Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0063156-79.2011.8.26.0000

Suscitante: 26ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 10.995/01, do Estado de São Paulo

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 10.995/01, suscitado pela 26ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ato normativo que regulamenta no âmbito do Estado de São Paulo a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular. Alegação de ofensa ao art. 22, inc. IV, da Constituição Federal. Invasão da competência legislativa privativa da União, com violação ao princípio federativo. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 26ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de Apelação Cível em que figuram (...) como apelante, (...) como apelado e PREFEITURA MUNICIPAL DE BOCAINA e TESS S/A como partes.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 10.995/01, do Estado de São Paulo.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

Eleva-se ao C. Órgão Especial a tese da suposta inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 10.955/01, que regulamenta a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular no Estado de São Paulo.

Segundo a tese em que se apoia a arguição, o ato normativo versa sobre matéria de competência legislativa da União (art. 22, inc. IV, CF), sendo, por isso, inconstitucional.

Atento à delimitação do tema estabelecida pelo Órgão fracionário, transcrevo o art. 5º da lei em análise, que, segundo o v. Acórdão, poderia ter sido desatendido quando da expedição do alvará de liberação da edificação que serve de base à antena de telefonia móvel na propriedade do apelante (...):

Lei nº 10.995, de 19 de dezembro de 2001, do Estado de São Paulo

Dispõe sobre a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular, no Estado de São Paulo.

Artigo 5º - A base de sustentação de qualquer antena transmissora deverá estar, no mínimo, a 15 (quinze) metros de distância das divisas do local em que estiver instalada, observando-se o disposto no artigo anterior.

Parágrafo único - Os imóveis construídos após a instalação da antena que estejam situados total ou parcialmente na área delimitada no "caput" serão objeto de medição radiométrica, não havendo objeção à permanência da antena se estiver sendo respeitado o limite máximo de radiação previsto no artigo 3º.

Sabe-se que compete à União legislar privativamente sobre telecomunicações (art. 22, inc. IV, da Constituição Federal).

No exercício dessa competência, foi editada a Lei Federal n.º 9.472/97, que “dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995”.

O art. 1º da Lei nº 9.472/97 prevê a existência de um órgão regulador dos serviços de telecomunicações, a quem compete “o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências”.

Esse órgão é, segundo se lê no art. 8º da mesma lei, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, a quem compete “estabelecer limites e definir métodos de avaliação e procedimentos a serem observados quando do licenciamento de estações de radiocomunicação, no que diz respeito à exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos de radiofreqüências associados à operação de estações transmissoras de serviços de telecomunicações”.

No exercício de sua missão legal, a ANATEL editou a Resolução nº 303, de 2 de julho de 2002, que “aprova o Regulamento sobre Limitação da Exposição a Campos Elétricos, Magnéticos e Eletromagnéticos na Faixa de Radiofrequências entre 9 KHz e 300Ghz”.

Daí que, não cabe aos Estados ou Municípios editar normas pertinentes a esse assunto, que é estranho às suas competências legislativas. Se o fazem, produzem atos inconstitucionais.

A sutileza da questão reside no fato de que a norma Estadual aparenta tratar de saúde[1], tema afeto ao Estado. Basta ver que a Lei nº 10.995/01 faz menção à Organização Mundial de Saúde ao tratar da radiação máxima permitida em “local passível de ocupação humana” (art. 3º).

De toda sorte, essa não é a mens legis dos dispositivos em análise.

Na Lei Estadual, os arts. 3º, 4º e 5º aludem a aspectos técnicos da instalação de antenas transmissoras, ao tratar, por exemplo, da potência da radiação emitida pela nova antena.

As distâncias entre o ponto de emissão ou a base de sustentação foram definidas em função da radiação permitida na região considerada, como deixa claro o parágrafo único do art. 5º ao dispor sobre mediação radiométrica nos imóveis edificados após a colocação da antena.

De fato, o estado de probabilidade (prevenção) ou de incerteza (precaução) de riscos, perigos ou danos decorrentes dos serviços de telecomunicações é unitariamente concebível e estimável para os Estados de São Paulo, do Amazonas, de Pernambuco, de Goiás, bem como para os Municípios de Campinas, Manaus, Olinda ou Goiânia, o que inspira a uniformidade e a centralidade normativa. Não basta a titularidade federal do serviço; os efeitos da atividade na saúde ou no meio ambiente serão os mesmos em quaisquer Estados ou Municípios da República.

Nem se alegue a existência de interesses outros, como o da saúde ou da disciplina do uso e ocupação do solo urbano. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência da predominância – chave-mestra para delimitação da autonomia local – na medida em que não se cinge às peculiaridades de cada Estado-membro ou comuna a definição dos parâmetros de radiação de antenas ou o estabelecimento de posturas edilícias, quando estas forem definidas – como no caso da lei de Campinas – para evitar riscos ou perigos à vida, à saúde, à segurança, decorrentes das instalações de ERB’s, posto que em qualquer espaço do território nacional prevalece a identidade de causas e efeitos.

Deste modo, normas que contêm ou indicam padrões ou parâmetros para uso de instalações e equipamentos dos serviços de telecomunicações, ainda que tratem dos reflexos a terceiros, são da órbita de competência normativa federal.

No caso vertente, dado que as prescrições estaduais se divorciam da norma federal no âmbito da competência legislativa da União, estas não resistem ao controle de constitucionalidade.

Como é cediço, a Constituição da República estabelece a repartição constitucional de competências entre as diversas esferas da federação brasileira. E a repartição de competências entre os entes federados é o corolário mais evidente do princípio federativo.

Referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros, “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.).

Um dos aspectos de maior relevo e que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo, adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal, e Municípios, em relação à União.

Anota a propósito Fernanda Dias Menezes de Almeida que “avulta, portanto, sob esse ângulo, a importância da repartição de competências, já que a decisão tomada a respeito é que condiciona a feição do Estado Federal, determinando maior ou menor grau de descentralização.” Daí a afirmação de doutrinadores no sentido de que a repartição de competências é “‘a chave da estrutura do poder federal’, ‘o elemento essencial da construção federal’, ‘a grande questão do federalismo’, ‘o problema típico do Estado Federal’” (Competências na Constituição Federal de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 19/20).

Em conclusão, quando leis estaduais ou municipais pretendem regular matéria cuja competência é do legislador federal estão, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, violando o princípio federativo. São, portanto, inconstitucionais.

Nesse sentido, mutatis mutandis, decidiu o STF:

"A Lei distrital 3.596 é inconstitucional, visto que dispõe sobre matéria de competência da União, criando obrigação não prevista nos respectivos contratos de concessão do serviço público, a serem cumpridas pelas concessionárias de telefonia fixa – art. 22, IV, da Constituição do Brasil." (ADI 3.533, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-8-2006, Plenário, DJ de 6-10-2006.)

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 10.995/01, por violação do art. 22, inc. IV, da Constituição Federal.

São Paulo, 19 de abril de 2011.

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

jesp



[1] Registre-se que, em recente julgamento, a 3ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado pronunciou-se pela constitucionalidade da Lei Estadual nº 10.995/01, por entender que, “ao dispor sobre a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular no Estado de São Paulo, visou atenuar os malefícios causados tanto à saúde pública, quanto ao meio ambiente, pelas ondas radioativas emitidas pelos equipamentos de transmissão (antenas)”. Entendeu-se haver competência legislativa concorrente nos termos do art. 24 da Constituição Federal (Apel. nº 994.06.059376-5, j. 8 jun. 2010, rel. Des. Antonio Carlos Malheiros).