Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0234068-12.2011.8.26.0000

Suscitante: 4ª Câmara de Direito Criminal

Objeto: inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 8º do Decreto n. 7.046, de 22 de dezembro de 2009.

 

 

Ementa:Constitucional.Penal. Incidente de Inconstitucionalidade. Concessão de indulto presidencial aos condenados por crime hediondo ou a ele equiparado (par. único do art. 8º, Decreto n. 7.046/09). Procedência do incidente. 1.Da competência do Chefe do Poder Executivo para concessão de indulto (art. 84, XII, CF), são subtraídos os crimes referidos no art. 5º, XLIII,CF. 2. A condenação por tráfico ilícito de entorpecentes não pode ser alcançada pelo indulto, premissa que abrange o tipo legal incriminador inclusive quando prevista causa especial de redução da pena. 3. Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 8º do Decreto n. 7.046/09.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de incidente de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 8º do Decreto n. 7.046, de 22 de dezembro de 2009, que concede indulto aos condenados por crime hediondo ou a ele equiparado, por ofensa ao art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, suscitado pela colenda 4ª Câmara de Direito Criminal no julgamento de agravo em execução penal em venerando acórdão assim ementado:

“AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL – INDULTO – Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 8º do Decreto Presidencial nº 7.046/2009, que concede indulto aos condenados por crimes hediondos e a ele equiparados, em afronta ao inciso XLIII do art. 5º da Constituição da República, reconhecida. – Questão prejudicial ao mérito do pedido que deve ser submetida a julgamento pelo Órgão Especial desta Corte, conforme cláusula de reserva de plenário inserta no art. 97 da Constituição Federal, arts. 481 e ss. do Código de Processo civil e Súmula Vinculante n. 10. – Incidente de inconstitucionalidade instaurado, com remessa ao Órgão Especial para apreciação. – Julgamento do mérito do recurso suspenso” (fls. 49/59).

2.                É o relatório.

3.                O Decreto n. 7.046/09, assim dispõe, no que interessa:

“Art. 1º.  É concedido indulto às pessoas:

I - condenadas à pena privativa de liberdade não superior a oito anos, não substituída por restritivas de direitos ou multa e não beneficiadas com a suspensão condicional da pena, que, até 25 de dezembro de 2009, tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes;

II - condenadas à pena privativa de liberdade superior a oito anos que, até 25 de dezembro de 2009, tenham completado sessenta anos de idade e cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes;

III - condenadas à pena privativa de liberdade que, até 25 de dezembro de 2009, tenham cumprido, em regime fechado ou semiaberto, ininterruptamente, quinze anos da pena, se não reincidentes, ou vinte anos, se reincidentes;

IV - condenadas à pena privativa de liberdade superior a oito anos que, até 25 de dezembro de 2009, tenham cumprido, em regime fechado ou semiaberto, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes, e tenham filho ou filha menor de dezoito anos ou com deficiência mental, física, visual ou auditiva, cujos cuidados delas necessite;

V - condenadas à pena privativa de liberdade superior a seis anos e não superior a doze anos, desde que já tenha cumprido dois quintos da pena, se não reincidentes, ou três quintos, se reincidentes, encontrem-se cumprindo pena no regime semiaberto ou aberto e já tenham usufruído, até 25 de dezembro de 2009, no mínimo, de cinco saídas temporárias previstas no art. 122, combinado com o art. 124, caput, da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984;

VI - condenadas à pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou juízo em que se encontre, aplicada cumulativamente com pena privativa de liberdade cumprida até 25 de dezembro de 2009;

VII - condenadas:

a) paraplégicas, tetraplégicas ou portadoras de cegueira total, desde que tais condições não sejam anteriores à prática do delito e se comprovem por laudo médico oficial ou, na falta deste, por médico designado pelo juízo da execução;

b) paraplégicas, tetraplégicas ou portadoras de cegueira total, ainda que tais condições sejam anteriores à pratica do delito e se comprovem por laudo médico oficial ou, na falta deste, por médico designado pelo juízo da execução, caso resultem na incapacidade severa prevista na alínea ‘c’ deste inciso;

c) acometidas, cumulativamente, de doença grave, permanente, apresentando incapacidade severa, com grave limitação de atividade e restrição de participação, exigindo cuidados contínuos, desde que comprovada por laudo médico oficial ou, na falta deste, por médico designado pelo juízo da execução, constando o histórico da doença, caso não haja oposição do beneficiário, mantido o direito de assistência nos termos do art. 196 da Constituição;

VIII - submetidas à medida de segurança, independentemente da cessação da periculosidade que, até 25 de dezembro de 2009, tenham suportado privação da liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada, ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei nº 7.210, de 1984, por período igual ao tempo da condenação, mantido o direito de assistência nos termos do art. 196 da Constituição;

IX - condenadas à pena privativa de liberdade, desde que substituída por pena não privativa de liberdade, na forma do art. 44 do Código Penal, que tenham cumprido, ainda que por conversão, privados de liberdade, até 25 de dezembro de 2009, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes;

X - condenadas à pena privativa de liberdade, que estejam cumprindo pena em regime aberto, cujas penas remanescentes, em 25 de dezembro de 2009, não sejam superiores a seis anos, se não reincidentes, e a quatro anos se reincidentes, desde que tenham cumprido um terço se não reincidentes e metade, se reincidentes.

