Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0063358-56.2011.8.26.0000

Requerente: 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: inconstitucionalidade do art. 136 da Lei n. 1.745/94, do município de Pedreira

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 136 da Lei n. 1.745/94, do município de Pedreira. Gratificação de nível universitário a critério do Prefeito Municipal a funcionário titular de cargo de provimento efetivo para o qual a referida condição é exigida para o ingresso. Norma que confere indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, estando alheada aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos. Parecer pela procedência.

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Colendo Órgão Especial

 

                   A colenda 7ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente “ação ordinária” ajuizada por funcionária pública municipal em face da municipalidade de Pedreira, pleiteando o reconhecimento do direito de receber gratificação de nível universitário de 50% sobre o seu vencimento, suscitou incidente de inconstitucionalidade do art. 136 da Lei n. 1.745/94, do município de Pedreira, assim redigido:

“Art. 136 – A critério do Senhor Prefeito Municipal poderá ser concedido ao funcionário titular de Cargos de Provimento efetivo cuja lei criadora exija, para seu preenchimento, nível universitário, gratificação de até 50% cinquenta por cento) sobre seu vencimento”.

                   No julgamento da apelação a douta Turma Julgadora suscitante do presente incidente de inconstitucionalidade assinalou que:

“A Lei Municipal n. 1.754/94 ofende os princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade administrativa, a discricionariedade administrativa concedida pela lei ao Chefe Executivo Municipal está eivada de ilegalidade. Além do que, essa gratificação não pode favorecer titular de cargo, cuja lei criadora já exija, para seu preenchimento, nível universitário. Por essas razões, inaplicável a Lei Municipal n. 1.745/94”.

É o breve relatório.

                   O incidente preenche os requisitos de admissibilidade.

                   O colendo Órgão Especial não tem conhecido de incidente de inconstitucionalidade de lei se a douta Turma Julgadora simplesmente determina sua instauração sem pronunciamento positivo ou negativo da inconstitucionalidade (Incidente de Inconstitucionalidade de Lei n. 172.877-0/2-00, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, v.u., 18-02-2009).

                   No caso em foco, o venerando acórdão prolatado pela douta Câmara suscitante se pronunciou a respeito da inconstitucionalidade.

                   No exame da questão de fundo, com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, o parecer é no sentido da inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado, pois a estrutura normativa da gratificação por nível universitário é aumento disfarçado de vencimentos de ordem geral.

                   As vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

                   Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].

                   Se tradicional ensinança assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

                   Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

                   Ademais, oportuno admoestar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

                   As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

                   É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).

                   Posto isso, resta evidente a inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado constante da Lei Municipal n. 1.745/94, de Pedreira.

                   Como muito bem assinalou a Colenda 7ª Câmara de Direito Público, a discricionariedade concedida ao Prefeito Municipal é ofensiva aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa, principalmente por conceder gratificação em face de condição que é imposta para o próprio ingresso. Restam violados, pois, os arts. 37 da Constituição Federal e 11 da Constituição Bandeirante.

                   Em tais circunstancias, o parecer é no sentido de que seja acolhida a tese da inconstitucionalidade.

São Paulo, 16 de maio de 2011.

 

         Sergio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

 

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