Expediu-se, então, em sede de mandado de segurança coletivo (Apelação Cível n. 447.583.5/8-00), a seguinte ordem:

“Em tais condições, dá-se provimento ao recurso, para conceder a segurança, determinando à autoridade impetrada que, a partir da impetração, seja incluído o chamado prêmio de valorização no cálculo de pagamento do décimo terceiro salário dos associados do impetrante, incidindo sobre os atrasados correção monetária e juros moratórios de seis por cento ao ano a partir da data em que cada parcela tornou-se devida e de 30 de junho de 2009 em diante o art. 1o - F da Lei n° 9.494/97, na redação da Lei n° 11.960/09”

Como bem ressaltado pelo Ilustre Desembargador REBOUÇAS DE CARVALHO, no julgamento da Apelação Cível n. 765.351-5/0, “não se pode ter por transitória gratificação que se veja indefinidamente inserida na esfera patrimonial do servidor. E não há que se falar, in casu, tratar-se de gratificação de serviço propter laborem, porquanto concedida de forma ampla e genérica aos servidores da Secretaria da Educação, além de haver sido expressamente estendida aos inativos (artigo 5º da Lei Complementar n. 809/96), características que peremptoriamente afastam a natureza que se lhe pretende imputar”.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do acolhimento do incidente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar Nº 809, de 18 de abril de 1996, que institui Prêmio de Valorização para os servidores em exercício na Secretaria da Educação e determina que o valor do Prêmio de Valorização seja computado exclusivamente no cálculo de férias e de licença-prêmio, ficando, por conseguinte, esse valor excluído do cálculo do décimo terceiro salário e de todas as demais vantagens.  Com efeito, há violação aos arts. 7º, inciso VIII e 39, § 3º, ambos da Constituição Federal, além de afronta ao art. 124, § 3º, da Constituição do Estado de São Paulo.

 

São Paulo, 14 de abril de 2011.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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