Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0068998-06.2012.8.26.0000

Suscitante: 7ª Câmara de Direito Criminal

Objeto: inconstitucionalidade do art. 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Ementa: Constitucional.Processual civil. Incidente de Inconstitucionalidade. Regimento Interno do TJSP (art. 252). Preliminar de não conhecimento. Improcedência do incidente. Motivação “per relationem” satisfaz o dever constante do art. 93, IX, CF/88.1. Compete ao órgão fracionário se pronunciar sobre a inconstitucionalidade suscitada, fundamentando seu acolhimento ou sua rejeição. 2. Se o órgão fracionário já julgou a apelação, não há mais lugar para o processamento de incidente de inconstitucionalidade, porque a eficácia vinculante precede o julgamento do mérito.3. O art. 252 do RITJSP (“Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la”) não desafia nem confronta com o dever de motivação constante do art. 93, IX, da Carta Magna, ao instituir a possibilidade de motivaçãoaliunde (ou per relationem) nos julgamentos de recursos pelo TJ, pois, essa é uma forma de motivação que satisfaz a regra constitucional destacada.

 

Colendo Órgão Especial:

 

1.                Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela colenda 7ª Câmara de Direito Criminal no julgamento de embargos de declaração interpostos (fls. 347/360) contra venerando acórdão do citado órgão colegiado que proveu parcialmente apelação interposta por réus condenados pela prática de roubo qualificado (fls. 340/344), em que a douta defesa sustentou a inconstitucionalidade do art. 252 do Regimento Interno do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 382/384).

2.                É o relatório.

3.                A douta defesa acusou nos embargos declaratórios a inconstitucionalidade do art. 252 do Regimento Interno em face do art. 93, IX, da Constituição Federal, “tendo em vista a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais” (fl. 354).

4.                Do venerando acórdão que julgou a apelação consta que:

“A r. sentença recorrida, suficientemente motivada no que diz respeito ao decreto condenatório e em nada abalada pelas razões de recurso oferecidas, merece ser mantida por seus próprios fundamentos, ora ratificados nos termos do que vem expressamente autorizado pelo artigo 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça (...)” (fl. 342).

5.               Na apreciação dos embargos declaratórios, o douto órgão colegiado não se pronunciou sobre a constitucionalidade ou não do preceito regimental, limitando-se a suscitá-lo em razão da prejudicialidade da matéria.

6.                Preliminarmente, não merece conhecimento o incidente.

7.                Consoante entendimento pacificado neste colendo Órgão Especial, o incidente de inconstitucionalidade não pode ser conhecido se o órgão judiciário suscitante não examina a questão da inconstitucionalidade, como ocorrido in casu em que o douto órgão fracionário recebeu embargos declaratórios como incidente de inconstitucionalidade e determinou sua remessa ao colendo Órgão Especial.

8.                A título de exemplo assim já decidiu esse colendo Órgão Especial em venerando acórdão da lavra do eminente Desembargador Mário Devienne Ferraz, cujos valiosos fundamentos, no que interessa, são transcritos e incorporados expressamente:

“Ocorre que a instauração do incidente de inconstitucionalidade, regulado nos artigos 480 a 482 do Código de Processo Civil, exige que o órgão fracionário enfrente a alegação e decida se a acolhe ou a rejeita. Se a rejeitar, declarará as razões pelas quais concluiu nesse sentido e prosseguirá no julgamento de mérito. Na hipótese contrária, se acolher a argüição, deverá lavrar acórdão nesse sentido e suspenderá o julgamento, determinando a remessa dos autos ao Órgão Especial para decisão quanto à declaração incidental de inconstitucionalidade, nos moldes do que dispõe o artigo 97 da Constituição Federal e a Súmula Vinculante nº 10, do colendo Supremo Tribunal Federal. Se o Órgão Especial concluir pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, os autos de qualquer forma retornarão ao órgão fracionário, que prosseguirá no julgamento do mérito, ficando vinculado, entretanto, ao que for decidido pelo Órgão Especial.

(...)

Como visto, a leitura do acórdão revela que a questão relativa ao acolhimento ou não da inconstitucionalidade da norma atacada não foi submetida à turma julgadora, que sobre isso não se pronunciou” (Incidente de Inconstitucionalidade de Lei n. 172.877-0/2-00, Miguelópolis, Órgão Especial, v.u., 18-02-2009.

