Parecer
Autos nº. 0145718-14.2012.8.26.0000
Suscitante: 12ª Câmara de Direito Público
Objeto: art. 5º da Lei nº 11.960/2009
Ementa: Incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 12ª Câmara de Direito Público, do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 (ou do art. 1º - F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe foi dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009). Submissão ao Órgão Especial da tese de que o dispositivo decorre da inobservância dos princípios constitucionais da eficiência, transparência e moralidade, dado que, com a edição da norma, o legislador teria regulado em desacordo com a “realidade do mercado”. Opção que se reputa legítima e inserida no campo da discricionariedade do legislador. Parecer pela rejeição do incidente.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 12ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação – Reexame Necessário, em que figuram como partes FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO (apelante) e (...) e outros (apelados).
Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), visando ao eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 (ou do art. 1º - F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe foi dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009).
Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial ou do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão constitucional suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).
Este é resumo do que consta dos autos.
De acordo com o v. Acórdão, a arguição de inconstitucionalidade restringe-se ao art. 5º da Lei nº 11.960/2009, cuja relevância se revela pela alteração promovida no art. 1º- F da Lei nº 9.494/2009, in verbis:
“Art. 5º - O art. 1º- F da Lei no 9.494, de 10 de setembro de 1997, introduzido pelo art. 4º da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 1º- F. - Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.’”
Para o Órgão Fracionário, o vício que incide sobre esse dispositivo decorre da inobservância dos princípios da eficiência, transparência e moralidade, dado que, com a edição da norma, o legislador teria criado situação que não se acomoda com a realidade do mercado.
Na dicção do Órgão Fracionário:
“A ‘taxa referencial’, ao reverso, não guarda qualquer relação com o fenômeno inflacionário, sendo uma cesta de índices financeiros, retirados do mercado de capitais. Não se presta, evidentemente, para mediar a INFLAÇÃO, de forma que não pode ser utilizada como correção monetária e a ‘lei’ que elegeu a TR para tal mister, estará impregnada de inconsistência e flagrante inconstitucionalidade”
Sob outra perspectiva, afirma-se que os juros de mora – que têm o sentido de recompor as perdas potenciais dos credores pelo tardio pagamento da dívida reconhecida judicialmente – foram atrelados pelo dispositivo às cadernetas de poupança, em mais um “artificialismo” que o invalida.
Em acréscimo, o dispositivo não teria sido recepcionado pela EC 62/2009 (§ 12 do art. 100, CF; § 16 do art. 97 do ADCT), pois, de acordo com esta, os débitos judiciais hão de ser recalculados no momento da formação do precatório.
Por fim, afirma-se que as regras sobre juros possuem natureza de direito material, de tal sorte que deveriam se projetar para novos fatos ou novos processos, demandando, destarte, o pronunciamento do C. Órgão Especial sobre a eficácia temporal da norma.
Delimitado o tema, cabe pontuar que a alteração legislativa teve o objetivo confesso de reduzir o impacto às Fazendas Públicas federal, estaduais e municipais, em relação às condenações que lhes são impostas pelo Poder Judiciário, instituindo, em favor delas, regime que se distancia bastante daquele a que se sujeitam os administrados em relação às suas obrigações tributárias para com o Estado, sobre as quais incidem a taxa Selic.
O proceder do legislador, entretanto, não representa ofensa frontal ao texto constitucional.
Recorde-se, inicialmente, que o STF, pelo seu Plenário, reputou constitucional a limitação em 6% (seis porcento) dos juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública, para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, entendendo legítimo o art. 1º-F em sua primitiva redação (Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001).
Confira-se:
“EMENTA: Recurso Extraordinário. Conhecimento.
Provimento. 2. Juros de Mora. 3. Art. 1º-F da Lei nº
9.494, de 1997. 4. Constitucionalidade.” (RE 453740, Relator(a): Min.
GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2007, DJe-087 DIVULG 23-08-2007
PUBLIC 24-08-2007 DJ 24-08-2007 PP-00056 EMENT VOL-02286-14 PP-02627 RTJ
VOL-00202-01 PP-00341).
A discussão girou em torno da eventual
ofensa ao princípio da isonomia, sagrando-se vencedora a tese de que o
legislador pode conferir tratamento diferenciado na questão dos juros, segundo
o modelo específico da relação que está disciplinando. Em relação às regras
tributárias, a remuneração do capital pela Selic por estas estabelecidas
encontrou justificativa no intuito de se evitar que o contribuinte opte pela
inadimplência e a concomitante especulação financeira, em prejuízo do Fisco.
Penso que, com a incidência da Lei nº
11.960/09, a Corte Constitucional deve manter o entendimento acerca da
constitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Com efeito, a alteração desse dispositivo teve
o escopo de uniformizar a atualização monetária e os juros incidentes sobre todas as condenações judiciais impostas
às Fazendas Públicas.
A alusão a “índices
oficiais” para a atualização monetária, remuneração de capital e
compensação de mora não se afigura inconstitucional pelo simples fato de relacioná-las
aos da caderneta de poupança, embora a poupança represente o investimento que
menos renda, e dentre aqueles colocados à disposição do investidor.
Essa característica não a exclui, a priori, como opção do legislador para
a correção monetária e estipulação dos juros, inclusive porque, historicamente,
a poupança supera os índices de inflação.
De resto, quando a lei prevê a atualização
monetária e juros incidindo “uma única vez”, não está impedindo a aplicação
capitalizada dos juros, até porque a intenção do legislador foi criar
equivalência entre a remuneração da poupança (onde os juros são capitalizados)
e a correção do débito da Fazenda, o que não se tem por irrazoável.
Por tais motivos, não se vislumbra a
cogitada inconstitucionalidade.
No que tange à aplicação da Lei 11.960/2009, o STJ consolidou o entendimento no sentido de sua não incidência nos processos em curso, tendo em vista o seu caráter instrumental e substancial (STJ, AgRg no Ag nº 133.359-16, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 09/11/2010).
Cabe registrar, entretanto, que o STF firmou jurisprudência em sentido contrário em relação ao dispositivo acrescido pela MP 2.180-35:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL
Finalmente, no que se refere a eventual revogação da Lei nº 11.960/2009 pela EC 62/2009, entendo não caber, nesta oportunidade, qualquer pronunciamento a respeito, recordando-se que “a cláusula de reserva de plenário somente é aplicável na hipótese de controle difuso em que deva ser declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, não se aplicando aos casos em que se reputam revogadas ou não recepcionadas normas anteriores à Constituição vigente. Nestes casos, não há que se falar em inconstitucionalidade, mas sim em revogação ou não-recepção” (STJ – 5ª. T, Resp 439.606-SE, rel. Min. Félix Fischer, j. 25.2.2003. Não conheceram, v.u., DJU 14.4.2003, p. 242).
Diante do exposto, o parecer é pela rejeição da arguição de inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 (ou do art. 1º - F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe foi dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009).
São Paulo, 19 de julho de 2012.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
fjyd