Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0144541-49.2011.8.26.0000

Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual n. 1.013/2007

 

 

 

Ementa: Inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual n. 1.013/2007, que modificou a redação do Decreto-Lei n. 260/70, dispondo sobre a perda de vencimentos e vantagens em caso de agregação de policial para fins de candidatura a cargo efetivo, desde que conte com mais de 5 (cinco) anos de serviço. Competência da União para legislar sobre Direito Eleitoral (art. 22, inc. I, da CF).   Inconstitucionalidade constatada.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de Acórdão proferido pela Colenda 8ª Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça, que no julgamento da Apelação   Cível   n. 0614333-65.2008.8.26.0053,   determinou     a

                                                                                         suspensão do julgamento da apelação, para que, em atenção à cláusula da reserva de Plenário (Súmula Vinculante nº 10), o E. Órgão Especial se pronuncie sobre a constitucionalidade da Lei Complementar Estadual n. 1.013, de 06 de julho de 2007, vislumbrando a ocorrência do vício de competência, por violar o art. 22, inciso I, da Constituição Federal.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal especificamente sobre o dispositivo legal em análise (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é inconstitucional o art. 13, I, da Lei Complementar Estadual n. 1.013, de 06 de julho de 2007, que “altera a Lei n. 452, de 2 de outubro de 1974 e o Decreto-lei n. 260, de 29 de maio de 1970 e dá providências correlatas”.

 Na verdade, a questão não admite grandes indagações.

         Vejamos:

         Assim dispõe o dispositivo apontado:

“Art. 13- Os incisos I e II do art. 7° do Decreto – lei n. 260, de 29 de maio de 1970, passam a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 7º ...........

 

 

 

I-                  Não perceberá vencimentos e vantagens nas situações previstas nos incisos III, IV, V, VI, VIII,X, XII e XIII do art. 5º deste decreto-lei.’”

           Por outro lado, o inciso XII do art. 5º do Decreto-lei n. 260, de 29 de maio de 1970, que dispõe sobre a inatividade dos Componentes da Polícia Militar e Civil, estabelece:

“Art. 5º - Será agregado ao respectivo quadro o policial militar que:

(....)

XII- candidatar-se a cargo efetivo desde que conte com mais de 5 (cinco) anos de serviço”.

Já o art. 14, §8º, I e II, da Constituição Federal, que disciplina a elegibilidade do militar alistável com mais de 10 (dez) anos de exercício, como no caso do autor que é policial militar há mais de vinte anos, apresenta a seguinte redação:

         (...)

“§8º - O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

I- se contar menos de dez anos de serviço, deverá se afastar-se da atividade;

II- se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior  e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade”.

(....)

 

O art. 22 da Constituição Federal, por seu turno reza:

"Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”; (g.n.)

Sem dúvida alguma, a vergastada norma ao dispor sobre perda de vencimentos e vantagens em caso de agregação de policial para fins de candidatura a cargo efetivo desde que conte com mais de 5 (cinco) anos de serviço, fez regulamentar matéria de direito eleitoral.

Tanto isso é verdade que, o direito à percepção de vencimentos integrais, durante o afastamento dos servidores públicos para concorrer a cargos eletivos é disciplinado por lei federal, justamente por se tratar de matéria de direito eleitoral (Lei Complementar Federal n. 64, de 18 de maio de 1990, que “estabelece de acordo com o art. 14, §9º, da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cassação e determina outras providências”).  

É que ao disciplinar as condições nas quais servidor público, classificação esta na qual estão incluídos os servidores militares, possa afastar-se para candidatura eletiva traduz prerrogativa legiferante privativa da União (CF, art. 22), não se pode admitir que as circunstâncias nas quais se dê o afastamento de militar para candidatar-                                                                                                    se às eleições inclua-se dentre aquelas matérias concernentes às “situações especiais dos militares, consideradas peculiaridades de suas atividades”.

Oportuna se faz a ponderação do Des. GUERRIERI REZENDE em caso análogo, a faculdade conferida pela Constituição da República às unidades federadas, para editar leis específicas para seus servidores militares, não pode ser estendida ao ponto de se concluir tenha permitido “que  se utilizassem dessa legislação para inviabilizar o direito de se candidatar que se conferiu ao policial militar no art. 14º, §8º, II, da Constituição Federal” (TJSP, 7ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível 990.10.181324-6, j. 14.06.010).

Feitas essas observações, é relevante ressalvar, ainda, que a letra “l”, do inciso II do art. 1º, da Lei Complementar Federal n. 64/90, encontra-se assim redigido:

(...)

