Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0078433-38.2011.26.0000

Suscitante: 12ª Câmara de Direito Público

Objeto: art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (com a redação da Lei nº 11.960/2009)

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 12ª Câmara de Direito Público, do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 (ou do art. 1º - F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe foi dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009). Submissão ao Órgão Especial da tese de que o dispositivo decorre da inobservância dos princípios constitucionais da eficiência, transparência e moralidade, dado que, com a edição da norma, o legislador teria regulado em desacordo com a “realidade do mercado”. Opção que se reputa legítima e inserida no campo da discricionariedade do legislador. Parecer pela rejeição do incidente.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 12ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação – Reexame Necessário, em que figuram como partes PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTOS (apelante) e (...) (apelada).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), visando ao eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 (ou do art. 1º - F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe foi dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009).

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial ou do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão constitucional suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

De acordo com o v. Acórdão, a arguição de inconstitucionalidade restringe-se ao art. 5º da Lei nº 11.960/2009, cuja relevância se revela pela alteração promovida no art. 1º- F da Lei nº 9.494/2009, in verbis:

Art. 5º - O art. 1º- F da Lei no 9.494, de 10 de setembro de 1997, introduzido pelo art. 4º da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º- F. - Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”

Para o Órgão Fracionário, o vício que incide sobre esse dispositivo decorre da inobservância dos princípios da eficiência, transparência e moralidade, dado que, com a edição da norma, o legislador teria criado situação que não se acomoda com a realidade do mercado.

Na dicção do Órgão Fracionário:

“A Taxa Referencial não é padrão correcional, pois não debruça sobre uma cesta de valores de produtos. Considera percentuais e valores de sentido financeiro, que já foram rechaçados por sólida construção pretoriana”

Sob outra perspectiva, afirma-se que os juros de mora – que têm o sentido de recompor as perdas potenciais dos credores pelo tardio pagamento da dívida reconhecida judicialmente – foram atrelados pelo dispositivo às cadernetas de poupança, em mais um “artificialismo” que o invalida.

Em acréscimo, o dispositivo não teria sido recepcionado pela EC 62/2009 (§ 12 do art. 100, CF; § 16 do art. 97 do ADCT), pois, de acordo com esta, os débitos judiciais hão de ser recalculados no momento da formação do precatório.  

Por fim, afirma-se que as regras sobre juros possuem natureza de direito material, de tal sorte que deveriam se projetar para novos fatos ou novos processos, demandando, destarte, o pronunciamento do C. Órgão Especial sobre a eficácia temporal da norma.

Delimitado o tema, cabe pontuar que a alteração legislativa teve o objetivo confesso de reduzir o impacto às Fazendas Públicas federal, estaduais e municipais das condenações que lhe são impostas pelo Poder Judiciário, instituindo, em favor delas, regime que se distancia bastante daquele a que se sujeitam os administrados em relação às suas obrigações tributárias para com o Estado, sobre as quais incidem taxa Selic.

O proceder do legislador, entretanto, não representa ofensa frontal ao texto constitucional.

Recorde-se, inicialmente, que o STF, pelo seu Plenário, reputou constitucional a limitação em 6% (seis porcento) dos juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública, para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, entendendo legítimo o art. 1º-F em sua primitiva redação (Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001).

Confira-se:

EMENTA: Recurso Extraordinário. Conhecimento. Provimento. 2. Juros de Mora. 3. Art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997. 4. Constitucionalidade. (RE 453740, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2007, DJe-087 DIVULG 23-08-2007 PUBLIC 24-08-2007 DJ 24-08-2007 PP-00056 EMENT VOL-02286-14 PP-02627 RTJ VOL-00202-01 PP-00341).

A discussão girou em torno da eventual ofensa ao princípio da isonomia, sagrando-se vencedora a tese de que o legislador pode conferir tratamento diferenciado na questão dos juros, segundo o modelo específico da relação que está disciplinando. Em relação às regras tributárias, a remuneração do capital pela Selic por estas estabelecida encontrou justificativa no intuito de se evitar que o contribuinte opte pela inadimplência e a concomitante especulação financeira, em prejuízo do Fisco.

Penso que, com a incidência da Lei nº 11.960/09, a Corte Constitucional deve manter o entendimento acerca da constitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.

Com efeito, a alteração desse dispositivo teve o escopo de uniformizar a atualização monetária e os juros incidentes sobre todas as condenações judiciais impostas às Fazendas Públicas.

A alusão a “índices oficiais” para a atualização monetária, remuneração de capital e compensação de mora não se afigura inconstitucional pelo simples fato de relacioná-los aos da caderneta de poupança, embora a poupança represente o investimento que menos renda entre aqueles colocados à disposição do investidor.

Essa característica não a exclui, a priori, como opção do legislador para a correção monetária e estipulação dos juros, inclusive porque, historicamente, a poupança supera os índices de inflação.

De resto, quando a lei prevê a atualização monetária e juros incidindo “uma única vez”, não está impedindo a aplicação capitalizada dos juros, até porque a intenção do legislador foi criar equivalência entre a remuneração da poupança (onde os juros são capitalizados) e a correção do débito da Fazenda, o que não se tem por irrazoável. 

Por tais motivos, não se vislumbra a cogitada inconstitucionalidade.

No que tange à aplicação da Lei 11.960/2009, o STJ consolidou o entendimento no sentido de sua não incidência nos processos em curso, tendo em vista o seu caráter instrumental e substancial (STJ, AgRg no Ag nº 133.359-16, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 09/11/2010).

Cabe registrar, entretanto, que o STF firmou jurisprudência em sentido contrário em relação ao dispositivo acrescido pela MP 2.180-35:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. JUROS DE MORA. ART. 1º-F DA LEI 9.494/97 COM REDAÇÃO DA MP 2.180-35. CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA IMEDIATA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A norma do art. 1º-F, da Lei 9.494/97, modificada pela Medida Provisória 2.180-35/2001 é aplicável a processos em curso. Precedentes. II – Aplica-se a MP 2.180-35/2001 aos processos em curso, porquanto lei de natureza processual, regida pelo princípio do tempus regit actum, de forma a alcançar os processos pendentes. III – Agravo regimental improvido (AI 767094 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-09 PP-02188).

Finalmente, no que se refere à eventual revogação da Lei nº 11.960/2009 pela EC 62/2009, entendo não caber, nesta oportunidade, qualquer pronunciamento a respeito, recordando-se que “a cláusula de reserva de plenário somente é aplicável na hipótese de controle difuso em que deva ser declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, não se aplicando aos casos em que se reputam revogadas ou não recepcionadas normas anteriores à Constituição vigente. Nestes casos, não há que se falar em inconstitucionalidade, mas sim em revogação ou não-recepção” (STJ – 5ª. T, Resp 439.606-SE, rel. Min. Félix Fischer, j. 25.2.2003. Não conheceram, v.u., DJU 14.4.2003, p. 242).

Diante do exposto, o parecer é pela rejeição da arguição de inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 (ou do art. 1º - F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe foi dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009).

 

São Paulo, 3 de maio de 2011.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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