9.                Com efeito, compete ao órgão fracionário, em qualquer hipótese, se pronunciar sobre a inconstitucionalidade suscitada, fundamentando seu acolhimento ou sua rejeição.

10.              Por isso, o incidente não merece conhecimento.

11.              Se ultrapassada a preliminar, o art. 252 do Regimento Interno do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo assim dispõe:

“Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificaros fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la”.

12.              Esse preceito regimental é posto em confronto com o art. 93, IX, da Constituição Federal, que estabelece que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário são públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)”.

13.              O art. 252 do Regimento Interno não desafia nem confronta com o dever de motivação constante do art. 93, IX, da Carta Magna, ao instituir a possibilidade de motivação in aliunde (ou per relationem) nos julgamentos de recursos pelo Tribunal de Justiça, pois, essa é uma forma de motivação que satisfaz a regra constitucional destacada.

14.              Neste sentido, os inúmeros pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal:

“(...) Não se desconhece, na linha de diversos precedentesque esta Suprema Corte estabeleceu na matéria (RTJ 173/805-810,808/809, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 84.869/SP, Rel. Min.SEPÚLVEDA PERTENCE), que se revela legítima, para efeito do quedispõe o art. 93, inciso IX, da Constituição da República, amotivação ‘per relationem’, desde que os fundamentos existentes ‘aliunde’, a que se haja reportado a decisão questionada, atendamàs exigências estabelecidas pela jurisprudência constitucionaldo Supremo Tribunal Federal.

É que a remissão feita pelomagistrado, referindo-se, expressamente, aos fundamentos quederam suporte a anterior decisão (a sentença do Juizado Especial,no caso), constitui meio apto a promover a formal incorporação,ao novo ato decisório (o acórdão da Turma ou Colégio Recursal, naespécie), da motivação a que este último se reportou como razãode decidir.

Desse modo, o exame da estrutura formal do ato oraquestionado parece revelar que este se mostra compatível com ajurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cuja orientação, notema, reflete o entendimento que se vem de expor:

‘Acórdão. Está fundamentado quando se reporta aos fundamentos do parecer do SubProcurador-Geral, adotando-os; e, assim, não é nulo.’ (RE37.879/MG, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI - grifei)

‘Nulidade de acórdão. Não existe, por falta de fundamentação, se ele sereportou ao parecer do Procurador-Geral do Estado, adotando-lhe os fundamentos.’ (RE 49.074/MA, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI -grifei)

‘Habeas corpus. Fundamentação da decisão condenatória.Não há ausência de fundamentação, quando, ao dar provimento àapelação interposta contra a sentença absolutória, a maioria daTurma julgadora acompanha o voto divergente, que, para condenar oréu, se reporta expressamente ao parecer da Procuradoria-Geralda Justiça, onde, em síntese, estão expostos os motivos pelosquais esta opina pelo provimento do recurso. Habeas corpusindeferido.’ (HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES -grifei) (...)” (STF, HC-MC 86.532-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 27-09-2005, DJ 05-10-2005, p. 34).

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Juizados Especiais. Turma Recursal. Remissão aos fundamentos da sentença. Lei nº 9.099/95. Possibilidade. 1. Não viola a exigência constitucional de motivação a fundamentação de turma recursal que, em conformidade com a Lei nº 9.099/95, adota os fundamentos contidos na sentença recorrida. 2. Agravo regimental desprovido” (RTJ 207/426).

“RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Parecer do Ministério Público como custos legis. Adoção pelo acórdão impugnado, como razão de decidir. Ofensa à ampla defesa e à necessidade de motivação das decisões judiciais. Não ocorrência. Agravo regimental improvido. Não fere as garantias do contraditório, da ampla defesa, nem da motivação das decisões judiciais, a adoção, como ratiodecidendi, da manifestação, a título de custos legis, do Ministério Público” (STF, AgR-RE 360.037-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, 07-08-2007, v.u., DJe 14-09-2007).