“os que, servidores públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades da administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo Poder Público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais”

(...)

Desta feita, o art. 1º, inciso II, “1”, da Lei Complementar Federal n. 64/90, estabelece que qualquer servidor público, estatutário ou não, é                                                                                                    elegível, desde que se afaste até 03 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção de seus vencimentos integrais.

Neste diapasão, a Lei Complementar Estadual n. 1.013/2007 que modificou o Decreto-lei n. 260/70, o qual não foi recepcionado, na parte ora analisada, diante do disposto no art. 14, §8, II da Constituição Federal, não pode suprimir a garantia à percepção de vencimentos integrais aos policiais militares, durante os 3 (três) meses que antecedem ao pleito eleitoral, não só em virtude da inconstitucionalidade anteriormente apontada, mas também, por se tratar de norma  hierarquicamente inferior.

É que o Dec-lei n. 260/70 (ato normativo estadual) determina a agregação ao respectivo quadro do policial militar que se candidatar a cargo efetivo, desde que conte com mais de cinco anos de serviço (art. 5º, XII). A propósito, a agregação é a situação de inatividade temporária do militar sem vaga na escala hierárquica.

E, como já mencionado, de acordo com o art. 7º, I, do Dec-lei n. 260/70, o agregado candidato a cargo eletivo não perceberá vencimentos e vantagens. O dispositivo repercute no plano estadual a regra da alínea “b” do parágrafo único do art. 52 da Lei n. 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que “dispõe sobre o Estatuto dos Militares”, a seguir transcrita:

Art. 52. (...)

Parágrafo único. Os militares alistáveis são elegíveis, atendidas às seguintes condições:

(...)

b) se em atividade, com 5 (cinco) ou mais anos de serviço, será, ao se candidatar a cargo eletivo, afastado, temporariamente, do serviço ativo e agregado, considerado em licença para tratar de interesse particular; se eleito, será, no ato da diplomação, transferido para a reserva remunerada, percebendo a remuneração a que fizer jus em função do seu tempo de serviço.

Ocorre que, segundo o STF, o dispositivo reproduzido do Estatuto dos Militares não foi recepcionado pela Constituição Federal.

A Corte Constitucional entende que a licença para a candidatura não equivale ao afastamento para tratar de interesse particular e determina, para a hipótese de candidatura, a isonomia de tratamento do servidor civil, mandando aplicar aos militares a Lei Complementar n. 64/90 (AI 189.907-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 29-9-1997, Segunda Turma, DJ de 21-11-1997).

Essa é, também, a orientação do STJ:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. CANDIDATURA A CARGO ELETIVO. AGREGAÇÃO. PERCEPÇÃO DA REMUNERAÇÃO.

- Este Superior Tribunal de Justiça já proclamou o entendimento de que o atual texto constitucional (art. 14, § 8º, inciso II) não recepcionou a expressão, prevista na Lei 6.88080 e em consonância  com   a  Carta Política então vigente, que considerava o militar agregado como licenciado para tratar de assuntos de interesse particular, com prejuízo dos vencimentos, limitando-se a dizer que o militar seria "agregado". Precedentes do STJ e STF.

- O militar que contar com mais de dez anos de serviço tem direito à percepção de remuneração durante o período em que for agregado para fins de candidatura eleitoral.

- Recurso especial não conhecido. (REsp 81.339RJ, Rel. Min. VICENTE LEAL, Sexta Turma, DJ 1352002, p. 235).

Desse modo, o Estado de São Paulo, embora tenha tentado transladar para a candidatura dos policiais militares a disciplina equivalente do Estatuto dos Militares, não atinou para o fato de que esta não foi recepcionada pela Constituição de 1988.

Como a normatização estadual decorre da alteração promovida pela Lei n. 1.013/2007 – que é posterior à Constituição Federal – tem-se por correta a tese do em. Des. JOSÉ SANTANA, acolhida à unanimidade por seus pares da C. 8ª Câmara de Direito Público, de que                                                                                                        o legislador paulista inovou em matéria eleitoral, incidindo, portanto, em inconstitucionalidade, por ofensa ao art. 22, inc. I, da Carta Republicana.

Desta forma, o parecer é pela declaração de inconstitucionalidade do inciso I do art. 13 da Lei Complementar Estadual n. 1.013, de 06 de julho de 2007, que modificou a redação do Decreto- Lei n. 260/70.

São Paulo, 8 de setembro de 2011.

 

         Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

 

 

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