Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0240631-85.2012.8.26.0000

Suscitante: 4ª. Câmara de Direito Público

Objeto: Lei nº 2.625, de 26 de maio de 2008, do Município de Pitangueiras

 

 

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade da Lei nº 2.625/08, do Município de Pitangueiras, que “Autoriza o Poder Executivo Municipal a proceder reposição salarial para os servidores públicos municipais que especifica e dá outras providências”. Solução legal que não se acomoda na previsão orçamentária. Violação ao art. 169, § 1º da Constituição Federal e art. 169, n. 1, da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade do referido diploma legal.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 4ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível nº 0004085-98.2009.8.26.0459, em que figuram como partes o Sindicato Regional dos Servidores Públicos Municipais (apelante) e o Município de Pitangueiras e outro (apelados).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), porque se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 2.625/08, do Município de Pitangueiras, que “Autoriza o Poder Executivo Municipal a proceder reposição salarial para os servidores públicos municipais que especifica e dá outras providências”.

Não há notícia de pronunciamento do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

A Lei impugnada tem a seguinte redação, no que interessa:

Artigo 1º - Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a proceder com reposição salarial, com a aplicação do índice de 2,0759% (dois inteiros e setecentos e cinquenta e nove milésimos de pontos percentuais) à tabela de referência salarial dos servidores públicos municipais:

I – estatutários;

II – celetistas;

III – celetistas estáveis;

Parágrafo primeiro – A reposição de que trata esta lei, será estendida aos servidores públicos inativos, bem como aos pensionistas, não alcançando, entretanto, os ocupantes de cargo eletivo, os agentes políticos e ocupantes de cargo em comissão.

Parágrafo segundo – A reposição de que trata esta lei, será devida aos servidores especificados nos parágrafo e nos incisos anteriores a partir de 1º de maio de 2008.

Parágrafo terceiro – A presente reposição salarial se refere aos índices inflacionários medidos pelo IPCA (IBGE), acumulados no período entre os meses de janeiro, fevereiro, março e abril do presente exercício, em atendimento ao disposto no artigo 73, VIII da Lei Federal nº 9. 504/97 (Lei Eleitoral) e artigo 42, VIII da Resolução nº 22.718 de 8 de fevereiro de 2008 do Tribunal Superior Eleitoral.”

A previsão da Lei nº 2.625/08, do Município de Pitangueiras é, de fato, inconstitucional, porque concede revisão salarial, que importa de qualquer sorte em acréscimo nominal de remuneração.

Sabe-se que o Município é dotado de autonomia e da capacidade de organizar seus próprios serviços, inclusive para estabelecer vencimentos e vantagens dos servidores.

Essa autonomia, entretanto, não é absoluta. O ente municipal se sujeita nesse campo à observância das normas constitucionais atinentes ao funcionalismo público.

Veja-se o que dispõe o art. 169, § 1º, inc. I da Constituição da República:

“Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”

A solução legal em tela configura, pois, imperdoável desrespeito à previsão orçamentária. É que, de acordo com o § 1º do art. 169, da Constituição Federal, o aumento de remuneração do funcionalismo só poderá ocorrer se houver (i) prévia dotação orçamentária suficiente para atender às despesas decorrentes e (ii) autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas, quanto a esta exigência, as empresas públicas e sociedades de economia mista (cf. Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 27ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2010, p. 272).

A Constituição Estadual também incorporou idêntica solução com vistas a evitar futuros transtornos ao orçamento dos Estados e dos Municípios, ao dispor:

“Artigo 169 - A despesa de pessoal ativo e inativo ficará sujeita aos limites estabelecidos na lei complementar a que se refere o artigo 169 da Constituição Federal.

Parágrafo único - A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos ou a alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, só poderão ser feitas:

1 - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;

2 - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.”

A respeito do tema em análise, pede-se vênia para colacionar o seguinte v. aresto, aplicável ao caso, mutatis mutandis:

“Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º., II, "a" e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o pagamento do beneficio instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73). g.n.

Pelo exposto, opino pela declaração da inconstitucionalidade Lei nº 2.625, de 26 de maio de 2008, do Município de Pitangueiras.

São Paulo, 13 de novembro de 2012.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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