Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº.  0156378-67.2012.8.26.0000

Suscitante: 2ª Câmara de Direito Público

Objeto: art. 10 da Lei Estadual nº 12.474, de 26 de dezembro de 2006

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. Art. 10 da Lei Estadual nº 12.474, de 26 de dezembro de 2006. Dispositivo legal acrescentado por força de emenda durante a tramitação do projeto que transfere servidor público do Quadro do DAEE para o Quadro da Assembleia Legislativa. Inconstitucionalidade formal pelo vício de inciativa. Inconstitucionalidade material por ofensa a princípios constitucionais. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 2ª  Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de Apelação Cível nº 0.011.607-36.2009.8.26.0053 em que figuram como partes, de um lado, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo e Mario Liboni (apelantes) e, de outro, o Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), cogitando-se do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 10 da Lei Estadual nº 12.474, de 26 de dezembro de 2006, assim redigido:

“Artigo 10 – Fica transferida para o Quadro de Servidores da Assembléia Legislativa (QSAL) a Função-Atividade de Engenheiro III, do SQF do Quadro do Departamento de Águas e Energia Elétrica, subordinado à Secretaria de Energia e Recursos Hídricos, ocupada por Mário Liboni, RG nº 5.310.837-1.”

O incidente foi suscitado nos autos da ação de reintegração de servidor ao quadro da autarquia movida pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE.

A R. Sentença de Primeira Instância reconheceu a inconstitucionalidade do citado dispositivo legal, conforme se depreende do seguinte trecho:

“O art. 10 da Lei Estadual nº 12,474/2006 é inconstitucional do ponto de vista formal e material.

Com efeito, o aludido diploma legal é originário do Projeto de Lei nº 749/06, de iniciativa do Governador do Estado, tendo por objeto a criação de três Secretarias de Estado.

O Projeto de Lei acima mencionado foi aprovado pela Assembleia Legislativa com o aproveitamento de três emendas de origem parlamentar, sendo que uma delas importou no acréscimo do artigo 10 ao projeto (...)

 

(...) A despeito da emenda não ter provocado acréscimo à despesa pública estadual, implicou o desvirtuamento do Projeto de Lei, que tratava apenas da criação de Secretarias, inserindo matéria nova, isto é, transferência de função-atividade. Trata-se, pois, de violação das limitações ao poder de emenda, na medida em que a emenda não pode acrescentar questão nova, não prevista no projeto de lei original, mas apenas alterá-lo, observadas das normas constitucionais.

Como se não bastasse, a Lei Estadual nº 12.474/2006 também padece de inconstitucionalidade material (...)

(...) É requisito primordial para a assunção de determinado cargo ou emprego público a prévia aprovação em concurso também público, ampliando-se a possibilidade de pessoas na realização do certame destinado a aferir os candidatos melhor preparados para a função que se pretende nomear (...)” (fls. 191/192).

 

Não foi diferente a conclusão da Colenda 2ª Câmara de Direito Público:

“(...) Causa estranheza a lei em referência. E diga-se não há explicação plausível para a presença de um engenheiro na assembleia legislativa.

Nem mesmo o réu servidor relotado justifica a sua permanência na assembleia ressaltando as suas atividades no ‘manejo e auxílio das atividades estratégicas de apoio aos parlamentares no exercício de seus mandatos’ em apelação.

Assim, a transferência ou relotação ora analisada padece de inconstitucionalidade material, e de ilegalidade, pois até mesmo no que tange a discricionariedade e oportunidade utilizadas pelo administrador público para emanar tais atos, decretos ou, como no caso em tela, fazer emendas aos projetos de lei, devem ser observados os princípios básicos e solidificados no Direito: legalidade e moralidade.

Há falta de transparência que gera imoralidade e ilegalidade no ato de transferir o réu servidor para a assembleia sem justificativa razoável dessa necessidade (...)” (fls. 307/308).

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do ato normativo questionado (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

A inconstitucionalidade é flagrante.

O artigo 10 da Lei Estadual nº 12.474, de 26 de dezembro de 2006 é norma de efeitos concretos. Seu conteúdo tem a finalidade específica de beneficiar um determinado servidor, citado com nome e RG na lei.

Como se sabe, leis e decretos de efeitos concretos são “aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam municípios ou desmembram distritos, as que concedem isenções fiscais; as que proíbem atividades ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os que fazem nomeações e outros dessa espécie. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto, por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança” (Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e “Habeas Data”, 12a ed., São Paulo: Revista dos Tribuanis, p. 17).

Pois bem: tais atos estatais de efeitos concretos não se submetem, em sede de controle concentrado, à jurisdição constitucional abstrata, por ausência de densidade normativa no conteúdo de seu preceito.

Todavia, é perfeitamente possível o controle difuso.

Assim, forçoso reconhecer a inconstitucionalidade formal decorrente das alterações impostas ao diploma normativo por força de emenda de iniciativa parlamentar. Afinal, emenda parlamentar sobre matéria cuja iniciativa é privativa do Poder Executivo, também se submete ao controle de constitucionalidade, e também se sujeita à verificação da competência para deflagrar o processo legislativo.

Sendo assim, como já bem demonstrado no bojo da presente ação, trata-se de matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo, eis que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos (art. 24, § 2º, 4, Constituição Estadual), considerando-se que as normas sobre processo legislativo do âmbito federal (art. 61, § 1º, II, c, Constituição Federal) constituem modelo de observância simétrica e reprodução obrigatória nos Estados. Portanto, houve violação do princípio da separação dos poderes.

De outro lado, pelas razões já expostas, a inconstitucionalidade material decorre da ofensa a diversos princípios constitucionais: obrigatoriedade do concurso público; moralidade; impessoalidade.

Com efeito, houve falta de transparência geradora de imoralidade e ilegalidade no ato de transferência do servidor para a assembleia sem justificativa razoável dessa necessidade.

Diante do exposto, o parecer é pelo acolhimento da presente arguição de inconstitucionalidade, decretando-se a inconstitucionalidade do artigo 10 da Lei Estadual nº 12.474, de 26 de dezembro de 2006.

São Paulo, 30 de julho de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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