PARECER EM INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

 

 

Autos nº. 0239898-22.2012.8.26.0000

Suscitante: 9ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Objeto: Art. 4º, da Lei n. 2.478, de 22 de agosto de 2003, do Município de Mairinque

 

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade do art. 4º, da Lei n. 2.478, de 22 de agosto de 2003, do Município de Mairinque, que dispõe sobre a instalação de farmácias, drogarias e congêneres. Proibição de funcionamento fora do horário estabelecido.

2)      Direito à saúde. Previsão do art. 179 da Constituição Federal.

3)      Critério desarrazoado: a livre iniciativa e a livre concorrência, que integram o rol de princípios constitucionais inerentes à nossa ordem econômica, têm por escopo tanto tutelar o próprio equilíbrio do mercado, como ainda a posição do consumidor na dinâmica das relações de consumo.

4)      Ofensa a diversos dispositivos constitucionais. Ofensa flagrante ao disposto no art. 144 da Constituição Estadual.

5)      Parecer pela declaração da inconstitucionalidade da norma questionada.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

 

L.M. Caramenti & Cia Ltda., pessoa jurídica sediada no município de Mairinque, impetrou mandado de segurança contra ato do Senhor Prefeito Municipal, pleiteando que lhe seja concedido “ALVARÁ DE FUNCIOAMENTO EM HORÁRIO ESPECIAL, DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRAS DAS 19:00 ÀS 22:00 HORAS; AOS SÁBADOS DAS 13:00 ÀS 22:00 HORAS E AOS DOMINGOS E FERIADOS DAS 08:00 ÀS 22:00 HORAS, SEM PREJUÍZO DOS HORÁRIOS NORMAIS DE FUNCIONAMENTO”.

Pela r. Sentença de fls. 105/108, a pretensão foi desacolhida, de cuja decisão adveio apelação (fls. 112/126).

O recurso foi regularmente processado. Foram juntadas as contrarrazões às fls. 153/155, após distribuição à Colenda 9ª. Câmara de Direito Público.

O v. Acórdão de fls. 162/168 determinou a suspensão do julgamento da apelação, para que, em atenção à cláusula da reserva de Plenário (Súmula vinculante nº 10), o E. Órgão Especial se pronuncie sobre a constitucionalidade do Art. 4º, da Lei n. 2.478, de 22 de agosto de 2003, do Município de Mairinque.

Este é resumo do que consta dos autos.

Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, o parecer é no sentido da inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado.

O diploma normativo mostra-se inconstitucional por mais de uma razão, pois o legislador municipal, a pretexto de legislar sobre assunto de interesse local (art. 30, I, da CR), não bem observou a proteção ao direito à saúde do cidadão, tutelado no art. 196 da Constituição Federal, assim como desconsiderou princípios que regem a atividade econômica, especificamente a livre iniciativa e a livre concorrência (art. 170, caput, IV, CR).

A jurisprudência é pródiga quando se trata do direito à saúde e do dever do Estado em provê-lo adequada e convenientemente “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Aliás, como já decantado no eminente parecer às fls. 136:

         “1. Nos termos do art. 196 e 197, ambos da Constituição Federal, a Saúde, serviço de relevância pública, é um direito de todos e dever do Estado.

         Exatamente para garantir a saúde à população é que existe o regime de plantões, obrigando um mínimo de atendimento público, mas não para proibir o livre funcionamento de drogarias e farmácias.

         2. O Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que ‘Os estabelecimentos farmacêuticos exercem atividades nitidamente de utilidade pública e que, por isso, não podem sofrer limitações quanto ao horário de funcionamento, porque é um serviço posto à disposição da coletividade’ ¹

         No mesmo sentido, os precedentes da Colenda Terceira Câmara Civil e da Colenda Sexta Câmara Civil “C” de Férias, ambas do Egrégio Tribunal de Justiça Paulista, deve sempre preponderar, verbis:

         ‘É o que na realidade ocorre, com todos os botequins abertos e as farmácias que interessam à saúde pública sofrendo restrições aos seus exercícios’ ²

Além do mais, ao proibir o funcionamento de farmácias e drogarias em horários especiais, empresas que também exploram atividades econômicas, o legislador municipal, a pretexto de criar direito local, invadiu a competência do legislador federal, tratando de Direito Civil.

Também é inegável que a estes mesmos estabelecimentos aplicam-se os princípios constitucionais que os regem, entre os quais a livre iniciativa e a livre concorrência.

Dito de outro modo, ao limitar a legítima exploração de aspectos inerentes ao exercício da atividade econômica, deixou o legislador municipal de observar referidos princípios constitucionais.

Portanto, há flagrante contrariedade à livre iniciativa, à autonomia da vontade, à livre concorrência, à proporcionalidade e à razoabilidade.

Nesse contexto, há violação do disposto no art. 144 da Constituição Paulista, que tem a seguinte redação:

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Em tais circunstancias, o parecer é no sentido do acolhimento da tese da inconstitucionalidade.

São Paulo, 12 de novembro de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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