“Habeas corpus. Constitucional. Processual penal. Acórdão que adotou como razões de decidir o parecer do Ministério Público estadual. Alegação da falta de fundamentação. Não-ocorrência. Garantia da ordem pública (art. 312 do CPP). A presença de condições subjetivas favoráveis ao paciente não obsta a segregação cautelar. Incidência da Súmula nº 691/STF. Precedentes. 1. O decreto de prisão preventiva, no caso, está devidamente fundamentado, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, não evidenciando constrangimento ilegal amparável pela via do habeas corpus. 2. A jurisprudência desta Suprema Corte foi assentada no sentido de que ‘a adoção do parecer do Ministério Público como razões de decidir pelo julgador, por si só, não caracteriza ausência de motivação, desde que as razões adotadas sejam formalmente idôneas ao julgamento da causa’. 3. A presença de condições subjetivas favoráveis ao paciente não obsta a segregação cautelar, desde que presentes nos autos elementos concretos a recomendar sua manutenção, como se verifica no caso presente. 4. Não se vislumbra, na espécie, flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia que justifique o abrandamento da Súmula nº 691/STF. 5. Habeas corpus não-conhecido” (RTJ 209/802).

“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NOS ACÓRDÃOS PROFERIDOS NO JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO DA DEFESA E DA IMPETRAÇÃO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPROCEDÊNCIA. 1. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não é carecedor de fundamentação julgado que se vale do parecer do Ministério Público e da sentença condenatória como razões de decidir. Precedentes. 2. Acórdãos proferidos no julgamento da apelação da defesa e do habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça devidamente fundamentados. Ausência de contrariedade ao art. 93, inc. IX, da Constituição da República. 3. Ordem denegada” (STF, HC 101.911-RS, 1ª Turma, Rel. Cármen Lúcia, 27-04-2010, v.u., DJe 04-06-2010).

“PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO CRIMINAL. ACÓRDÃO RECORRIDO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. CONSTITUCIONALIDADE DA MOTIVAÇÃO POR REMISSÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CF. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OFENSA REFLEXA AO TEXTO CONSTITUCIONAL. AGRAVO IMPROVIDO. I – A exigência do art. 93, IX, da Constituição, não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu convencimento, sendo certo, ademais, que o acórdão recorrido está suficientemente fundamentado. II – Esta Suprema Corte já pacificou o entendimento de que é constitucional a motivação por remissão, especialmente quando todos os fundamentos do recurso de apelação foram examinados e rebatidos. Precedentes. III – A alegada violação aos postulados constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LIV e LV, da CF), pode configurar, em regra, situação de ofensa reflexa ao texto constitucional, por demandar a análise de legislação processual ordinária, o que inviabiliza o conhecimento do recurso extraordinário. IV – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 814.640-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 02-12-2010, v.u., DJe 01-02-2011).

“MANDADO DE SEGURANÇA - MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA - DECISÃO FUNDAMENTADA - MOTIVAÇÃO ‘PER RELATIONEM’ - COMPATIBILIDADE DESSA TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 93, IX) - CONHECIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COMO RECURSO DE AGRAVO - PRECEDENTES - ATO DECISÓRIO INSUSCETÍVEL DE IMPUGNAÇÃO RECURSAL (SÚMULA 622/STF) - RECURSO NÃO CONHECIDO.- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por entender incabíveis embargos de declaração contra decisões monocráticas proferidas por Juiz da Suprema Corte, deles tem conhecido, quando inocorrente hipótese de omissão, obscuridade ou contradição, como recurso de agravo. Precedentes.- Não cabe recurso de agravo contra decisão do Relator, que, motivadamente, defere ou indefere pedido de medida liminar formulado em sede de mandado de segurança impetrado, originariamente, perante o Supremo Tribunal Federal. Precedentes.- Revela-se legítima, e plenamente compatível com a exigência imposta pelo art. 93, inciso IX, da Constituição da República, a utilização, por magistrados, da técnica da motivação ‘per relationem’, que se caracteriza pela remissão que o ato judicial expressamente faz a outras manifestações ou peças processuais existentes nos autos, mesmo as produzidas pelas partes, pelo Ministério Público ou por autoridades públicas, cujo teor indique os fundamentos de fato e/ou de direito que justifiquem a decisão emanada do Poder Judiciário. Precedentes” (STF, ED-MS 25.936-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 13-06-2007, v.u., DJe 18-09-2009).

15.              Opino pelo não conhecimento do incidente e, se ultrapassada a preliminar, por sua improcedência.

         São Paulo, 16 de abril de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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