Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0302410-75.2011.8.26.0000

Suscitante: 13ª Câmara de Direito Público

Objeto: inconstitucionalidade da Lei n. 3.421, de 01 de outubro de 2001, do Município de Mauá

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Polícia administrativa. Instalação de estação rádio base.  Usurpação da competência normativa federal. Procedência. Não é o Município competente para disciplina da instalação de estação de rádio-base, torres e equipamentos afins de telefonia celular e de televisão (arts. 21, XI, e 22, IV, Constituição Federal).

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.                Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela colenda 13ª Câmara de Direito Público no julgamento de agravo de instrumento interposta contra respeitável decisão que indeferiu liminar em ação de obrigação de fazer consistente na expedição de licença de instalação, cumulada com declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei n. 3.421, de 01 de outubro de 2001, do Município de Mauá (fls. 116/118). A douta Procuradoria-Geral do Estado absteve-se da defesa do ato normativo impugnado (fls. 133/134).

2.                É o relatório.

3.                Cuida-se do confronto da Lei n. 3.421, de 01 de outubro de 2001, do Município de Mauá, com os arts. 21, XI, e 22, IV, da Constituição Federal.

4.                O esquema de repartição de competências entre os entes federados – expressão do princípio federativo – conferiu à União, sem espaço para Estados e Municípios, tanto a competência material dos serviços de telecomunicações e radiodifusão (art. 21, XI e XII, a), titularizando essa atividade como serviço público federal, quanto a competência legislativa revelada duplamente no art. 22, IV, e na expressão “nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de órgão regulador e outros aspectos institucionais”, constante da segunda parte do inciso XI do art. 21.

5.                E a razão é muito simples. O trato da matéria, visualizada numa perspectiva abrangente e múltipla, envolve não só as telecomunicações, mas, sua conexão com relações e efeitos direta ou indiretamente dela derivados, ou seja, o impacto e a interferência em questões colaterais à execução da atividade, como segurança, meio-ambiente, saúde, tranquilidade, privacidade, proteção ao consumidor etc., demandando, por isso mesmo, uma disciplina normativa uniforme para todo território nacional e aplicável a todas as coisas e pessoas físicas ou jurídicas.

6.                O estado de probabilidade (prevenção) ou de incerteza (precaução) de riscos, perigos ou danos decorrentes dos serviços de telecomunicações é unitariamente concebível e estimável para os Estados de São Paulo, do Amazonas, de Pernambuco, de Goiás, e para os Municípios de Araçatuba, Manaus, Olinda ou Goiânia, motivo que inspira a uniformidade e a centralidade normativa (não bastasse a titularidade federal do serviço), pois, os efeitos serão os mesmos em bens e pessoas situados em qualquer Estado ou Município da República.

7.                Nem se alegue a existência de interesse local ou autonomia municipal para simples disciplina do uso e ocupação do solo urbano. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência da predominância – chave-mestra para delimitação da autonomia local – na medida em que não se cinge às peculiaridades de cada comuna o estabelecimento de posturas edilícias para evitar riscos ou perigos à vida, à saúde, à segurança, decorrentes de instalações de telecomunicações, posto que em qualquer espaço do território nacional prevalece, ao contrário, a identidade de causas e efeitos. Deste modo, normas que contém ou indicam padrões ou parâmetros para uso de instalações e equipamentos dos serviços de telecomunicações, inclusive relativamente a seus reflexos a terceiros, são da órbita de competência normativa federal.

8.                Ainda que assim não fosse, o assunto, em termos acadêmicos, foi bem examinado por Fernanda Menezes Dias de Almeida assentando que a colisão de competências resolve-se pela prevalência das “determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa” (Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2ª ed., p. 159).

9.                Convém obtemperar, nesta quadra, que tendo o Estado de São Paulo editado a Lei n. 10.995, de 21 de dezembro de 2001, para disciplina de idêntico assunto ao da lei municipal impugnada, a douta Procuradoria-Geral da República aforou ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADI 3.110) alegando exatamente ofensa ao art. 22, IV, da Constituição Federal, e, examinando medida cautelar para atribuição de efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto contra acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, que proclamou a validade de lei municipal regulando a instalação de equipamentos transmissores de radiação eletromagnética (e rechaçou a tese de invasão da competência legislativa privativa federal), o Ministro Sepúlveda Pertence salientou ser “plausível, entretanto, a alegada inobservância da competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações” (STF, AC-MC 1.346-PR, 04-09-2006, DJ 13-09-2006, p. 41).

10.              Enfim, e corroborando a tese aqui exposta, decidiu esta colenda Corte Paulista:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda n ° 12, de 12.05.2004, que acrescenta o artigo 163-A à Lei Orgânica Municipal de Estiva Gerbi. Proibição de instalação de antenas ou torres de telefonia celular no perímetro urbano do Município. Inconstitucionalidade reconhecida por ingerência do Parlamento Municipal em assunto de competência legislativa da União. Art. 22, IV, da Constituição Federal e arts. 1º, 111 e 144, da Constituição Estadual. Ação procedente” (TJSP, ADI 114.569-0/2-00, Órgão Especial, Rel. Des. Roberto Stucchi, m.v., 08-11-2006).

“Em reforço ao quanto já expendido, esclareça-se que a ação direta de inconstitucionalidade acima citada, da qual foi relator Desembargador Roberto Stucchi, foi julgada em 08 de novembro de 2 006 e à semelhança da Procuradoria Geral de Justiça, extrai-se:

‘Trata-se, portanto, de ingerência nas competências material e legislativa da União, bem lembrando o Procurador-Geral de Justiça, a fls. 111/112, a orientação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, no sentido de que '(...) Ainda cerceiam a autonomia dos Estados regras de subordinação normativa. São estas que, presentes na própria Constituição Federal e direcionadas por ela a todos os entes federativos (União, Estados Municípios), predefinem o conteúdo da legislação que será editada por eles (...)’.

Desse modo, desnecessária a repetição dos princípios estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual para se constatar agressão à disciplina dos arts. 1º, 111 e 144, da Constituição Paulista’.

Existindo, pois, precedente desta Corte, que vem ao encontro das convicções expressas nesta decisão, a norma impugnada é, com efeito, inconstitucional, pois o legislador local extrapolou da sua esfera de competência” (TJSP, ADI 141.511-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., DJ 19-09-2007).

11.              Opino pela procedência do incidente de inconstitucionalidade.

         São Paulo, 30 de março de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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