Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0227929-10.2012.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelante: Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul

Apelada: (...)

Objeto: Art. 5º Lei nº 4.966/10 do Município de São Caetano do Sul.

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Art. 5º, da Lei nº 4.966/10 do Município de São Caetano do Sul. Alegação de inconstitucionalidade por afronta ao art. 145, II da Constituição Federal.

2)      Previsão de taxa de coleta, remoção e destinação de lixo incidente sobre imóvel não edificado. Se o serviço não é prestado e nem posto à disposição por ser faticamente não utilizável, dado imóvel não edificado não produz lixo, não se justificando a imposição do tributo.

3)      Imposição de taxa em valor mínimo. Se a lei estabelece critério para aferição do tributo, a fixação de valor mínimo ofende ao seu caráter divisível.

4)       Parecer pelo conhecimento e acolhimento parcial do incidente.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 15ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível nº 0007560-64.2011.8.26.0565 da Comarca de São Caetano do Sul, na sessão realizada em 09 de agosto de 2012, figurando como Relator o Des. Eutálio Porto.

A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade do art. 5º, da Lei nº 4.966/10 do Município de São Caetano do Sul, que institui a taxa de coleta, remoção e destinação do lixo.

Em conformidade com o v. acórdão (fls. 98/101), a inconstitucionalidade do referido dispositivo decorre de sua contrariedade ao art. 145, II, da Constituição Federal, pois, nos termos do voto do relator:

“(...) observa-se que a Lei Municipal nº 2.454/77 trata na verdade não de taxa de lixo, mas sim de taxa de limpeza pública, o que já ficou afastado pelo STF. Esta mesma lei foi alterada pela Lei Municipal nº 4.711/08, que também examinada pelo Colendo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, em incidente de Inconstitucionalidade nº 990.10.287455-9, declarou a inconstitucionalidade do art. 6º, “caput”, inciso I e § 2º, nos seguintes termos:

‘Inconstitucionalidade Arguição de Inconstitucionalidade de lei tributária de São Caetano do Sul. Taxa de coleta, remoção e destinação do lixo com fato gerador atinente aos serviços de limpeza de vias e logradouros públicos e de remoção de lixo domiciliar. Natureza da taxa definida pelo fato gerador. Serviço de limpeza que não é especifico e divisível. Violação ao art. 145, II da Constituição Federal” (Incidente de Inconstitucionalidade nº 990.10.287653-São Caetano do Sul Órgão Especial Relator Maurício Vidigal 27/10/2010).

No entanto, em 2010 surgiu uma nova Lei Municipal nº 4.966/10, que da mesma forma exige o pagamento da taxa de lixo, mas, nas mesmas condições das leis anteriores.

Com efeito, essa nova lei na verdade repete o mesmo fato gerador da lei anterior, ou seja, a Lei Municipal nº 4.711/08, não trazendo qualquer inovação apta a justificar a cobrança da taxa.

(...)

De forma que o Órgão Especial julgou inconstitucional o art. 6º, “caput”, inciso I e § 2º da Lei Municipal nº 4.711/2008, e que agora este mesmo dispositivo foi introduzido na Lei Municipal nº 4.966/10, permanecendo desta feita o mesmo vício.

E, assim sendo, cabe, salvo melhor juízo, ao Órgão Especial deste Egrégio Tribunal, se assim entender, declarar também a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei Municipal nº 4.966/10.

É o relato do essencial.

O incidente deve ser conhecido e merece acolhimento parcial.

O art. 5º, da Lei nº 4.966 de 15 de dezembro de 2.010 tem a seguinte redação:

Artigo 5° - A Taxa de Coleta, Remoção e Destinação do Lixo, prevista no artigo 2°, inciso II, letra "a" e no artigo 69 ambos da Lei n° 2.454, de 17 de outubro de 1977 e redenominada pelo artigo 6° da Lei n'' 4.711, de 05 de novembro de 2008, será calculada para o exercício de 2011 na forma da legislação municipal vigente e exigível nos seguintes termos:

I - sendo contribuinte o proprietário, o titular do domínio útil e o possuidor de imóvel não edificado, situado em logradouro ou via servida por coleta e remoção de lixo, por metro linear ou testada, a razão de R$ 10,07 (dez reais e sete centavos);

