Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade
Autos nº. 0096093-45.2011.8.26.0000
Suscitante: 13ª Câmara de Direito Público
Objeto: § 2º do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Sertãozinho (com a redação da Emenda nº 38/08)
Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do § 2º do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Sertãozinho, com a redação da Emenda nº 38/08, que elevou de 11 para 17 o número de Vereadores da Comuna. Violação do art. 29, inc. IV, da Constituição Federal, diante da adoção, pelo STF, de critério matemático rígido – explicitado na Res. TSE 21.702/04 – para dar efetividade ao princípio da proporcionalidade. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade do dispositivo.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 13ª Câmara de Direito Público do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de Apelação Cível nº 994.09.249357-6, em que figuram como partes (...) E OUTROS (apelantes) e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (apelado).
Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), cogitando-se do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do § 2º do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Sertãozinho, com a redação da Emenda nº 38/08, que elevou de 11 para 17 o número de Vereadores da Comuna.
Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).
Este é resumo do que consta dos autos.
O dispositivo questionado, integrante da Lei Orgânica do Município de Sertãozinho, tem a seguinte redação:
Art. 9º (...)
§ 2º- Para a 15ª Legislatura, que se inicia em 1º de Janeiro de 2009 e se encerra em 31 de Dezembro de 2012, a Câmara Municipal de Sertãozinho será composta de 17 (dezessete) vereadores, permanecendo este número se não for editada nova regulamentação pela Justiça Eleitoral (redação da Emenda nº 38, de 30 de junho de 2008).
O ato normativo, nascido com a Emenda nº 38/2008, elevou de 11 para 17 o número de Edis da Municipalidade, com afronta – de acordo com a tese esposada pelo Órgão Fracionário – ao art. 29, inc. IV, da Constituição Federal, que, à epoca da edição da norma sindicada, tinha a seguinte redação:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
IV - número de Vereadores proporcional à população do Município, observados os seguintes limites:
a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até um milhão de habitantes;
b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes;
c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos Municípios de mais de cinco milhões de habitantes;
Sobre o tema, sabe-se que a Constituição Federal de 1988 aumentou os números mínimo e máximo de Vereadores, fixando-os em 9 e 55, respectivamente, relegando às leis orgânicas estabelecer, caso a caso, a quantidade exata de Vereadores de cada Municipalidade.
Diante da regra constitucional, o Supremo Tribunal Federal entendeu necessária a adoção de critério matemático rígido para o efetivo respeito à proporcionalidade, tendo afirmado, conforme observa Alexandre de Moares, que “deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito, é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade” (Direito Constitucional, 23ª ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 278).
Com o respaldo dessa orientação, o Tribunal Superior Eleitoral, definiu a fórmula para assegurar a proporcionalidade do número de vereadores para os Municípios, de acordo com a sua população, fazendo-o através da Resolução nº 21.702, de 2.4.2004, que, na dicção do STF, teve o escopo de “dar efetividade e concreção ao julgamento do Pleno no RE 197.917/SP, conferindo efeito transcendente aos fundamentos determinantes que deram suporte ao mencionado julgamento” (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 23ª ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 279).
