Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0250285-96.2012.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Apelante: Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo

Apelada: Mac Penn Ltda

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Art. 80, § 2º, da Lei nº 1.802/69, do Município de São Bernardo do Campo. Alegação de inconstitucionalidade por afronta ao art. 150, IV, da Constituição Federal.

2)      Previsão de multa pela falta de recolhimento do imposto sobre serviços de qualquer natureza em 50% do valor atualizado do imposto não recolhido. Multa moratória de natureza confiscatória.

3)      Parecer pelo conhecimento e acolhimento parcial do incidente.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 8ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível (Reexame Necessário) nº 0168438-82.2006.8.26.0000 (994.06.168483-0) da Comarca de São Bernardo do Campo, na sessão realizada em 24 de agosto de 2011, figurando como Relator a Des. Cristina Cotrofe.

A Col. Câmara argui a inconstitucionalidade do art. Art. 80, § 2º, da Lei nº 1.802/69 do Município de São Bernardo do Campo, que prevê incidência de multa de 50% do valor atualizado do imposto sobre serviços de qualquer natureza não recolhido ou de seu recolhimento a menor.

Em conformidade com o v. acórdão (fls. 325/331), a inconstitucionalidade do referido dispositivo decorreria de sua contrariedade ao art. 150, IV, da Constituição Federal, pois, nos termos do voto da relatora:

“(...)

Por outro lado, a multa moratória estipulada pela Lei Municipal nº 1.802/69 mostra-se exacerbada a ponto de configurar confisco.

É certo que a multa moratória tem previsão legal e é plenamente cabível. Contudo, ela deve ser aplicada dentro do princípio da razoabilidade.

Nesse aspecto convém lembrar a lição de Hugo de Brito Machado:

‘A vedação do confisco é atinente ao tributo. Não à penalidade pecuniária, vale dizer à multa (...) No plano estritamente jurídico, ou plano da Ciência do Direito, em sentido estrito, a multa distingue-se do tributo porque em sua hipótese de incidência a ilicitude é essencial, enquanto a hipótese de incidência do tributo é sempre algo lícito. Em outras palavras, a multa é necessariamente uma sanção de um ato ilícito, e o tributo, pelo contrário, não constitui sanção de ato ilícito.

A multa é devida em razão da infração, desde que não sendo abusiva e nem excessiva. No caso sub judice, as CDAs nºs 47.164/01 e 47.165/01 referem-se à multa de 50% imposta e portanto confiscatória.

Conclui-se, assim, que o artigo 80, § 2º, inciso II, da Lei Municipal de São Bernardo do Campo nº 1.802/69 não se adequa aos parâmetros constitucionais.

(...)”

É o relato do essencial.

O incidente deve ser conhecido e merece acolhimento parcial.

O art. 80, § 2º, inciso II, da Lei nº 1.802/69, de São Bernardo do Campo, tem a seguinte redação:

“Artigo 80 - As infrações às disposições da presente lei, serão punidas com as seguintes penalidades, sem prejuízo daquelas previstas no artigo anterior quando couber, ou das previstas nos capítulos próprios.

(...)

§ 2º - Multa por infrações às disposições relativas ao exercício de atividades ou prestação de serviços:

(...)

II - falta de recolhimento do imposto sobre serviços de qualquer natureza ou do imposto sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, ou recolhimento a menor: 50% (cinquenta por cento) do valor atualizado do imposto não recolhido, com o mínimo de 10 (dez) fatores monetários padrão, sem prejuízo das penalidades pela mora, previstas no artigo 63; (Redação dada pela Lei nº 4313/1994).”

O art. 150, inciso IV, da Constituição Federal veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a utilização do tributo com efeito confiscatório.

A multa instituída pelo art. 80, § 2º, inciso II, da Lei nº 1.802/69, de São Bernardo do Campo, tem natureza moratória e fiscal.

Conforme orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio da vedação ao efeito de confisco aplica-se às multas. Senão vejamos:

“A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. O poder público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do quantum pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais." (ADI 1.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-6-1998, Plenário, DJ de 24-11-2006.) No mesmo sentido: AI 482.281-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 30-6-2009, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009. Vide: RE 523.471-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 6-4-2010, Segunda Turma, DJE de 23-4-2010.

A previsão de multa no percentual de 50% do valor atualizado do imposto sobre serviços não recolhido ou recolhido a menor mostra-se desarrazoada e abusiva, assumindo, assim, caráter confiscatório.

A aplicação da multa moratória tem o objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória cumpra sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos. (RE 582.461, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18-5-2011, Plenário, DJE de 18-8-2011).

O STF já considerou multas de 20% a 30% do valor do débito como adequadas à luz do princípio da vedação do confisco. (RE 523.471-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 6-4-2010, Segunda Turma, DJE de 23-4-2010.) No mesmo sentido: ARE 637.717-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 13-3-2012, Primeira Turma, DJE de 30-3-2012; AI 851.465, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão monocrática, julgamento em 9-3-2012, DJE de 19-3-2012; RE 582.461, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18-5-2011, Plenário, DJE de 18-8-2011, com repercussão geral; AI 755.741-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 29-9-2009, Segunda Turma, DJE de 29-10-2009; RE 239.964, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 15-4-2003, Primeira Turma, DJ de 9-5-2003.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade e de seu acolhimento, declarando-se a inconstitucionalidade do percentual de multa previsto no inciso II do § 2º do art. 80 da Lei nº 1.802/69, de São Bernardo do Campo, por violação do art. 150, IV, da Constituição Federal.

 

São Paulo, 29 de novembro de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

 

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