Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0204606-73.2012.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelante: (...)

Apelados: Prefeito Municipal de Catanduva e Diretor Superintendente do Instituto de Previdência dos Municipários de Catanduva.

Objeto: Lei Municipal nº 3.876/2003 de Catanduva

 

 

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Arts. 1º e 2º da Lei nº 3.876/2003 que alterou os arts. 7º e 8º da Lei nº 3.820/2002 do Município de Catanduva. Alegação de inconstitucionalidade por afronta aos arts. 5º e 40, § 8º, da Constituição Federal e ao art. 126, § 4º, da Constituição Estadual.

2)      Supressão aos servidores inativos do direito ao custeio a assistência médica. Benefício atribuído aos servidores ativos.

3)      Custeio da assistência médica realizado pela Administração Pública aos seus servidores ativos não integra o regime remuneratório do servidor, pois não se trata de gratificação ou adicional, mas simples liberalidade.

4)      Não violação ao princípio da isonomia que determina a observância da paridade na fixação e atualização dos proventos de aposentadoria (ECs nº 41/03 e 47/05).

5)      Parecer pela admissão e não acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, quando do julgamento da apelação cível nº 0001824-69.2012.8.26.0132 da Comarca de Catanduva, na sessão realizada em 15 de agosto de 2012, figurando como Relatora a Des. Luciana Bresciani.

A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º da Lei nº 3.876/2003 que alterou os arts. 7º e 8º da Lei nº 3.820/2002 do Município de Catanduva que exclui o custeio da assistência médica aos servidores inativos, impondo facultativamente adesão mediante desconto de 7% em folha de pagamento.

Em conformidade com o v. acórdão (fls. 148/157), a inconstitucionalidade dos referidos dispositivos legais decorre de sua contrariedade ao princípio da isonomia e em especial ao art. 40, § 8º da Constituição Federal reproduzido no art. 126, § 4º da Constituição Estadual, pois, nos termos do voto da relatora:

“(...)

Vedado o tratamento desigual entre ativos, inativos e pensionistas, não poderia a Municipalidade excluir os servidores inativos da percepção da assistência médica, verba que não é concedida em razão de determinadas condições de trabalho, como por exemplo, o vale transporte ou auxílio alimentação, sendo parte integrante da remuneração.

Relevante destacar que não estamos falando de observância de limites ao valor dos proventos, mas a supressão automática de benefício que integrava o salário, do que resulta, inclusive, ofensa ao direito adquirido e à irredutibilidade dos vencimentos e proventos.

(...)

Em suma, assegurado aos servidores da ativa o custeio da assistência médica, a exclusão dos inativos importa violação à isonomia, que fundamenta a inconstitucionalidade dos artigos 1º e 2º, da Lei nº. 3.876/2003.

Discute-se nesses autos a constitucionalidade de dispositivos legais que excluíram dos servidores públicos inativos de Catanduva o direito ao custeio à assistência médica prestada através do Instituto de Previdência dos Minicipiários de Catanduva – IPMC, estabelecendo possibilidade de adesão mediante contribuição mensal de 7% dos respectivos vencimentos.

Alega-se violação ao princípio constitucional da isonomia e ao art. 40, § 8º, da Constituição Federal.

Inicialmente, convém ressaltar que o § 8º do art. 40 da Constituição Federal, mencionado como parâmetro para o controle da constitucionalidade, teve sua redação modificada pela Emenda Constitucional nº 41 de 19.12.2003.

Desta forma, restou excluída a obrigatoriedade de extensão aos aposentados e aos pensionistas de quaisquer benefícios ou vantagens concedidos aos servidores em atividade. O referido dispositivo constitucional assegurou apenas o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.

De qualquer forma, resta analisar eventual violação ao princípio da isonomia.

A concessão do benefício de assistência médica aos servidores públicos municipais não é raro nas legislações do funcionalismo público, como, por exemplo, é previsto no art. 227, VII, da Lei Complementar n. 75/93.

A contribuição prevista no art. 149 da Constituição Federal custeia exclusivamente o regime de previdência social dos servidores públicos, e não serviços de assistência médica, o que não significa vedação aos entes públicos de previsão destes aos seus respectivos servidores.

Não se admite, porém, a instituição de contribuição obrigatória para serviço de assistência médica apartado do sistema único de saúde.

A propósito da questão o Supremo Tribunal Federal assim se pronunciou: “Os Estados-membros podem instituir, nos termos do art. 149, § 1º, da Constituição Federal, apenas contribuição que tenha por finalidade o custeio do regime de previdência de seus servidores, o que não abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos”. (RE n. 573.540, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 11.6.2010, e ADI n. 3.106, Relator o Ministro Eros Grau, DJe 24.9.2010).

