Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Autos n. 0219685-29.2011.8.26.0000

Requerente: 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei n. 2.787/05, do Município de Tietê

 

 

Ementa:

1. Inconstitucionalidade da Lei n. 2.787/05, do Município de Tietê, a qual “dispõe sobre as normas de atendimento bancário na cidade de Tietê”.

2. Constitucionalidade. Matéria pacificada no âmbito do Colendo STF: RE 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

3. A lei diz respeito apenas à qualidade do atendimento ao consumidor dos serviços bancários  e ao poder de polícia do Município, exercido dentro do escopo de aprimorar as condições de prestação de serviços aos munícipes. Aprimoramento das condições de atendimento da instituição financeira revela interesse local.

4. Parecer no sentido de ser proclamada a constitucionalidade do diploma legal questionado.

 

 

Colendo Órgão Especial:

                  

A Colenda 12ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suscitou no julgamento de apelação interposta em face de sentença proferida em ação declaratória negativa cumulada com ação anulatória com pedido de antecipação de tutela arguição incidental de inconstitucionalidade da Lei Municipal de Tietê n. 2.787/05, a qual “dispõe sobre as normas de atendimento bancário na cidade de Tietê” (fls. 250/263).

É o relatório.

A Lei Municipal de Tietê n. 2.787/05 tem a seguinte redação:


“Artigo 1º - Fica determinada a obrigatoriedade das instituições bancárias instaladas na cidade de Tietê criarem acomodações de espera através do sistema de senhas com bancos de assentamento.

§ Único - O número de bancos de assentamento deverá ser proporcional ao número médio de atendimentos da instituição.  
                       
Artigo 2º - O tempo máximo de espera não deverá ser superior a 15 (quinze) minutos em dias úteis normais, e a 30 (trinta) minutos em dias que antecedem feriados prolongados e nos imediatamente seguinte a eles.

§ Único - A comprovação do tempo disposto pelo caput deverá ser feita através da expedição do bilhete de senha de atendimento, contendo a identificação da instituição bancária e da agência, o horário da entrada do cliente e/ou usuário, e o horário máximo previsto para o atendimento.

Artigo 3º - O não cumprimento do disposto nos artigos 1o e 2o implicará em multas mensais no valor de 100 (cem) UFESP'S (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo) no primeiro mês; 250 (duzentos e cinqüenta) UFESP'S na reincidência; 500 (quinhentos) UFESP'S em nova reincidência e assim sucessivamente (dobrando o valor do mês anterior) até o limite de 09 (nove) meses, quando caberá a interdição de funcionamento da Instituição Bancária na cidade de Tietê.

Artigo 4º - A fiscalização, aplicação e recebimento da multa e a suspensão do Alvará de Funcionamento caberá à Secretaria de Finanças do Município.

Artigo 5º - As Instituições bancárias instaladas no Município de Tietê terão 90 (noventa) dias para se adaptarem à referida Lei.

Artigo 6º - As despesas decorrentes com a execução da presente lei correrão por conta de verbas próprias do orçamento vigente.

Artigo 7º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

Como é cediço, nosso ordenamento constitucional adotou o regime da repartição constitucional de competências, por meio do qual à União são reservados assuntos de interesse geral, aos Estados os temas de interesse regional e aos Municípios os de interesse local.

A interpretação das regras constitucionais nessa matéria deve levar em consideração qual o interesse prevalente, na medida em que toda e qualquer disciplina legislativa sempre traz algum aspecto que é relevante para mais de uma esfera da Federação.

A chave da solução dos problemas concretos está, assim, na identificação do interesse predominante.

A propósito, confira-se, na doutrina: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 28. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 477 e ss; Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, passim; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 270 e ss; entre outros.

Embora caiba à União editar leis complementares dispondo sobre o sistema financeiro nacional, bem como instituições financeiras e suas operações (art. 48, XIII, art. 192 red. EC nº 40/03, CR/88), isso não inibe a competência dos Municípios para, mesmo em se tratando de serviços prestados por instituições financeiras, editar normas de interesse local, relacionadas à proteção do consumidor e à qualidade dos serviços prestados, bem como ao exercício do poder de polícia nos Municípios (art. 30, I, da CR/88).

A matéria é pacífica no âmbito do Colendo STF. Confira-se: RE 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

Oportuno ainda transcrever a seguinte ementa:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. COMPETÊNCIA. MUNICÍPIO. ART. 30, I, CB/88. FUNCIONAMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTS. 192 E 48, XIII, DA CB/88. 1. O Município, ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, exerce competência a ele atribuída pelo artigo 30, I, da CB/88. 2. A matéria não diz respeito ao funcionamento do Sistema Financeiro Nacional [arts. 192 e 48, XIII, da CB/88]. 3. Matéria de interesse local. Agravo regimental improvido.” (STF, RE-AgR 427463/RO, 1ª T., rel. Min. Eros Grau, j. 14/03/2006, DJ 19-05-2006, PP-00015).

 No julgado acima, ao emitir seu voto, o i. Min. Relator, Eros Grau, formulou as seguintes ponderações:

“Ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, o Município exerceu competência a ele atribuída pelo art. 30, inciso I, da Constituição do Brasil.

