Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Incidente de Inconstitucionalidade nº 0270760-10.2011.8.26.0000

Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público

Apelante: Municipalidade de Itu

Apelado: IPS Empreendimentos S/A (Shopping Itu)

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 576, de 2004, de Itu, que veda a cobrança de estacionamento em Shopping Center.

2)      Inconstitucionalidade reconhecida. Incompetência do Município para legislar sobre direito civil (art. 22, I, CF). Desrespeito ao direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF). Desrespeito aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência (art. 170, caput, IV, CF).

3)      Parecer pelo acolhimento do incidente.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de incidente suscitado pela 9º Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível nº 0005286-28.2010.8.26.0286, Rel. Des. Antonio Rulli, em 6 de julho de 2011, para fins de exame de eventual inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 576, de 2004, de Itu, que, conforme respectiva rubrica “Dispõe sobre a proibição da cobrança de taxa de estacionamento de veículos nos pátios de supermercados, hipermercados e shopping center, e dá outras providências.”

É o relato do essencial.

A Lei Municipal nº 576, de 2004, de Itu, tem o seguinte teor:

“(...)

Art. 1º. Fica, pela presente lei, proibida a cobrança de taxa de estacionamento de veículos nos pátios de supermercados, hipermercados e shopping center, exceto quando estes disponham de locais próprios, com cobertura, e ofereçam seguro contra roubo de veículos e sistema de vigilância.

Parágrafo único. O disposto no ‘caput’ abrangerá também os serviços concessionados, locados, arrendados ou permissionados de estacionamento de veículos nos estabelecimentos de que trata a presente lei.

Art. 2º. O Executivo municipal, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da promulgação da presente lei, deverá baixar normas complementares à execução da presente lei.

(...)”

Com efeito, o diploma mostra-se inconstitucional por mais de uma razão, pois o legislador municipal, a pretexto de legislar sobre assunto de interesse local (art. 30, I, da CR), tratou do direito civil (art. 22, I, CR), desrespeitou o direito de propriedade (art. 5, XXII, CR), bem como desconsiderou princípios que regem a atividade econômica, especificamente a livre iniciativa e a livre concorrência (art. 170, caput, IV, CR).

A questão é absolutamente objetiva, e foi exaltada de modo adequado nos precisos pareceres ofertados pelo Ministério Público em primeira e segunda instância (fls. 512/520, 576/582).

Ao proibir a cobrança de “taxa” em estacionamentos, que integram a propriedade privada de empresas que exploram atividades econômicas, o legislador municipal, a pretexto de criar direito local, invadiu a competência do legislador federal, tratando de direito civil.

De outro lado, não se mostra legítimo, em perspectiva constitucional, que a lei restrinja indevidamente o exercício do direito de propriedade, impedindo que o seu titular, relativamente ao imóvel, exerça com liberdade e de forma adequada todas as faculdades que o domínio lhe assegura.

Por último e não menos importante, é inegável que os estabelecimentos comerciais aos quais a lei se refere (supermercados, hipermercados e shopping center) exercem atividade comercial e econômica, sendo certo que nessa atividade, aplicam-se os princípios constitucionais que a regem, entre os quais a livre iniciativa e a livre concorrência.

Dito de outro modo, ao limitar a legítima exploração de aspectos inerentes ao exercício da atividade econômica, deixou o legislador municipal de observar referidos princípios constitucionais.

O entendimento aqui externado vem sendo adotado pelo Col. STF.

Confira-se:

“(...)

EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO "OU PARTICULARES" CONSTANTE DO ART. 1º DA LEI Nº 2.702, DE 04/04/2001, DO DISTRITO FEDERAL, DESTE TEOR: "FICA PROIBIDA A COBRANÇA, SOB QUALQUER PRETEXTO, PELA UTILIZAÇÃO DE ESTACIONAMENTO DE VEÍCULOS EM ÁREAS PERTENCENTES A INSTITUIÇÕES DE ENSINO FUNDAMENTAL, MÉDIO E SUPERIOR, PÚBLICAS OU PARTICULARES." ALEGAÇÃO DE QUE SUA INCLUSÃO, NO TEXTO, IMPLICA VIOLAÇÃO ÀS NORMAS DOS ARTIGOS 22, I, 5º, XXII, XXIV e LIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO PRELIMINAR SUSCITADA PELA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL: a) DE DESCABIMENTO DA ADI, POR TER CARÁTER MUNICIPAL A LEI EM QUESTÃO; b) DE ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM". MEDIDA CAUTELAR (ART. 170, § 1º, DO R.I.S.T.F.). 1. Não procede a preliminar de descabimento da ADI sob a alegação de ter o ato normativo impugnado natureza de direito municipal. Argüição idêntica já foi repelida por esta Corte, na ADIMC nº 1.472-2, e na qual se impugnava o art. 1º da Lei Distrital nº 1.094, de 31 de maio de 1996. 2. Não colhe, igualmente, a alegação de ilegitimidade passiva "ad causam", pois a Câmara Distrital, como órgão, de que emanou o ato normativo impugnado, deve prestar informações no processo da A.D.I., nos termos dos artigos 6 e 10 da Lei n 9.868, de 10.11.1999. 3. Quanto ao mais, a A.D.I. tem plausibilidade jurídica, pois não pode o D.F. legislar sobre direito civil, nem por esse meio violar o direito de propriedade. 4. "Periculum in mora" também reconhecido. 5. Precedente no mesmo sentido: ADIMC n 1.472-DF. 6. Cautelar deferida. Decisão unânime (ADI 2448 MC/DF, rel. Min. SYDNEY SANCHES, j. 01/02/2002, Tribunal Pleno).

(...)”

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º E SEUS §§ 1º E 2º DA LEI Nº 4.771, DE 16.12.92, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, QUE PROÍBE A COBRANÇA AO USUÁRIO DE ESTACIONAMENTO EM ÁREA PRIVADA, NAS CONDIÇÕES EM QUE ESTIPULA. Presença da relevância da fundamentação jurídica do pedido, vista tanto na evidente inconstitucionalidade formal da lei impugnada, por invasão da competência exclusiva da União para legislar sobre direito civil (CF, artigo 22, I), como na inconstitucionalidade material, por ofensa ao direito de propriedade (CF, artigo 5º, XXII). 2. Presença, também, da conveniência da concessão da medida liminar pelos tumultos que a norma impugnada vem causando ao impedir o exercício de profissão lícita. 3. Precedentes: ADIMC nº 1.472-DF e ADIMC nº 1.623-RJ. 4. Medida cautelar concedida para suspender a eficácia, com efeito ex nunc, do art. 2º e seus parágrafos § 1º e § 2º da Lei nº 4.711, de 16.12.92, do Estado do Espírito Santo, até o final julgamento desta ação (ADI 1918 MC/ES, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. 25/11/1998, Tribunal Pleno).

(...)

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n 2.050, de 30 de dezembro de 1992, do Estado do Rio de Janeiro. Vedação de cobrança ao usuário de estacionamento em área privada. Pedido de liminar. - Tendo em vista o precedente invocado na inicial - o da concessão de liminar na ADIN 1.472 que versa hipótese análoga à presente - não há dúvida de que é relevante a fundamentação jurídica do pedido, quer sob o aspecto da inconstitucionalidade material (ofensa ao artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, por ocorrência de grave afronta ao exercício normal do direito de propriedade), quer sob o ângulo da inconstitucionalidade formal (ofensa ao artigo 22, I, da Carta Magna, por invasão de competência privativa da União para legislar sobre direito civil). - Por outro lado, manifesta-se a conveniência da concessão da liminar, inclusive pela possibilidade de aumento dos distúrbios sociais que vem causando a aplicação dessa lei. Medida cautelar deferida, para suspender, "ex nunc", a eficácia da lei estadual em causa. (ADI 1623 MC/RJ, Min. MOREIRA ALVES, j. 25/06/1997, Tribunal Pleno).

(...)

Tal entendimento também é prestigiado pelo Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Confira-se:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Proibição de exploração pelo particular de estacionamento em estabelecimentos comerciais e de serviços. Lei complementar que invade a competência legislativa da união, ao tratar de matéria afeta ao direito de propriedade regulado pelo Código Civil Violação aos art. 1º e 144 da Constituição estadual e 22, I, da Constituição Federal. Procedência para declara a inconstitucionalidade das Leis Complementares nºs 426/2005 e 418/2004, ambas do Município de Jundiaí. (ADI 166.824.0/2, Rel. Des. Reis Kuntz, j. 19.11.2008, T. Pleno).

(...)”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da admissão do incidente, e no mérito por seu acolhimento, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 576, de 2004, de Itu.

São Paulo, 07 de dezembro de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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