Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0146164-51.2011.8.26.0000

Órgão Especial

Apelante: (...)

Apelada: Municipalidade de são Paulo

 

 

 

Ementa:

1.      Incidente de inconstitucionalidade. Decisão do Col. STF que anula acórdão de Câmara do tribunal estadual, que deixa de aplicar lei sem declará-la inconstitucional. Reconhecimento da violação da “cláusula de reserva de plenário” (art. 97 da CR, súmula vinculante 10 do STF).

2.      Não conhecimento do incidente de inconstitucionalidade. Necessidade de novo julgamento, com observância do que dispõe o art. 480 e ss. do CPC.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

A Col. 7ª Câmara de Férias de Janeiro/2004 do extinto 1º Tribunal de Alçada Cível, ao julgar a apelação nº 1.225.494-3, na sessão realizada em 17 de fevereiro de 2004, tendo como relator o Juiz Ariovaldo Santini Teodoro, concedeu a ordem em mandado de segurança, deixando de aplicar legislação em vigor (fls. 140/148).

Essa decisão foi objeto de recurso extraordinário, que acabou, em decisão monocrática, sendo admitido e provido, concluindo-se com a anulação da decisão proferida no âmbito do tribunal estadual, para que outra seja proferida (cf. decisão de fls. 195).

Restituídos os autos, no E. Tribunal de Justiça foi o feito remetido ao Col. Órgão Especial e distribuído para fins de exame da arguição incidental de inconstitucionalidade (fls. 257).

É o relato do essencial.

Não é possível, por ora, ser instaurado e conhecido o incidente de inconstitucionalidade.

A decisão proferida pelo Col. STF foi clara, como se verifica a fls. 195, ao determinar que:

“(...)

Ante o exposto, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998, conheço do recurso e dou-lhe provimento, para anular o acórdão recorrido, a fim de que outro seja prolatado a luz do art. 97, da Constituição Federal. (g.n.)

(...)”

Tendo em vista que o acórdão do colegiado fracionário foi anulado, é necessário que outro seja proferido para, se for o caso, só então ser instaurado o incidente de inconstitucionalidade.

Em outras palavras, não é possível que o Col. Órgão Especial, antes da prolação de nova decisão da Câmara, instaure desde logo o incidente de inconstitucionalidade, pois se o fizer estará usurpando competência do colegiado fracionário para julgar o recurso de apelação interposto (tendo em vista que o acórdão anterior foi anulado), provocando, assim, nulidade insanável.

Como se sabe, o procedimento relativo ao incidente de inconstitucionalidade tem por escopo, em última análise, a observância da denominada “cláusula de reserva de plenário”, prevista no art. 97 da CR/88, pela qual “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Essa regra define a competência funcional e absoluta do Tribunal (Pleno ou Órgão Especial), bem como o quórum mínimo para a deliberação, quando for o caso de reconhecimento de incompatibilidade entre determinado ato normativo e o texto constitucional.

Em razão disso é que o Código de Processo Civil estabelece o procedimento previsto nos seus art. 480 a 482.

Ocorre que o procedimento relativo ao incidente de inconstitucionalidade é dividido em três fases: (a) a primeira, com a manifestação do órgão colegiado fracionário, admitindo o recurso e determinando a instauração do incidente por vislumbrar a possibilidade de declaração da inconstitucionalidade do ato normativo; (b) a segunda perante o Tribunal ou respectivo Órgão Especial, para exame efetivo da questão constitucional; (c) a terceira, com o retorno dos autos ao órgão fracionário, para conclusão do julgamento do recurso, com aplicação do direito à espécie.

Isso decorre expressamente do CPC, na medida em que: (a) o art. 481 caput prevê que se for acolhida, no órgão fracionário, a alegação de inconstitucionalidade, “será lavrado acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno”; e (b) tratar o art. 482 e §§ do procedimento relativo ao julgamento do incidente no Tribunal Pleno ou Órgão Especial.