Parágrafo único.   O indulto de que cuida este Decreto não se estende às penas acessórias previstas no Código Penal Militar - Decreto-Lei nº1.001, de 21 de outubro de 1969, e aos efeitos da condenação.

(...)

Art. 8º.  Os benefícios previstos neste Decreto não alcançam as pessoas condenadas:

I - por crime de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de drogas, nos termos dos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 da Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006;

II - por crime hediondo, praticado após a edição das Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990, 8.930, de 6 de setembro de 1994, 9.695, de 20 de agosto de 1998, 11.464, de 28 de março de 2007, e 12.015, de 7 agosto de 2009, observadas, ainda, as alterações posteriores;

III - por crimes definidos no Código Penal Militar - Decreto-Lei nº 1.001, de 1969, que correspondam aos delitos previstos nos incisos I e II, exceto quando configurada situação do uso de drogas disposto no art. 290 do referido Código Penal Militar.

Parágrafo único.  As restrições deste artigo e do inciso I do art. 1º não se aplicam às hipóteses previstas nos incisos VI, VII e VIII do citado art. 1º”.

4.                Da competência do Chefe do Poder Executivo para concessão de indulto (art. 84, XII, Constituição Federal), são subtraídos os crimes referidos no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, verbis:

“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

5.                Ou seja, a condenação por tráfico ilícito de entorpecentes não pode ser alcançada pelo indulto, premissa que abrange o tipo legal incriminador inclusive quando prevista causa especial de redução da pena.

6.               Neste sentido, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. INDULTO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DECRETO PRESIDENCIAL 3.226/99. I. - Impossibilidade de comutação da pena, dado que o paciente foi condenado pela prática de crime hediondo, sendo irrelevante que a vedação tenha sido omitida no Decreto presidencial 3226/99. Precedentes. II. - H.C. indeferido” (RTJ 195/234).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO FEDERAL. INDULTO. LIMITES. CONDENADOS PELOS CRIMES PREVISTOS NO INCISO XLIII DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME. REFERENDO DE MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. 1. A concessão de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade insere-se no exercício do poder discricionário do Presidente da República, limitado à vedação prevista no inciso XLIII do artigo 5º da Carta da República. A outorga do benefício, precedido das cautelas devidas, não pode ser obstado por hipotética alegação de ameaça à segurança social, que tem como parâmetro simplesmente o montante da pena aplicada. 2. Revela-se inconstitucional a possibilidade de que o indulto seja concedido aos condenados por crimes hediondos, de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independentemente do lapso temporal da condenação. Interpretação conforme a Constituição dada ao § 2º do artigo 7º do Decreto 4495/02 para fixar os limites de sua aplicação, assegurando-se legitimidade à indulgencia principis. Referendada a cautelar deferida pelo Ministro Vice-Presidente no período de férias forenses” (STF, ADI-MC 2.795-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 08-05-2003, v.u., DJ 20-06-2003, p. 56).

“HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA (L. 6.368/76, ART. 18, III). INDULTO. IMPOSSIBILIDADE. A Constituição Federal determinou que a Lei Ordinária considerasse o crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins como insuscetível de graça ou anistia (art. 5º, XLIII). A L. 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos, atendeu ao comando constitucional. Considerou o tráfico ilícito de entorpecentes como insuscetível dos benefícios da anistia, graça e indulto (art. 2º, I). E, ainda, não possibilitou a concessão de fiança ou liberdade provisória (art. 2º, II). A jurisprudência do Tribunal reconhece a constitucionalidade desse artigo. Por seu turno, o Decreto Presidencial, que concede o indulto, veda a concessão do benefício aos condenados por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (D. 3.226/86, art. 7º, I). Falta respaldo legal à pretensão do paciente. HABEAS indeferido” (STF, HC 80.886-RJ, 2ª Turma, 22-05-2001, v.u., DJ 14-06-2002, p. 157).

7.                Opino pela declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 8º do Decreto n. 7.046, de 22 de dezembro de 2009.

 

         São Paulo, 29 de setembro de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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