Confira-se:
E M E N T A: FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA -
PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO - LEGITIMIDADE DA PARTICIPAÇÃO DE MINISTRO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (QUE ATUOU NO TSE) NO JULGAMENTO DE AÇÃO DIRETA
AJUIZADA CONTRA ATO EMANADO DAQUELA ALTA CORTE ELEITORAL - INAPLICABILIDADE, EM
REGRA, DOS INSTITUTOS DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO AO PROCESSO DE CONTROLE
CONCENTRADO, RESSALVADA A POSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, POR QUALQUER MINISTRO DO
STF, DE RAZÕES DE FORO ÍNTIMO. - O Presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
embora prestando informações no processo de controle concentrado de
constitucionalidade, não está impedido de participar de seu julgamento, não
obstante suscitada, em referida causa, a discussão, "in abstracto",
em torno da constitucionalidade (ou não) de resoluções ou de atos emanados
daquela Alta Corte. Também não incidem, nessa situação de incompatibilidade
processual, considerado o perfil objetivo que tipifica o controle normativo
abstrato, os Ministros do Supremo Tribunal Federal que hajam participado, como
integrantes do Tribunal Superior Eleitoral, da formulação e edição, por este,
de atos ou resoluções que tenham sido contestados, quanto à sua validade
jurídica, em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade instaurada
perante a Suprema Corte. Precedentes do STF. - Os institutos do impedimento e
da suspeição restringem-se ao plano dos processos subjetivos (em cujo âmbito
discutem-se situações individuais e interesses concretos), não se estendendo
nem se aplicando, ordinariamente, ao processo de fiscalização concentrada de
constitucionalidade, que se define como típico processo de caráter objetivo
destinado a viabilizar o julgamento, não de uma situação concreta, mas da
constitucionalidade (ou não), "in abstracto", de determinado ato
normativo editado pelo Poder Público. - Revela-se viável, no entanto, a
possibilidade de qualquer Ministro do Supremo Tribunal Federal invocar razões
de foro íntimo (CPC, art. 135, parágrafo único) como fundamento legítimo
autorizador de seu afastamento e conseqüente não-participação, inclusive como
Relator da causa, no exame e julgamento de processo de fiscalização abstrata de
constitucionalidade. RESOLUÇÃO TSE Nº 21.702/2004 - DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS A
SEREM OBSERVADOS, PELAS CÂMARAS MUNICIPAIS, NA FIXAÇÃO DO RESPECTIVO NÚMERO DE
VEREADORES - ALEGAÇÃO DE QUE ESSE ATO REVESTIR-SE-IA DE NATUREZA MERAMENTE
REGULAMENTAR - RECONHECIMENTO DO CONTEÚDO NORMATIVO DA RESOLUÇÃO QUESTIONADA -
PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO REJEITADA. - A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, em tema de fiscalização concentrada de constitucionalidade,
firmou-se no sentido de que a instauração desse controle somente tem
pertinência, se a resolução estatal questionada assumir a qualificação de ato
normativo (RTJ 138/436 - RTJ 176/655-656), cujas notas tipológicas derivam da
conjugação de diversos elementos inerentes e essenciais à sua própria
compreensão: (a) coeficiente de generalidade abstrata, (b) autonomia jurídica,
(c) impessoalidade e (d) eficácia vinculante das prescrições dele constantes.
Precedentes. - Resolução do Tribunal Superior Eleitoral, que, impugnada na
presente ação direta, encerra, em seu conteúdo material, clara "norma de
decisão", impregnada de autonomia jurídica e revestida de suficiente
densidade normativa: fatores que bastam para o reconhecimento de que o ato
estatal em questão possui o necessário coeficiente de normatividade
qualificada, apto a torná-lo suscetível de impugnação em sede de fiscalização
abstrata. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ANTERIORIDADE ELEITORAL: SIGNIFICADO DA
LOCUÇÃO "PROCESSO ELEITORAL" (CF, ART. 16). - A norma consubstanciada
no art. 16 da Constituição da República, que consagra o postulado da anterioridade
eleitoral (cujo precípuo destinatário é o Poder Legislativo), vincula-se, em
seu sentido teleológico, à finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do
processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo
Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que
nele atuam como protagonistas relevantes (partidos políticos e candidatos),
vulnerando-lhes, com inovações abruptamente estabelecidas, a garantia básica de
igual competitividade que deve sempre prevalecer nas disputas eleitorais.