Esse sistema estabelece, nesse caso, o julgamento como um ato complexo, na medida em que o resultado final será formado pela manifestação de vontade de diferentes órgãos, todos eles com competência funcional e absoluta: (a) primeiro, a deliberação do colegiado fracionário, imprescindível à instauração do incidente; (b) depois, a deliberação do Tribunal, que se limita a examinar a quaestio iuris consubstanciada na discussão constitucional; (c) por último, o retorno dos autos com o acórdão relativo ao incidente ao colegiado fracionário, a quem caberá concluir o julgamento.

A supressão dessas fases, v.g. com declaração de inconstitucionalidade diretamente pelo órgão fracionário, ou julgamento do recurso pelo Tribunal Pleno diretamente, significa violação da regra procedimental, e, mais que isso, da regra de competência funcional e absoluta relativa ao julgamento complexo previsto para a hipótese nos art. 481 e 482 do CPC.

Esse é o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao CPC, vol. V, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 42), para quem:

“(...) Ocorre uma cisão funcional da competência: ao plenário, ou ao ‘órgão especial’, caberá pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade, e ao órgão fracionário, depois, decidir a espécie, à luz do que houver assentado quanto à prejudicial. Suspende-se, portanto, o julgamento do recurso ou da causa pelo órgão fracionário, sem prejuízo daquilo que já se tenha decidido independentemente da argüição.”

Entretanto, ressalta o mesmo autor que:

“Incumbe ao plenário ou ao ‘órgão especial’ pronunciar-se acerca da prejudicial de inconstitucionalidade da lei ou ato do poder público, ou da parte de uma ou de outro, a cujo respeito lhe houver sido submetida a argüição pelo órgão fracionário. O plenário (ou o ‘órgão especial’) não tem competência para manifestar-se sobre o que não haja sido acolhido na argüição (...) Da própria redação do art. 481, caput, 2ª parte, claramente ressalta que o acolhimento da argüição pelo órgão fracionário é pressuposto inafastável do conhecimento da questão pelo tribunal.”(obra citada, p. 46).

Acrescente-se que para o acolhimento da arguição é necessário que tenha sido admitido o recurso interposto, pois, sem a admissão deste, não é viável a instauração do incidente.

No mesmo sentido Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil comentado, 9ª ed., São Paulo, RT, 2006, p. 669, nota n. 2 ao art. 481 do CPC).

Essa solução – cisão funcional de competência, para formação de julgamento complexo – também tem sido reconhecida pelo E. STF.

Confira-se, por exemplo, os julgados : AI 591.373-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-9-07, DJ de 11-10-07; AI 577.771-AgR, Rel. Min. Celso De Mello, julgamento em 18-9-07, DJE de 16-5-08; RE 509.849-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-12-07, DJE de 1º-2-08.

Aliás, esse raciocínio, realizado de forma completa, reconhecendo a divisão de competências entre o órgão fracionário do Tribunal e o Pleno ou Órgão Especial, foi que acabou rendendo ensejo à edição da súmula vinculante nº 10 do E. STF.

Nesse contexto, considerando que o acórdão da Câmara foi anulado, não deve ser desde logo admitida a instauração do incidente de inconstitucionalidade.

Ao contrário, deverão os autos ser devolvidos ao colegiado fracionário a fim de que seja apreciado o recurso de apelação, e, se for o caso, com pronunciamento da maioria de seus integrantes no sentido da eventual inconstitucionalidade da norma em debate, ser lavrado o acórdão.

Caso esse C. Órgão Especial se manifeste diretamente, julgando o próprio recurso de apelação e examinando a questão relativa à inconstitucionalidade, com a devida vênia, estará presente hipótese de nulidade do julgamento, por contrariedade ao disposto nos art. 480 a 482 do CPC.

Em síntese, esses são os fundamentos pelos quais se opina pelo não conhecimento do incidente, devolvendo-se os autos ao colegiado fracionário competente para a apreciação do recurso de apelação.

São Paulo, 11 de julho de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

rbl