A matéria respeita a interesse local do Município, que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições financeiras. Ademais, incluem-se no âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à proteção do consumidor. Vale mesmo dizer: o Município está vinculado pelo dever de dispor, no plano local, sobre a matéria.

A lei municipal não dispôs sobre política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores – art. 22 inciso VII, da CB/88. Também não regulou a organização, o funcionamento e as atribuições de instituições financeiras. Limitou-se a impor regras tendentes a assegurar adequadas condições de atendimento ao público na prestação de serviços, por essas instituições, ao consumidor/cliente.

Não envolve transgressão da competência reservada ao Congresso Nacional pelo art. 48, inciso XIII, da Constituição do Brasil, para dispor sobre matéria financeira e funcionamento de instituições financeiras. Também não diz respeito à estruturação do sistema financeiro nacional, matéria que, nos termos do disposto no art.192 da CB/88, há de ser regulada por lei complementar.

(...)

No mais, devo fazer breve alusão aos argumentos aportados às razões do agravo pelo parecer juntado aos autos, inicialmente observando que a exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange apenas o quanto respeite à regulamentação da estrutura do sistema. Isso é nítido como a luz solar passando através de um cristal bem polido.”

Há outros julgados, nesse mesmo sentido, tanto do Colendo STJ como do Colendo STF. Confira-se:

“(...)

3. Firmou-se a jurisprudência, tanto no STF (v.g.: AgReg no RExt 427.463, RExt 432.789, AgReg no RExt 367.192-PB), quanto do STJ (v.g.: REsp 747.382; REsp 467.451), no sentido de que é da competência dos Municípios (e, portanto, do Distrito Federal, no âmbito do seu território - CF, art. 32, § 1º) legislar sobre tempo de atendimento em prazo razoável do público usuário de instituições bancárias, já que se trata de assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, eventual antinomia ou incompatibilidade entre a lei municipal e a lei federal no trato da matéria determina a prevalência daquela em relação a essa, e não o contrário (STJ, REsp 598.183-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 08-11-2006, v.u., DJ 27-11-2006, p. 236).

“(...)

CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O Município tem competência para legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias (STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23).

(...)”

Por identidade de razões, os precedentes do Colendo STF são aplicáveis ao caso em exame.

Acrescente-se que, em outros casos, o Colendo STF reconheceu diretamente a competência dos Municípios para legislar quando está em jogo o exercício do poder de polícia relativo ao uso das edificações urbanas, bem como quanto ao estabelecimento de diretrizes de atendimento aos clientes de instituições financeiras, inclusive no aspecto relacionado à segurança. Confira-se:

“(...)

RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Competência legislativa. Município. Edificações. Bancos. Equipamentos de segurança. Portas eletrônicas. Agravo desprovido. Inteligência do art. 30, I, e 192, I, da CF. Precedentes. Os Municípios são competentes para legislar sobre questões que respeite a edificações ou construções realizadas no seu território, assim como sobre assuntos relacionados à exigência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados a atendimento ao público (STF, AI-AgR 491.420-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, 21-02-2006, v.u., DJ 24-03-2006, p. 26, RTJ 203/409).

(...)

ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - ALEGAÇÃO TARDIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO ‘JURA NOVIT CURIA’ - RECURSO IMPROVIDO. - O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros (STF, AI-AgR 341.717-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 31-05-2005, v.u., DJ 05-08-2005, p. 92).

(...)”

Esse aprimoramento das condições de atendimento da instituição financeira revela interesse local. Pode, portanto, ser objeto de lei municipal.

Entendimento diverso significará contrariedade aos dispositivos constitucionais mencionados acima (art. 30, I, art. 48 XIII, art. 192 red. EC nº 40/03, CR/88), sendo necessário que esse E. Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Por último e não menos importante, o Col. Órgão Especial já reconheceu a constitucionalidade de lei municipal que disciplinou questões relativas à segurança de agências bancárias situadas no Município.

Trata-se do julgamento da ADI 0422133-25.2010.8.26.0000, em 02 de fevereiro de 2011, relator Des. Ruy Coppola, com a seguinte ementa:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal de Nova Odessa. Obrigação de instalação de sistema de monitoramento por câmeras de vídeo nas instituições bancárias do Município, disciplinando penalidades na hipótese de descumprimento. Alegação de afronta a dispositivos da Constituição Estadual e Federal. Inexistência de ilegalidade do Município na exigência de funcionamento de estabelecimentos bancários condicionado à instalação de equipamentos de segurança, pela não interferência com as normas constitucionais que regulam as instituições financeiras. Precedentes do STF no sentido da competência do Município para, mediante lei, obrigar as instituições financeiras a instalar dispositivos de segurança em suas agências. Matéria de interesse local. Legitimidade do Município para legislar sobre o tema, limitando-se a disciplinar assunto de interesse municipal, com objetivo de proporcionar proteção à coletividade consumidora. Ação improcedente.

(...)”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente, e por seu não acolhimento, declarando-se a constitucionalidade da Lei n. 2.787/05.

       

São Paulo, 21 de setembro de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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