Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0141982-85.2012.8.26.0000

Suscitante: 13ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Objeto: art. 11, inc. II, da Lei Federal nº 9.613, de 03 de março de 1998.

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. Art. 11, da Lei Federal nº 9.613, de 03 de março de 1998, que, em seu inciso II, determina a comunicação ao COAF de operações e transações financeiras.  Quebra de sigilo fiscal ou bancário por órgão da Administração. Procedimento exclusivo do Poder Judiciário. Parecer pela inconstitucionalidade da norma questionada.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

(...) e outros, estabelecidos no município de Americana, interpuseram o presente Agravo de Instrumento, contra a decisão que, atendendo a pedido do Ministério Público, determinou a quebra de seu sigilo bancário.

O recurso foi regularmente processado, com contrarrazões a fls. 1.601/1.610, sendo distribuído à Colenda 13ª. Câmara de Direito Público.

O v. Acórdão de fls. 1.617/1.630 determinou a suspensão do julgamento do Agravo de Instrumento, para que, em atenção à cláusula da reserva de Plenário (Súmula vinculante nº 10), o E. Órgão Especial se pronuncie sobre a constitucionalidade do art. 11, inc. II, da Lei Federal n. 9.613, de 03 de março de 1998, vislumbrando afronta ao art. 5º, X, da Constituição Federal, que garante o sigilo bancário.

Este é resumo do que consta dos autos.

O incidente deve ser acolhido.

Vejamos.

         Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, o parecer é no sentido da inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado.

Por primeiro, necessário se faz aclarar que a quebra do sigilo bancário dos agravantes foi determinada em ação judicial, promovida pelo Ministério Público, proferida, portanto, por autoridade competente.

A questão sobre a qual debruça o presente incidente é a respeito do poder que o COAF detém de receber informações sobre operações financeiras de determinadas pessoas físicas e jurídicas.

Assim, vejamos:

A primeira providência a ser feita é se determinar qual a origem do COAF.

Neste ponto, releva que se observe no disposto no art. 14, da Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998, que o COAF nada mais é do que um setor do Ministério da Fazenda.   Assim se encontra redigido o referido dispositivo legal:

“Art. 14. É criado, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades.”

Portanto, a imposição de informações ao COAF resulta, de fato, em quebra de sigilo por órgão da Administração Pública Federal.

Assim estabelecida a questão, revela-se descabido o procedimento, face à proteção constitucional dada aos sigilos bancário e fiscal (art. 5º, X).

Conquanto o sigilo bancário não seja um direito absoluto, somente pode ser quebrado por autoridade competente, ou seja, pela autoridade judiciária ou por decisão fundamentada proferida em Comissão Parlamentar de Inquérito, porque a ela a Constituição Federal conferiu poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.

Lembre-se, por oportuno, que nem mesmo ao Ministério Público tal poder foi reconhecido pela Suprema Corte. Em decisão relatada pelo Min. Carlo Velloso, no julgamento do RE 215.301/CE, assim se posicionou o STF:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. C.F., art. 129, VIII.

I. – A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129, da C. F., não autoriza ao Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a C. F. consagra, art. 5º, X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa.

II. – R. E. não conhecido (D. J. de 28. 5. 99)”

Aliás, este é o remansoso entendimento da Suprema Corte, ou seja, de que a quebra do sigilo bancário, sem a prévia autorização judicial, viola o inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal. Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes: RE nº 225.099/PE, rel. Exmo. Sr. Min. Néri da Silveira, DJ de 27. 5. 2002, p. 48; RE nº 219.780/PE, rel. Exmo. Sr. Min. Carlos Velloso, DJ de 10. 9 1999, p. 23; AI nº 334.006/MT, rel. Exmo. Sr. Min. Sydney Sanches, DJ de 10. 6. 2002, p. 56; RE nº 276.997/SP, rel. Exmo. Sr. Min. Nelson Jobim, DJ de 12. 6. 2001, p. 36.

Observe-se, a propósito, o seguinte V. Acórdão, proferido em sede de Recurso Extraordinário, que nem mesmo o Banco Central pode quebrar o sigilo bancário do administrado, sem transgredir o art. 5º, inc. XII, da CF:

“Ementa - SIGILO DE DADOS - ATUAÇÃO FISCALIZADORA DO BANCO CENTRAL - AFASTAMENTO - INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal.” (RE 461366 / DF - DISTRITO FEDERAL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento:  03/08/2007           Órgão Julgador:  Primeira Turma).

Desta forma, emerge clara a inconstitucionalidade da norma que permita a quebra do sigilo bancário ou fiscal, diretamente, por órgão da administração.

Pelo exposto, opina-se pela inconstitucionalidade do art. 11, inc. II, da Lei Federal n. 9.613, de 03 de março de 1998.

 

São Paulo, 17 de julho de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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