Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0249862-73.2011.8.26.0000

Suscitante: 18ª Câmara de Direito Privado

Objeto: art. 5º da MP 2.170-36/2001

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. MP 2.170/01 (art. 5º). Permissão de capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. A permissão da capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano é assunto que, no contexto da política de crédito e de regulação e fiscalização do setor financeiro, tem relevância e urgência, pois, demanda providências imediatas e que, por essa razão, não é lícito que fiquem à mercê da rigidez ritualística do processo legislativo.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 18ª Câmara de Direito Privado, nos autos de Apelação Cível nº 0007291-98.2003.8.26.00114, em que figuram como partes BCP CAMPINAS COMÉRCIO DE ALIMENTOS (apelante) e BANCO BRADESCO S/A (apelado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), cogitando-se do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 5º da MP 2.170-36/2001.

Este é resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente

Embora não se tenha notícia de pronunciamento anterior do Plenário do Supremo Tribunal Federal[1] sobre a questão suscitada, o tema foi objeto das arguições de inconstitucionalidade nº 0128514-88.2011.8.26.0000 e 0137106-24.2011.8.26.0000, igualmente suscitadas pela C. 18ª Câmara de Direito Público.

Há notícia de que a primeira delas foi apreciada pelo C. Órgão Especial, que a rejeitou, nos seguintes termos:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1963-17/2000, REEDITADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170/2001, CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EM CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO, CELEBRADO A PARTIR DE 31 DE MARÇO DE 2000. POSSIBILIDADE. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO, NÃO SE APLICA O ARTIGO 591 DO CÓDIGO CIVIL, PREVALECE A REGRA ESPECIAL DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170/2001. PRECEDENTES DO STJ. ARGUIÇÃO DESACOLHIDA, COMPATIBILIDADE DA LEI COM O ORDENAMENTO FUNDANTE (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0128514-88.2011- São Paulo, rel. Des. RENATO NALINI, J. 24 Ago. 2011).

Esse fato constitui-se em óbice ao conhecimento do presente incidente, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC.

Mérito

A colenda 18ª Câmara de Direito Privado suscita a inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36/01 em razão da ausência dos requisitos de relevância e urgência (fls. 611/625).

Assim dispõe a norma impugnada:

“Art. 5º.  Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Parágrafo único.  Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais”.

A questão relativa à discrepância com o art. 7º, II, da Lei Complementar n. 95/98, não anima este incidente de inconstitucionalidade porque se sedimenta sobre conflito de legalidade.

Idêntica observação é devida a eventual ineficácia do disposto na medida provisória em face do art. 591 do Código Civil, reputado pela douta turma suscitante como lei de maior hierarquia.

O controle judiciário de constitucionalidade de medida provisória é autorizado excepcionalmente quando se revela o abuso ou desvio do poder de legislar ou a manifesta ausência dos requisitos constitucionais de urgência ou relevância.

O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. POSSIBILIDADE.

1. A capitalização dos juros em periodicidade mensal é admitida para os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000 (MP nº 1.963-17/2000), desde que pactuada.

2. Não é aplicável aos contratos de mútuo bancário a periodicidade da capitalização prevista no art. 591 do novo Código Civil, prevalecente a regra especial do art. 5º, caput, da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001), que admite a incidência mensal.

3. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, AgR-REsp 1.005.183-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, 10-11-2009, v.u., DJe 23-11-2009).

A permissão da capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano é assunto que, no contexto da política de crédito e de regulação e fiscalização do setor financeiro, tem relevância e urgência, pois, demanda providências imediatas e que, por essa razão, não é lícito que fiquem à mercê da rigidez ritualística do processo legislativo.

Pelo exposto, opino pelo não conhecimento e, no mérito, pela rejeição do presente incidente de inconstitucionalidade.

 

São Paulo, 3 de outubro de 2011.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

jesp



[1] Registre-se que o STF deverá se pronunciar sobre o tema constitucional em análise, pois este é objeto da ADI 2316, ajuizada em 20.09.2000, pelo Partido da República. A inconstitucionalidade, segundo a agremiação política, decorre dos seguintes fundamentos: (1) Violação do caput do artigo 62 da Constituição Federal, haja vista que a questão já se encontrava sumulada pelo Supremo Tribunal Federal há quase 40 anos, ou seja, não havia o requisito da urgência para permitir a regulamentação do tema por medida provisória; (2) Violação do atual artigo 62, § 1º, inciso II c/c 192, ambos da Constituição Federal, uma vez que as normas gerais relativas ao Sistema Financeiro Nacional só podem ser tratadas por Lei Complementar e, portanto, seria incabível a medida provisória; e (3) Violação dos artigos 5º e 7º da Lei Complementar 95/98, pois a MP tratava de matéria completamente estranha ao Sistema Financeiro Nacional, dado que regulamentava a administração de créditos do Tesouro Nacional (cf. Leonardo Araújo Marques, Contratos bancários: polêmicas e ilegalidades. In: Revista da EMERJ, v. 14, n. 53, 2011, p. 152-178).