Autos n. 0093147-03.2011.8.26.0000
Suscitante: Décima Quinta Câmara de Direito Público
Objeto da impugnação: item 149 da Lista Anexa à Lei Municipal n. 2.499/03,
do município de Santana do Parnaíba
Ementa: 1) item 149 da Lista Anexa à Lei Municipal n. 2.499/03, do município
de Santana do Parnaíba, que fundamenta a cobrança de
ISS sobre atividade de franquia; 2)
Instauração de incidente determinada pelo Órgão Fracionário do Egrégio Tribunal
de Justiça, que declarou vislumbrar a inconstitucionalidade do citado
dispositivo legal; 3) Parecer pela
inconstitucionalidade pois "revela-se inarredável que a operação de
franquia não constitui prestação de serviço (obrigação de fazer), escapando,
portanto, da esfera da tributação do ISS pelos municípios".
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Colendo Órgão Especial
Trata-se
de Acórdão proferido pela Décima Quinta Câmara de Direito Público do Egrégio
Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível n. 453.533-5/0-00, que suscitou
a instauração de incidente de inconstitucionalidade, determinando a remessa dos
autos ao Excelso Órgão Especial, por força da Súmula Vinculante n. 10 do
Supremo Tribunal Federal, mas sem decidir a questão da constitucionalidade do item
149 da Lista Anexa à Lei Municipal n. 2.499/03, do município de Santana do
Parnaíba, que fundamenta a cobrança de ISS sobre atividade de franquia.
Alegação
de que se trata de atividade que não envolve efetiva prestação de serviços e,
por isso, afronta o disposto no art. 156, III, da Constituição Federal,
dispositivo utilizado como paradigma para fundamentar o pedido de
reconhecimento incidental de inconstitucionalidade.
Manifestação
do Colendo Órgão Fracionário do Egrégio Tribunal de Justiça no sentido de que
vislumbra a inconstitucionalidade.
É
o breve relatório.
Com
a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, a
manifestação é no sentido da inconstitucionalidade dos dispositivos legais impugnados.
A
Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa
indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização
político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da
análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (Cf. Alexandre de Moraes,
in “Direito Constitucional”, Atlas, 7.ª ed., p. 261).
Essa
autonomia consagrada aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano, muito
pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e
dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (Cf. De Plácido
e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Forense, Rio de Janeiro, Volume I, 1984, p.
251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de
gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade
superior”, que no caso é a Constituição (Cf. “Curso de Direito Constitucional
Positivo”, Malheiros Editores, São Paulo, 8.ª ed., 1992, p. 545).
A
autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização,
mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela
eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c)
autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua
competência exclusiva e suplementar, (d) autoadministração ou administração
própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (Cf. José Afonso
da Silva, ob. cit., p. 546).
Nessas
quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política
(capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa
(capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a
autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços
locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e
aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob.
e loc. cits).
Com
fulcro na autonomia política, administrativa e financeira é que os Municípios
estão autorizados a instituir os tributos e demais receitas de sua competência,
consoante prevê o texto constitucional. Ou seja, tais entes arrecadam para
prover as despesas com obras e serviços públicos, sobretudo nas áreas da saúde,
educação, saneamento básico, habitação, transportes, etc., que são do estreito
interesse da população local.
Em
relação ao caso concreto, a capacidade tributária é expressa no art. 156, III,
da Constituição Federal, nos seguintes termos:
Art.
156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III
- serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos
em lei complementar.
Porém,
embora não haja qualquer questionamento à capacidade tributária do município, é
fundamental observar que ela só pode ser exercida com base nos parâmetros constitucionais.
Nesse
contexto, a cobrança de ISS deve incidir sobre serviços, o que não se verifica
no caso que envolve os contratos de franquia.
A
Primeira Turma do STJ, ao julgar o AgRg no REsp 953.840/RJ (DJe de 14/09/2009),
exauriu a questão, de tal forma que merece transcrição as conclusão lançadas na
Ementa:
“PROCESSUAL
CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. FRANQUIA
(FRANCHISING). NATUREZA JURÍDICA HÍBRIDA (PLEXO INDISSOCIÁVEL DE OBRIGAÇÕES DE
DAR, DE FAZER E DE NÃO FAZER). PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CONCEITO PRESSUPOSTO PELA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. AMPLIAÇÃO DO CONCEITO QUE EXTRAVASA O ÂMBITO DA
VIOLAÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PARA INFIRMAR A PRÓPRIA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NÃO CONHECIMENTO
DO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.
1. O ISS na
sua configuração constitucional incide sobre uma prestação de serviço, cujo
conceito pressuposto pela Carta Magna eclipsa ad substantia obligatio in faciendo, inconfundível com a denominada
obrigação de dar.
