Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0099034-31.2012.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo

Apelado: Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual -IAMSPE

Objeto: Decreto-Lei n. 257/70 e Lei Estadual n. 2.815/81

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Decreto-Lei n. 257/70 e Lei Estadual n. 2.815/81.

2)      Atos normativos anteriores à Constituição de 1988. Não recepção (revogação tácita) em função da incompatibilidade com o novo regime constitucional. Desnecessidade de controle de constitucionalidade. Possibilidade de julgamento pelo órgão fracionário do tribunal, sem que haja desrespeito ao art. 97 da CR, ou à súmula vinculante 10 do STF.

3)      Parecer pelo não conhecimento do incidente.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 3ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível 0067800-07.2007.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, na sessão realizada em 4 de outubro de 2011, sendo relator o Desembargador Antônio Carlos Malheiros.

A Col. Câmara arguiu a inconstitucionalidade do Decreto-Lei n. 257/70 e da Lei Estadual n. 2.815/81, que, respectivamente, tratam da compulsoriedade da contribuição ao IAMSPE – Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual e da alteração do percentual de contribuição devido pelos servidores àquela Instituição.

É o relato do essencial.

O incidente não deve ser conhecido, e a razão para tanto é objetiva.

O Decreto Lei n. 257/70 e a Lei Estadual n. 2.815/81 foram editadas anteriormente à Constituição de 1988.   A incompatibilidade se resolve, desta forma, pelo fenômeno da revogação tácita ou não recepção, o que torna não só desnecessário como inviável o controle de constitucionalidade das leis.

É assente o entendimento do Col. STF no sentido da impossibilidade de realização de controle de constitucionalidade de normas anteriores à Constituição, em função da revogação tácita ou não recepção que se opera com a vigência da nova ordem constitucional.

Confira-se:

“(...)

A vigência e a eficácia de uma nova Constituição implicam a supressão da existência, a perda de validade e a cessação de eficácia da anterior Constituição por ela revogada, operando-se, em tal situação, uma hipótese de revogação global ou sistêmica do ordenamento constitucional precedente, não cabendo, por isso mesmo, indagar-se, por impróprio, da compatibilidade, ou não, para efeito de recepção, de quaisquer preceitos constantes da Carta Política anterior, ainda que materialmente não-conflitantes com a ordem constitucional originária superveniente. É que – consoante expressiva advertência do magistério doutrinário (Carlos Ayres Britto, ‘Teoria da Constituição’, p. 106, 2003, Forense) – ‘Nada sobrevive ao novo Texto Magno’, dada a impossibilidade de convívio entre duas ordens constitucionais originárias (cada qual representando uma idéia própria de Direito e refletindo uma particular concepção político-ideológica de mundo), exceto se a nova Constituição, mediante processo de recepção material (que muito mais traduz verdadeira novação de caráter jurídico-normativo), conferir vigência parcial e eficácia temporal limitada a determinados preceitos constitucionais inscritos na Lei Fundamental revogada, à semelhança do que fez o art. 34, caput, do ADCT/1988. (AI 386.820-AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 24-6-2004, Plenário, DJ de 4-2-2005.)

(...)

Revela-se inaplicável, no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando o ST F, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível com normas constitucionais a ela supervenientes. A não recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitucionalidade – mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 — RTJ 145/339) –, descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade. Inaplicabilidade, ao caso em exame, da técnica da modulação dos efeitos, por tratar-se de diploma legislativo, que, editado em 1984, não foi recepcionado, no ponto concernente à norma questionada, pelo vigente ordenamento constitucional. (AI 589.281-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-9-2006, Segunda Turma, DJE de 10-11-2006.) No mesmo sentido: AI 532.232-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-6-2009, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009.

(...)

Vê-se, portanto, na linha de iterativa jurisprudência prevalecente nesta Suprema Corte e em outros tribunais (RTJ 82/44 – RTJ 99/544 – RTJ 124/415 – RTJ 135/32 – RT 179/922 – RT 208/197 – RT 231/665, v.g.), que a incompatibilidade entre uma lei anterior (como a norma ora questionada inscrita na Lei 691/1984 do Município do Rio de Janeiro/RJ, p. ex.) e uma Constituição posterior (como a Constituição de 1988) resolve-se pela constatação de que se registrou, em tal situação, revogação pura e simples da espécie normativa hierarquicamente inferior (o ato legislativo, no caso), não se verificando, por isso mesmo, hipótese de inconstitucionalidade (RTJ 145/339 – RTJ 169/763). Isso significa que a discussão em torno da incidência, ou não, do postulado da recepção – precisamente por não envolver qualquer juízo de inconstitucionalidade (mas, sim, quando for o caso, o de simples revogação de diploma pré-constitucional) – dispensa, por tal motivo, a aplicação do princípio da reserva de Plenário (CF, art. 97), legitimando, por isso mesmo, a possibilidade de reconhecimento, por órgão fracionário do Tribunal, de que determinado ato estatal não foi recebido pela nova ordem constitucional (RTJ 191/329-330), além de inviabilizar, porque incabível, a instauração do processo de fiscalização normativa abstrata (RTJ 95/980 – RTJ 95/993 – RTJ 99/544 – RTJ 143/355 – RTJ 145/339, v.g.). (AI 582.280 AgR, voto do Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2006, Segunda Turma, DJ de 6-11-2006.) No mesmo sentido: RE 495.370-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 10-8-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-10-2010.

(...)”

Em outras palavras, se as normas são anteriores à Constituição de 1988, e foram revogadas (ou não recepcionadas) por sua incompatibilidades com a nova ordem constitucional, torna-se não apenas desnecessário, mas descabido o controle de constitucionalidade, podendo o recurso ser julgado sem a prévia manifestação do C. Órgão Especial.

Em síntese, poderá a Col. Câmara concluir julgamento do recurso, reconhecendo, se assim entender, a não recepção do Decreto-Lei n. 257/70 e da Lei Estadual n. 2.815/81 pela Constituição de 1988, sem que para isso necessite contar com a prévia manifestação do Col. Órgão Especial, e sem que isso configure ofensa ao art. 97 da CR, ou desrespeito à súmula vinculante 10 da do Col. STF.

Dessa forma, sendo manifestamente inadmissível o incidente, nosso parecer é pelo seu não conhecimento.

São Paulo, 19 de junho de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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