Precedentes. - O processo eleitoral, que constitui sucessão ordenada de atos e
estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função dos objetivos que
lhe são inerentes, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao
discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se
desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das
convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda
eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o
início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós-eleitoral, que
principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos
candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes. Magistério da
doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA e ANTONIO TITO COSTA). - A Resolução TSE nº
21.702/2004, que meramente explicitou interpretação constitucional
anteriormente dada pelo Supremo Tribunal Federal, não ofendeu a cláusula constitucional
da anterioridade eleitoral, seja porque não rompeu a essencial igualdade de
participação, no processo eleitoral, das agremiações partidárias e respectivos
candidatos, seja porque não transgrediu a igual competitividade que deve
prevalecer entre esses protagonistas da disputa eleitoral, seja porque não
produziu qualquer deformação descaracterizadora da normalidade das eleições
municipais, seja porque não introduziu qualquer fator de perturbação nesse
pleito eleitoral, seja, ainda, porque não foi editada nem motivada por qualquer
propósito casuístico ou discriminatório. CONSAGRAÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL, COM A EDIÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 21.702/2004, DOS POSTULADOS DA FORÇA
NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA SEGURANÇA JURÍDICA. - O Tribunal Superior
Eleitoral, ao editar a Resolução nº 21.702/2004, consubstanciadora de mera
explicitação de anterior julgamento do Supremo Tribunal (RE 197.917/SP),
limitou-se a agir em função de postulado essencial à valorização da própria
ordem constitucional, cuja observância fez prevalecer, no plano do ordenamento
positivo, a força normativa, a unidade e a supremacia da Lei Fundamental da
República. EFEITO TRANSCENDENTE DOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES DO JULGAMENTO DO
RE 197.917/SP - INTERPRETAÇÃO DO INCISO IV DO ART. 29 DA CONSTITUIÇÃO. - O
Tribunal Superior Eleitoral, expondo-se à eficácia irradiante dos motivos
determinantes que fundamentaram o julgamento plenário do RE 197.917/SP,
submeteu-se, na elaboração da Resolução nº 21.702/2004, ao princípio da força normativa
da Constituição, que representa diretriz relevante no processo de interpretação
concretizante do texto constitucional. - O TSE, ao assim proceder, adotou
solução, que, legitimada pelo postulado da força normativa da Constituição,
destinava-se a prevenir e a neutralizar situações que poderiam comprometer a
correta composição das Câmaras Municipais brasileiras, considerada a
existência, na matéria, de grave controvérsia jurídica resultante do
ajuizamento, pelo Ministério Público, de inúmeras ações civis públicas em que
se questionava a interpretação da cláusula de proporcionalidade inscrita no
inciso IV do art. 29 da Lei Fundamental da República. A FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E O MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA, PELO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. - O exercício da
jurisdição constitucional - que tem por objetivo preservar a supremacia da
Constituição - põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se
projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no
processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de
decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. No poder de
interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la,
eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos
informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que "A
Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de
aplicá-la". Doutrina. Precedentes. A interpretação constitucional derivada
das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal - a quem se atribuiu a
função eminente de "guarda da Constituição" (CF, art. 102,
"caput") - assume papel de essencial importância na organização
institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o
modelo político- -jurídico vigente em nosso País confere, à Suprema Corte, a
singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de
exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental.
(ADI 3345, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno,
julgado em 25/08/2005, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT
VOL-02411-01 PP-00110)
Ora, tendo o § 2º do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Sertãozinho, por força da Emenda nº 38/08, elevado de 11 para 17 o número de seus Vereadores, desrespeitou-se a cláusula da proporcionalidade inscrita no inc. IV do art. 29 da Constituição Federal, cuja interpretação definitiva se estabelece pela tabela anexa à Resolução TSE 21.702/04.
Dessa tabela se extrai que o Município de Setãozinho situa-se na terceira faixa (entre 95.239 e 103.558), de sorte que o atendimento a regra constitucional estudada se estabeleceria com o número de 11 (onze) Vereadores, e não 17 (dezessete), como ficou definido.
Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade do § 2º do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Sertãozinho, com a redação da Emenda nº 38/08.
São Paulo, 30 de maio de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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