II - sendo contribuinte o proprietário, o titular do domínio útil, e o possuidor de imóvel edificado, situado em logradouro ou via servida por coleta e remoção de lixo, pela somatória dos valores atribuídos: (a) a área construída, a razão de R$ 2,49 (dois reais e quarenta e nove centavos) por metro quadrado, e (b) a testada, a razão de R$ 10,07 (dez reais e sete centavos) por metro linear;

III - sendo contribuinte o feirante, no exercício de suas atividades comerciais, em cada feira, por metro quadrado ou fração de área ocupada na via ou logradouro publico, a razão de R$ 0,10 (dez centavos);

IV - sendo contribuinte o vendedor ambulante, no exercício de suas atividades comerciais, diariamente, por metro quadrado ou fração de área ocupada na via ou logradouro publica, a razão de R$ 0,21 (vinte e um centavos)

§ 1º - 0 imóvel de uso total ou parcial comercial, industrial e/ou de prestação de serviços, exceto na hipótese de abrigar estabelecimento de profissionais liberais e de autônomos intermediários, será tributado com acréscimo de 50% (cinquenta por cento).

§ 2º - Nenhum lançamento anual da Taxa de Coleta, Remoção e Destinação do Lixo, por inscrição, será inferior a R$ 168,06 (cento e sessenta e oito reais e seis centavos)

A Colenda Câmara que suscita este incidente argui a inconstitucionalidade da instituição da taxa em largo espectro, ou seja, de todo o art. 5º da Lei nº4.699/10.

Observo, porém, que se trata de tributo (taxa) que tem por fato gerador a prestação de serviço referente à coleta, remoção e destinação do lixo. Tal modalidade tributária é exercida na medida da utilização efetiva ou potencial desse serviço. Assim, pode-se afirmar que a adoção do parâmetro relacionado à metragem construída dos imóveis, para esse fim, mostra-se paradigma razoável.

Esse entendimento vem sendo prestigiado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal:

(...)

“A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.” (Súmula Vinculante 19)

(...)

“Com efeito, a Corte entende como específicos e divisíveis os serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, desde que essas atividades sejam completamente dissociadas de outras serviços públicos de limpeza realizados em benefício da população em geral (uti universi) e de forma indivisível, tais como os de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos (praças, calçadas, vias, ruas, bueiros). Decorre daí que as taxas cobradas em razão exclusivamente dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis são constitucionais, ao passo que é inconstitucional a cobrança de valores tidos como taxa em razão de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos.” (RE 576.321-RG-QO, voto do Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-12-08, Plenário, DJE de 12-2-08). No mesmo sentido: AI 521.533-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 15-12-09, Plenário, DJE de 5-3-10; RE 524.045-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 8-9-09, 2ª Turma, DJE de 9-10-09; AI 632.562-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26-5-09, 1ª Turma, DJE de 26-6-09; AI 660.829-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16-12-08, 1ª Turma, DJE de 20-3-09; RE 510.336-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-4-07, 2ª Turma DJ de 11-5-07; RE 256.588-ED-EDV, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-2-03, Plenário, DJ de 3-10-03; AI 245.539-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 14-12-99, 1ª Turma, DJ de 3-3-00.”

(...)

Irrepreensível a adoção como base de cálculo da área construída ou da testada do imóvel por não haver identidade com a base de cálculo do IPTU, na medida em que a metragem da edificação é utilizada para se aferir o custo do serviço prestado, enquanto que a base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, de acordo com o artigo 33 do Código Tributário Nacional.

A propósito o Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

“o fato de um dos elementos utilizados na base de cálculo do IPTU – a metragem da área construída do imóvel – que é o valor do imóvel (CTN, art. 33), ser tomado em linha de conta na determinação da alíquota da taxa de coleta de lixo, não quer dizer que teria essa taxa base de cálculo igual à do IPTU: o custo do serviço constitui a base imponível da taxa. Todavia, para fim de aferir, em cada caso concreto, a alíquota, utiliza-se a metragem da área construída do imóvel, certo que a alíquota não se confunde com a base imponível do tributo. Tem-se, com isto, também, forma de realização da isonomia tributária e do princípio da capacidade contributiva (Recurso Extraordinário 232.393-1/SP, Rel. Min. Carlos Veloso; no mesmo sentido, Recurso Extraordinário 229.976-0/SP, Rel. Min. Marco Aurélio).

