Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0063328-21.2011.8.26.0000

Suscitante: 2ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Objeto: art. 9º, inc. III, da Lei n. 2004/09, do Município de São Sebastião

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 9º, inc. III, da Lei n. 2004/09, do Município de São Sebastião, que "Institui o Programa Social de Transporte ao Estudante do Ensino Médio Profissionalizante e Universitário, no âmbito do Município de São Sebastião e dá outras providências". Exigência desarrazoada para o exercício do benefício da lei. Violação ao princípio da isonomia. Parecer pela declaração da inconstitucionalidade da norma questionada.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

(...) e (...), residentes no município de São Sebastião, impetraram mandado de segurança contra ato do Senhor Prefeito Municipal daquele Município, pleiteando a fruição de transporte escolar.

Pela r. Sentença de fls. 70/72, a pretensão foi acolhida, da qual adveio apelação (fls. 74/78).

O recurso foi regularmente processado, com contrarrazões a fls. 84/87, seguido de recurso adesivo, sendo distribuído à Colenda 2ª. Câmara de Direito Público.

O v. Acórdão de fls. 97/103 determinou a suspensão do julgamento da apelação, para que, em atenção à cláusula da reserva de Plenário (Súmula vinculante nº 10), o E. Órgão Especial se pronuncie sobre a constitucionalidade do art. 9º, inc. III, da Lei n. 2004/09, do Município de São Sebastião.

Este é resumo do que consta dos autos.

De fato, sem qualquer sombra de dúvida, observa-se, a olho nu, efetiva afronta ao princípio da isonomia, tutelado pelo art. 5º, caput, da CF.

A Lei Municipal assim exige:

"Art. 9º - Para habilitar-se ao Subsídio Social de Transporte o estudante deverá comprovar no ato de sua inscrição, o seguinte:

(...)

III - Comprovar através de histórico escolar, ter cursado no Município de São Sebastião, o ensino fundamental ou médio pelo menos 03 (três) anos, dispensados dessa exigência os policiais civis e militares e os servidores públicos federais e estaduais transferidos para o Município."

Como bem apontado na r. sentença de primeiro grau:

"A legislação invocada pela administração pública para obstar a pretensão das impetrantes viola o princípio constitucional da isonomia, na medida que cria duas classes distintas de munícipes: aqueles que cursaram o estudo médio ou fundamental no município e aqueles que não o fizeram, sem qualquer fundamento para tanto." (fls. 71)

Para que tal distinção pudesse ser feita, necessário seria que as impetrantes estivessem em situação tão ímpar que lhes fosse exigido tratamento diferenciado, em observância à própria definição de isonomia, que significa tratar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.

Porém, esta realidade não existe e as impetrantes encontram-se na mesma situação que os demais estudantes do município, carentes de transporte escolar, merecendo, por isso, o mesmo tratamento, qual seja: a fruição do programa de transporte escolar para os munícipes que dele necessitam.

A Constituição Federal, como se sabe, ao abraçar o princípio da igualdade de direitos, veda os tratamentos diferenciados, arbitrários e as discriminações.

Ensina Alexandre de Moraes que:

"Importante, igualmente, apontar a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade: limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular.

O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade." (Constituição do Brasil Interpretada, Ed.2002, Atlas, pág. 181)

Desarrazoada se mostra a exigência de comprovação pelo estudante de ter cursado o ensino fundamental ou médio, pelo menos três anos, no município de São Sebastião, para poder usufruir do transporte escolar.

         Essa é uma situação que revela clara violação ao princípio da razoabilidade, imanente ao nosso sistema constitucional, cujo respeito exige que o ato normativo supere o “teste” consubstanciado: (a) na necessidade do ato normativo; (b) na sua adequação à situação material normatizada; (c) na proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, na compatibilidade entre os meios empregados pelo legislador e as metas que ele desejou alcançar.

         Esse raciocínio tem sido acolhido pela doutrina como argumento suficiente para, por desconsideração a um dos três aspectos do “teste de razoabilidade”, afastar-se a legitimidade do ato normativo ou administrativo. Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.95; Gilmar Ferreira Mendes, “A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83.

         Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade do art. 9º, inc. III, da Lei n. 2004/09, do Município de São Sebastião.

São Paulo, 13 de abril de 2011.

 

 

         Sérgio Turra Sobrana

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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