Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 0237815-33.2012.8.26.0000

Suscitante: 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade da Lei nº 1.343, de 13 de dezembro de 2006, do Município de Caraguatatuba, que “proíbe o uso e a comercialização do produto composto de espuma expansível em aerossol (spray) e dá outras providências”. Regras de proteção à saúde pública e ao consumidor, cujo fundamento de validade pode ser extraído do art. 24, incs. VIII e XI, da Constituição Federal. Competência concorrente não cumulativa dos entes políticos para a edição de leis sobre o tema. Precedente. Parecer pela constitucionalidade da norma questionada.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de Apelação nº 0006524-48.2008.8.26.0126- Caraguatatuba, em que figuram como partes Imã Aerossóis Ltda. EPP (apelada) e a Prefeitura Municipal de Caraguatatuba (apelante).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 1.343, de 13 de dezembro de 2006, do Município de Caraguatatuba.

Concluiu o V. Acórdão que a legislação municipal não pode contrariar a Resolução ANVISA nº 77, de 14 de novembro de 2007, que estaria a permitir a comercialização do spray proibido pela impugnada norma.

Este é resumo do que consta dos autos.

Este é o texto da Lei nº 1.343, de 13 de dezembro de 2006, do Município de Caraguatatuba:

“Artigo 1º - Fica proibido no município de Caraguatatuba o uso e a comercialização do produto composto de espuma expansível em aerossol (spray), comumente utilizado em festas, também conhecido como “espuma de carnaval”.

Parágrafo único. A proibição de que trata o “caput” deste artigo se estende, também aos produtos congêneres e afins daquele já mencionado nesta Lei.

Artigo 2º - O Poder Executivo Municipal, no exercício de seu Poder de Polícia e afim de fazer cumprir a presente Lei, deverá proceder à apreensão dos produtos e sua devida destruição.

Artigo 3º - Aos comerciantes que incorrerem na proibição tratada nesta Lei, além do disposto no artigo antecedente, serão aplicadas as seguintes sanções:

I- multa equivalente a 585 (quinhentos e oitenta e cinco) Valores de Referência do Município (VRM), cujo valor deverá ser cobrado em dobro no caso da primeira reincidência;

II- suspensão definitiva do alvará que permite a localização e funcionamento do comércio, no caso da segunda reincidência.

 Artigo 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

Atente-se para o fato de que a apelada explora a industrialização e comercialização do produto conhecido como “espuma de carnaval”, e que a Lei nº 1.343, de 13 de dezembro de 2006, do Município de Caraguatatuba, veio proibir sua comercialização.

No entanto, pode-se observar que a norma em questão visa à proteção da saúde pública e do consumidor, cuja competência legislativa não é exclusiva da União, mas concorrente, conforme se depreende do disposto no art. 24, incs. VIII e XII, da Constituição Federal.

Aliás, a preocupação com a saúde é evidente, pois a matéria foi alvo de regulamentação pela Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA nº 77/2007 (fls. 48).

A Lei Municipal nº 1.343/2006 de Caraguatatuba veio tão somente regulamentar supletivamente o vácuo deixado pela União e pelo Estado, tratando de matéria de competência concorrente, e não exclusiva da União.

Neste pormenor, comentando as competências exclusiva, privativa, comum, concorrente e suplementar da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, leciona JOAQUIM CASTRO AGUIAR: “Existem matérias sobre as quais tanto a União, quanto os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem legislar, sendo os poderes  compartilhados entre as unidades federativas. Podemos ditar, como exemplos, a proteção e defesa da saúde, a proteção do meio ambiente e controle da poluição. Nesses casos, diz-se que a legislação é concorrente, no sentido de que cada ente federativo possui um quinhão do poder legislativo, nessa partilha de competências. A matéria não é exclusiva e nem privativa de ninguém, podendo, pois, ser objeto de legislação federal, estadual, distrital ou municipal”.