2. Outrossim,
a Constituição utiliza os conceitos de direito no seu sentido próprio, com que
implícita a norma do artigo 110, do CTN, que interdita a alteração da
categorização dos institutos.
3.
Consectariamente, qualificar como serviço a atividade que não ostenta essa
categoria jurídica implica em violação bifronte ao preceito constitucional,
porquanto o texto maior a utiliza não só no sentido próprio, como também o faz
para o fim de repartição tributária-constitucional (RE 116121/SP).
4. Sob esse
enfoque, é impositiva a regra do artigo 156, III, da Constituição Federal de
1988, verbis: "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3,
de 1993) (...)"
6. O conceito
pressuposto pela Constituição Federal de serviço e de obrigação de fazer
corresponde aquele emprestado pela teoria geral do direito, segundo o qual o
objeto da prestação é uma conduta do obrigado, que em nada se assemelha ao
dare, cujo antecedente necessário é o repasse a outrem de um bem preexistente,
a qualquer título, consoante a homogeneidade da doutrina nacional e alienígena,
quer de Direito Privado, quer de Direito Público.
7. Deveras, o
Código Tributário Nacional, como de sabença recepcionado como lei complementar,
tratava dos Impostos sobre Serviços de Qualquer natureza, em seus artigos
8. Consoante
o aludido decreto-lei, constituía fato gerador do ISS a prestação, por empresa
ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante
da lista anexa ao diploma legal, ainda que sua prestação envolvesse o
fornecimento de mercadoria.
9. Na citada
lista de Serviços, anexa ao Decreto-Lei 406/68, com a redação dada pela Lei
Complementar 56, de 15 de dezembro de 1987, encontrava-se elencada a atividade
de "Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia
(franchise) e de faturação (factoring) (excetuam-se os serviços prestados por
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central);" (Item 48).
10. Destarte,
a franquia não era listada como serviço pelo legislador complementar, mas, sim,
as atividades de corretagem, agenciamento e intermediação que a tivessem por
objeto, panorama que restou modificado pela Lei Complementar 116, de 31 de
julho de 2003, que revogou os artigos 8º, 10, 11 e 12, do Decreto-Lei 406/68,
bem como a Lei Complementar 56/87, entre outros dispositivos legais.
11. Os Itens
10 e 17, da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, elencam, como
serviços tributáveis pelo ISS, o agenciamento, corretagem ou intermediação de
contratos de leasing, de franchising e de factoring (Subitem 10.04), bem como a
franquia (Subitem 17.08).
13. Destarte,
revela-se inarredável que a operação de
franquia não constitui prestação de serviço (obrigação de fazer), escapando,
portanto, da esfera da tributação do ISS pelos municípios.
15. Deveras,
a mesma competência foi exercida pela Corte Suprema na análise prejudicial dos
conceitos de faturamento e administradores e autônomos para os fins de aferir
hipóteses de incidência, mercê de a discussão travar-se em torno da legislação
infraconstitucional que contemplava esses conceitos, reproduzindo os que
constavam do texto maior.
16. Aliás não
é por outra razão que o CPC dispõe no artigo 543 que: "Art. 543. Admitidos
ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. (...)
§ 2º Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso
extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu
julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento
do recurso extraordinário. (...)"
17. Os
fundamentos de índole notadamente constitucional, sem as quais não sobreviveria
o aresto recorrido, impõem timbrar seu núcleo constitucional para, na forma da
jurisprudência cediça na Corte, não conhecer do recurso especial (Precedentes
do STJ: REsp 912.036/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ
08.10.2007; AgRg no Ag 757416/SC, Relator Ministro José Delgado, Primeira
Turma, DJ de 03.08.2006; AgRg no Ag 748334/SP, Relatora Ministra Denise Arruda,
Primeira Turma, DJ de 30.06.2006; REsp 754545/RS, Rel. Ministro Franciulli
Netto, Segunda Turma, DJ 13.03.2006; AgRg no REsp 778173/MG, Relator Ministro
José Delgado, Primeira Turma, DJ de 06.02.2006; e AgRg no REsp 658392/DF,
Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 21.03.2005).
18.
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 10, segundo
a qual: "Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão
de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua
incidência, no todo ou em parte".
19. Ademais,
o artigo 535, do CPC, resta incólume quando o Tribunal de origem, embora
sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta
nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os
argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido
suficientes para embasar a decisão.
20. Agravo
regimental desprovido”.
Em
suma, a inconstitucionalidade é flagrante.
Em
tais circunstancias, o parecer é no sentido do acolhimento da tese da inconstitucionalidade.
São Paulo, 24 de maio de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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