Em outro julgamento, acentuou o Ministro Eros Grau que “destaca-se, no texto constitucional, o fato de que das três áreas de atuação da seguridade social --- previdência social, saúde e assistência social --- o constituinte excluiu, no que toca à instituição de contribuições, a saúde”. (STF, ADI 3.106-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 14-04-2010, v.u., DJe 24-09-2010). De tal sorte, não é lícita contribuição compulsória para custeio desses serviços, cuja adesão é facultativa, admitindo-se, inclusive, como manifestado pelo Ministro Cezar Peluso, custeio parcial.

Não há proibição constitucional para o Município fornecer, a título de benefício ou vantagem, aos seus servidores, assistência médica, odontológica ou farmacêutica.

No caso dos autos, o custeio de tal benefício fica a cargo da Prefeitura Municipal, da Câmara Municipal e das Autarquias (art. 7º da Lei Municipal nº 3.820/200) em relação aos servidores ativos. Para os inativos, a prestação dos serviços de assistência médica fica condicionada à contribuição facultativa, haja vista o caráter contributivo estabelecido para o custeio daqueles serviços, ou seja, os entes públicos citados colaboram com 7% do total mensal creditado em folha de pagamento dos servidores ativos efetivos (art. 8º da Lei nº 3.820/2002).

O benefício de assistência médica oferecido gratuitamente pela administração pública aos seus servidores ativos não encontra justificativa em fatos ou situações de interesse administrativos,  relacionadas direta ou indiretamente com a prestação do serviço ou com a situação do servidos. Trata-se, na verdade, de mera liberalidade, uma vantagem anômala.

A propósito, o mestre Hely Lopes Meirelles assinala que: (...) as Administrações têm concedido vantagens anômalas, que refogem completamente dos princípios jurídicos e da orientação técnica que devem nortear a retribuição do servidor. Essas vantagens anômalas não se enquadram quer como adicionais, quer como gratificações, pois não têm natureza administrativa de nenhum destes acréscimos estipendiários, apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só propósito de cortejar o servidor público  (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 490).

Não obstante tenha certa e considerável repercussão econômica, o custeio da assistência médica realizado pela Administração Pública aos seus servidores ativos não integra o regime remuneratório do servidor, pois não se trata de gratificação ou adicional, mas de simples liberalidade.

Desta forma, não se pode cogitar ofensa ao princípio da isonomia que determina a observância da paridade na fixação e atualização dos proventos de aposentadoria (ECs nº 41/03 e 47/05).

Sabe-se que o princípio da igualdade, que, em sua verdadeira acepção, significa tratar igualmente situações iguais, e de forma diferenciada situações desiguais.

Daí ser possível aduzir que viola o princípio da igualdade tanto o tratamento desigual para situações idênticas, como o tratamento idêntico para situações que são diferenciadas (cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3. ed., 12. tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 35; José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 215).

A diferenciação feita pelo legislador é possível quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diversidade de tratamento, pois a igualdade pressupõe um juízo de valor, e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que apenas ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 3. ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 400/401).

No caso dos autos, o fator de discriminação está plenamente justificável. Não se trata de tratamento remuneratório diferenciado. Em face do caráter contributivo que orienta todo plano de saúde, a Administração Municipal contribui com percentual sobre a folha de pagamento dos servidores ativos, restando aos inativos a faculdade de optar pela assistência médica arcando com os custos decorrentes, haja vista estar o Instituto de Previdência dos Municipários de Catanduva obrigado a destinar seus recursos exclusivamente para pagamento de benefícios previdenciários ( art. 1º, III da Lei Federal nº 9.717/1998).

O servidor público inativo encontra-se em situação jurídica diversa à do servidor ativo, razão pela qual não tem assegurada a manutenção da assistência médica  estabelecida em benefício destes servidores.

Em caso semelhante, da mesma Comarca de Catanduva, esse E. Tribunal de Justiça decidiu que Não há direito adquirido ao não pagamento de contribuição assistencial pelo inativo, uma vez que se trata de relação de trato sucessivo, sujeita no tempo às alterações legislativas (Apelação Cível nº 207.805-5/1-00, Catanduva, 8ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Teresa Ramos Marques, j. 20/04/2005, v.u.)

Desta forma, emerge clara a constitucionalidade dos arts. 7º e 8º da Lei nº 3.820/2002, do Município de Catanduva, na medida em que não se vislumbra qualquer afronta ao princípio da isonomia.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e seu não acolhimento, declarando-se a constitucionalidade dos arts. 7º e 8º da Lei nº 3.820/2002 do Município de Catanduva.

 

São Paulo, 11 de outubro de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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