         Ao discorrer sobre o assunto, o doutrinador JOSÉ NILO DE CASTRO (in: Perspectivas do Direito Municipal. Ciência Jurídica, set-out. 1993, vol.53, pág.131), ensina: “inegavelmente, cabe ao Município, como poder público, dispor sobre regras de direito, legislando em comum com a União e o Estado, com fundamento no art. 23,VI, CR. Portanto, quando um Município, através de lei – mesmo que se lhe reconheça conteúdo administrativo, em se  tratando de  competência comum -, disciplinar esta matéria, fa-lo-á no exercício da competência comum, peculiarizando-lhe a ordenação pela compatibilidade local, e consideração a esta ou àquela vocação sua”.

Ante as circunstâncias jurídicas e regras de competência traçadas na Constituição de 1988, a existência de leis ordinárias reafirmando a autonomia política dos municípios na República Federativa do Brasil, tudo ainda sob o enfoque da doutrina e jurisprudência, não há como afastar a possibilidade de o legislador de Caraguatatuba optar, através de norma formal e com natureza de lei, pela defesa da saúde e dos direitos consumeristas de sua população.

Quanto à inexistência de competência privativa da União para Legislar sobre o assunto, veja-se o seguinte V. Aresto, aplicável à espécie em estudo, mutatis mutandis:

“Possibilidade de legislação estadual assegurar ao consumidor o direito às informações sobre natureza, procedência e qualidade dos produtos combustíveis comercializados: STF – ‘Por falta de plausibilidade jurídica da alegação de ofensa à competência privativa da União para legislar sobre comércio de combustíveis (CF, art. 22, I, IV, XII), o Tribunal, por unanimidade, indeferiu pedido de liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio – CNC, contra a Lei 12.420/99, do Estado do Paraná, que assegura ao consumidor o direito de obter informações sobre a natureza, procedência e qualidade dos produtos combustíveis comercializados nos postos revendedores situados no mencionado Estado’ (STF – Pleno – AdinMC nº 1.980/PR – Rel. Min. Sydney Sanches, decisão: 4.8.1999. Informativo STF, nº 156)”  “apud” Constituição do Brasil Interpretada, Alexandre de Moraes, Ed. Atlas, 2002, pág. 66

Desta forma, o que se tem é que o Município legislou sobre assunto de interesse local, escudado no que dispõe o art. 30, incs. I e II, da Constituição Federal.

A par deste entendimento, pede-se vênia para colacionar:

Saúde Pública e competência suplementar do Município: TJSP – ‘Saúde Pública – Tabagismo – Lei Municipal que restringe o uso de produtos fumígeros em recinto coletivo – Admissibilidade, em virtude da competência suplementar assegurada pela Constituição Federal – Inteligência dos artigos 24, XII, 30, II, da CF; 219 e parágrafo único da Constituição do Estado de São Paulo e 213 da Lei Orgânica do Município de São Paulo – A legislação municipal que restringe o uso coletivo está fundamentada na competência que a Constituição Federal lhe atribui para suplementar a legislação federal e estadual no setor de proteção e defesa da saúde: artigo 24, XII e 30, II, da CF; artigo 219 e parágrafo único da Constituição Estadual; Lei Orgânica do Município de São Paulo, artigo 213. Os preceitos legais do Município de São Paulo sobre as restrições ao uso de produtos fumígeros passaram a integrar todas as determinações da recente legislação federal específica, Lei nº 9.294/96 e Decreto nº 2.018/96, este ressalvando expressamente a validade das sanções previstas na legislação local” (TJSP – 3ª Câmara de Direito Privado; Apelação Cível nº 276.582-2/1 – São Paulo; Rel. Des. Ribeiro Machado; j. 15-4-1997; v. u.; ementa).  ob.  e aut. cits. pág. 744

Portanto, para o assunto em pauta, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita à formulação de normas gerais.

Entende-se, assim, que, no exercício da competência suplementar conferida pelo art. 30, inc. II, da Carta Política, o legislador municipal editou legitimamente o ato normativo questionado, tratando da proteção da saúde pública e da defesa dos direitos do consumidor, o que fez sem desbordar as regras editadas pela União.

Pelo exposto, opina-se pela constitucionalidade da Lei nº 1.343, de 13 de dezembro de 2006, do Município de Caraguatatuba.

São Paulo, 27 de novembro de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

vlcb