Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0162575-38.2012.8.26.0000

Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Lei n. 1.638/92 (arts. 84 a 90) do Município de Morro Agudo. Acesso a cargo público. Provimento derivado. Promoção. Cargos da mesma carreira. Inexistência de transposição ou de mecanismo de investidura em cargo isolado ou de carreira diferente. Constitucionalidade. Improcedência. 1. Dos arts. 84 ao 90 da Lei n. 1.638/92 não se infere incompatibilidade com o art. 37, II, CF/88, nem transgressão ao conteúdo da Súmula 685 do Supremo Tribunal Federal, pois, não permitem que servidor público invista-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo público que não integre a carreira da qual anteriormente investido, estabelecendo apenas que a promoção se dará nos cargos da mesma carreira, o que não demanda concurso público, senão concurso interno. 2. A promoção na mesma carreira, de uma classe para outra, não importa violação ao princípio do concurso público, previsto no art. 37, II, CF/88.

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.                Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela colenda 8ª Câmara de Direito Público no julgamento de apelação contrariando respeitável sentença que julgou parcialmente procedente ação ordinária movida por Luís Rogério Branco em face do Município de Morro Agudo, condenando-o a sua promoção do cargo de Leitor de Hidrômetro para Assistente da Divisão de Engenharia e Obras Públicas, suscitando, de acordo com a preliminar exalçada no apelo, a arguição de inconstitucionalidade da Lei n. 1.638, de 27 de abril de 1992, do Município de Morro Agudo (fls. 263/270).

2.                O venerando acórdão está assim ementado:

“APELAÇÃO – SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL – Promoção vertical disciplinada pela Lei Municipal nº 1.638/92 (arts. 85 a 90) – Permissão para que, mediante processo interno, o servidor ocupe cargo superior – Ascensão, no caso, que se daria do cargo de ‘Leitor de Hidrômetro’ para o cargo de ‘Assistente da Divisão de Engenharia e Obras Públicas’ – Afronta ao princípio da acessibilidade aos cargos públicos, mediante concurso – Exigência, contudo, de instauração, antes do exame do mérito, de incidente de arguição de inconstitucionalidade, nos termos do enunciado da Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal – Incidente de inconstitucionalidade suscitado (art. 190, do RITJSP)” (fl. 264).

3.                É o relatório.

4.                Os arts. 84 a 90 da Lei n. 1.638, de 27 de abril de 1992, conferem, em uma visão conjunta, a promoção, em termos de movimentação funcional vertical ascendente, do servidor, e que é consistente, como enuncia o art. 84, “na passagem de um determinado grau para o imediatamente superior, dentro da carreira especificada neste Capítulo, na Divisão ou Coordenadoria em que o servidor estiver lotado”.

5.                O art. 85 reitera que “a promoção dos servidores, dentro de cada carreira, sempre para o cargo subsequente” ocorrerá quando houver vaga em cargo que não for o inicial, esclarecendo no § 1º que o provimento dos cargos iniciais de cada carreira observará sempre o concurso público, e no § 2º impõe o concurso público “quando não existirem servidores, no grau imediatamente anterior, habilitados nos requisitos exigidos no Anexo I para o cargo vago”.

6.                Os demais dispositivos não escapam a esses contornos. O § 1º do art. 86, que trata da promoção vertical, estabelece que, diante da vacância de cargo que não inicial, serão notificados os servidores ocupantes dos cargos imediatamente anteriores para concorrerem ao vago, inscrevendo requisitos nos incisos I a V. Da mesma forma, o art. 90 declara que “quando houver apenas um servidor no cargo anterior ao vago, esse será promovido desde que satisfaça as condições para a promoção”.

7.                A leitura desses dispositivos não permite inferir incompatibilidade com o art. 37, II, da Constituição de 1988, nem transgressão ao conteúdo da Súmula 685 do Supremo Tribunal Federal, pois, não permitem que servidor público invista-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo público que não integre a carreira da qual anteriormente investido.

8.                Apenas para o necessário registro, o art. 92, VI, c, da Lei n. 1.638/92, menciona que os cargos de Leitor de Hidrômetro e de Auxiliar de Arrecadação do Setor de Água e Esgoto – transformado para o de Assistente da Divisão de Engenharia e Obras Públicas pelo art. 2º da Lei n. 1.905, de 28 de fevereiro de 1996 – são da mesma carreira.

9.                Os dispositivos legais enfocados assinalam, mais de uma vez, que a promoção se dará nos cargos da mesma carreira, isto é, de uma classe a outra, e não em cargos de carreiras diferentes (transposição), o que é vedado.

10.              Ora, o acesso vertical ascendente aos cargos de classes diferentes da mesma carreira não demanda concurso público, mas, concurso interno, como se colhe do art. 37, II, da Constituição Federal.

11.              Clássica lição explica que classe é “o agrupamento de cargos da mesma profissão, e com idênticas atribuições, responsabilidades e vencimentos. As classes constituem os degraus de acesso na carreira” e que carreira (ou série de classes) é “o agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram, mediante provimento originário”, e o concurso público é obrigatório “ao ingresso em cargo ou emprego isolado ou em cargo ou emprego público inicial da carreira” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2009, 35ª ed., p. 423, 439).

12.              Na carreira elevam-se “os funcionários da classe inferior à superior, normalmente por concurso de promoção, e adentrando-se a classe no primeiro provimento, nos graus iniciais da escala hierárquica” (Edmir Netto de Araújo. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2010, 5ª ed., p. 299). A isso se denomina provimento derivado em razão da existência de vínculo anterior por derivação vertical, com elevação do grau funcional – ou, mais simplesmente, promoção.

13.              E promoção “é forma de provimento pela qual o servidor passa para cargo de maior grau de responsabilidade e maior complexidade de atribuições, dentro da carreira a que pertence. Constitui uma forma de ascender na carreira. Distingue-se da transposição porque, nesta, o servidor passa para cargo de conteúdo ocupacional diverso, ou seja, para cargo que não tem a mesma natureza de trabalho” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: 2012, 25ª ed., Atlas, p. 660).

14.              Desta compreensão não destoa a jurisprudência:

“(...) 1. A jurisprudência desta Corte entende que a promoção na mesma carreira, de uma classe para outra, não importa violação ao princípio do concurso público, previsto no art. 37, II, da Constituição Federal. Precedentes. (...)” (STF, AgR-RE 433.354-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, 12-04-2011, v.u., DJe 04-05-2011).

“(...) 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que a promoção por acesso de professor da rede estadual de ensino não contraria o artigo 37, II, da CB/88, quando ocorre dentro da mesma carreira, não se tratando de ascensão à carreira diversa daquela para a qual o servidor ingressou no serviço público. (...)” (STF, AgR-AI 651.838-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 13-11-2007, v.u., DJe 07-12-2007).

15.              O que poderia ser controvertido neste controle difuso de constitucionalidade seria, em tese, a estatuição de carreira no art. 92, VI, c, da lei local impugnada, se a análise das atribuições dos cargos não revelasse identidade profissional e escalonamento segundo a hierarquia do serviço, mas os dados constantes dos autos não permitem esse exame.

16.              Em resumo, não se verifica inconstitucionalidade nos arts. 84 ao 90 da Lei Municipal n. 1.638/92, motivo pelo qual o incidente deve ser tido como improcedente.

         São Paulo, 10 de agosto de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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