A inconstitucionalidade, porém, reside na previsão da tributação para imóveis não edificados e pela fixação de um valor mínimo para a referida taxa.

Foi neste particular que esse Colendo Órgão Especial, na arguição de inconstitucionalidade de lei n° 0042558-07.2011.8.26.0000, julgada em 24 de agosto de 2011, que teve como relator o Des. Walter de Almeida Guilherme, declarou a inconstitucionalidade do inciso I e do § 2º do art. 6º da Lei Municipal nº 4.711/08 de São Caetano do Sul.

A hipótese se repete na lei ora impugnada, pois o inciso I do art. 5º, prevê, como contribuinte da taxa, o proprietário e o possuidor de imóvel não edificado, situado em logradouro ou via servida por coleta e remoção de lixo, e, o § 2º do mesmo artigo, estabelece o valor mínimo de R$ 168,06 (cento e sessenta e oito reais e seis centavos) para o lançamento anual da Taxa de Coleta, Remoção e Destinação do Lixo.

Não se pode tributar através da taxa de coleta de lixo os imóveis não edificados por não produzirem resíduos objetos de coleta, remoção e destinação. Assim, para estes imóveis, não se pode falar que o Município está prestando efetivamente ou colocando à disposição serviço público específico e divisível.

A exação em relação a tais imóveis assume natureza de taxa de limpeza pública ou de conservação de bens públicos, reconhecidamente inconstitucional, por não preencher requisitos da especificidade e divisibilidade, na forma dos artigos 77 e 79, II e III, do Código Tributário Nacional e art. 145, II, da Constituição Federal.

A propósito, apenas para ilustrar, confiram-se os seguintes precedentes:

"Taxa de limpeza pública – Município de Belo Horizonte – Ausência de especificidade e divisibilidade. Assentando a Corte de origem que a taxa não se mostrou específica nem divisível, considerado o contribuinte e o imóvel do qual é proprietário, conclui-se pela ausência de enquadramento do extraordinário no permissivo da alínea ‘a’ do inciso III do artigo 102 do Diploma Maior, no que afastado o tributo.” (AI 660.829-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16-12-08, 1ª Turma, DJE de 20-3-09, g.n.)

ilegítima a cobrança da Taxa de Coleta de Lixo e Limpeza Pública-TCLLP, porquanto não está vinculada apenas à coleta de lixo domiciliar, mas também a serviço de caráter universal e indivisível, como a limpeza de logradouros públicos." (RE 367.004-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 31-5-07, DJ de 22-6-07, g.n.)

Não se pode cogitar que o serviço público de coleta, transporte e destinação de lixo é prestado efetivamente para os imóveis não edificados. Por não produzirem resíduos, também não há possibilidade de utilização do referido serviço, diversamente da contraprestação que se estabelece para manutenção do sistema de prestação de serviços de natureza essencial (água e esgoto).

O tributo não pode ser exigido em função de fato que não espelha corretamente a prestação do serviço ou potencialidade de sua utilização.

Em razão deste mesmo entendimento, não se mostra aceitável a fixação de um valor mínimo para o tributo.

Tratando-se de taxa de coleta de lixo, o contribuinte deve pagar o tributo de acordo com a quantidade de lixo produzida, seja ela aferida com exatidão ou estimável conforme critério eleito pela lei. Jamais pode ser atribuído um valor mínimo para pagamento, pois a base de cálculo deve ser aferida em função do custo do serviço prestado individualmente.

Se a lei fixou critério para a aferição do tributo compatível com o uso e o valor do serviço, não se pode aceitar a previsão de um valor mínimo para a taxa.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e do seu acolhimento parcial, declarando-se a inconstitucionalidade do inciso I e do § 2º do art. 5º da Lei nº 4.966 de 15 de dezembro de 2.010 do Município de São Caetano do Sul por violação do art. 145, II da Constituição Federal.

 

São Paulo, 21 de novembro de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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