Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0431908-64.2010

Suscitante: 14ª. Câmara de Direito Público

Objeto: Lei nº 13.479/2002, do Município de São Paulo

 

Ementa: 1) Incidente de inconstitucionalidade da Lei nº 13.479/2002, do Município de São Paulo, que institui a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública – COSIP, prevista no art. 149-A da Constituição Federal. Órgão Fracionário que divisa a impropriedade de se cobrarem valores diferenciados, de acordo com as classes de consumidores (residenciais e não residenciais) e a impossibilidade da eleição do consumidor domiciliado ou estabelecido no município como sujeito passivo do tributo, quando é certo que todos se beneficiam do serviço custeado. Suposta violação do princípio da isonomia previsto no art. 163, II, CF e inconstitucionalidade da própria EC nº 39/02, que instituiu a exação. 2)  Exame de hipótese análoga pelo Plenário do STF (RE 573.675/SC), reconhecendo-se a constitucionalidade da referida Emenda e a adequação do critério legal aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. 3)        Parecer pela constitucionalidade do ato normativo.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 14ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível nº 994.09.030630-9, em que figuram como partes (...) INCORPORAÇÕES S/C LTDA e outros (apelantes) e PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (apelado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 13.479/2002, do Município de São Paulo.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

O ato normativo questionado tem a seguinte redação:

Lei nº 13479, de 30 de dezembro de 2002, de São Paulo

INSTITUI NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP, PREVISTA NO ARTIGO 149-A DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 

MARTA SUPLICY, Prefeita do Município de São Paulo, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei, faz saber que a Câmara Municipal, em sessão de 30 de dezembro de 2002, decretou e eu promulgo a seguinte lei:

Art. 1º - Fica instituída no Município de São Paulo, para fins do custeio do serviço de iluminação pública, a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública - COSIP.

Parágrafo Único - O serviço previsto no "caput" deste artigo compreende a iluminação de vias, logradouros e demais bens públicos, e a instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública, além de outras atividades a estas correlatas.

Art. 2º - Caberá à Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura do Município de São Paulo proceder ao lançamento e à fiscalização do pagamento da Contribuição.

Art. 3º - Contribuinte é todo aquele que possua ligação de energia elétrica regular ao sistema de fornecimento de energia.

Art. 4º - O valor da Contribuição será incluído no montante total da fatura mensal de energia elétrica emitida pela concessionária desse serviço e obedecerá à classificação abaixo:

I - R$ 3,50 (três reais e cinqüenta centavos) para os consumidores residenciais;

II - R$ 11,00 (onze reais) para os consumidores não-residenciais.

Parágrafo Único - O valor da Contribuição será reajustado anualmente pelo mesmo índice utilizado para o reajuste da tarifa de energia elétrica.

Art. 5º - Ficam isentos da Contribuição os contribuintes vinculados às unidades consumidoras classificadas como "tarifa social de baixa renda" pelo critério da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL.

Art. 6º - A concessionária de energia elétrica é responsável pela cobrança e recolhimento da Contribuição, devendo transferir o montante arrecadado para a conta do Tesouro Municipal especialmente designada para tal fim, sob pena de responder civil e criminalmente pelo não-cumprimento do aqui disposto.

§ 1º - A eficácia do disposto no "caput" deste artigo fica condicionada ao estabelecimento de convênio a ser firmado entre a Prefeitura Municipal e a concessionária de energia elétrica, respeitadas, no que couber, as determinações da ANEEL.

§ 2º - O convênio definido no parágrafo 1º deste artigo será celebrado no prazo máximo de 90 (noventa) dias e disporá sobre a forma e operacionalização da cobrança a que se refere o "caput".

Art. 7º - A concessionária deverá manter cadastro atualizado dos contribuintes que deixarem de efetuar o recolhimento da Contribuição, fornecendo os dados constantes naquele para a autoridade administrativa competente pela administração da Contribuição.

Art. 8º - O montante arrecadado pela Contribuição será destinado a um Fundo especial, vinculado exclusivamente ao custeio do serviço de iluminação pública, tal como definido no parágrafo único do artigo 1º desta lei, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo no prazo de 90 (noventa) dias.

Parágrafo Único - O Poder Executivo fica obrigado a encaminhar à Câmara Municipal de São Paulo programa de gastos e investimentos e balancete anual do Fundo Especial a ser criado para custear o serviço de iluminação pública.

Art. 9º - As despesas decorrentes da implantação desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias, suplementadas se necessário.

Art. 10 - O Poder Executivo regulamentará a presente lei em 30 (trinta) dias.

Art. 11 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 30 de dezembro de 2002, 449º da fundação de São Paulo.

MARTA SUPLICY, PREFEITA

LUIZ TARCISIO TEIXEIRA FERREIRA, Secretário dos Negócios Jurídicos LEDA MARIA PAULANI, Respondendo pelo Cargo de Secretária de Finanças e Desenvolvimento Econômico

Com base na lei transcrita, a Prefeitura Municipal de São Paulo instituiu a contribuição para custeio do serviço de iluminação pública – COSIP, prevista no art. 149-A da Constituição Federal.

Ao fazê-lo, como se vê, utilizou-se de valores diferenciados de acordo com classes de consumidores servidos por iluminação pública, a saber, residenciais e não residenciais (art. 4º).

O Órgão Fracionário entendeu que esse critério não guarda relação com o custo da iluminação pública, além de implicar em tratamento desigual entre os contribuintes, estando, sob esse aspecto, em contradição com o art. 163, inc. II, da Constituição Federal. Em acréscimo, invocando precedente, cogitou da inconstitucionalidade da própria Emenda Constitucional nº 39, criadora da exação, argumentando com a impropriedade de se identificar como sujeito passivo o consumidor domiciliado ou estabelecido no município, quanto é certo que todos se beneficiam do serviço custeado.

A tese da inconstitucionalidade da fixação de alíquotas diferenciadas conforme a classe dos consumidores já foi adotada pela Procuradoria-Geral de Justiça, como ocorreu na ADIN nº 127.7012-0/0-00, julgada procedente por esse C. Órgão Especial.

Ocorre que, recentemente, a quaestio iuris foi apreciada pelo Plenário do STF, que lhe conferiu solução distinta.

Refiro-me ao julgamento, pelo Plenário do STF, do RE nº 573.675/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, ocorrido em 25 Mar. 2009, fruto de impugnação contra decisão proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Esse precedente do STF se identifica pela seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

I - Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública.

II - A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva.

III - Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte.

IV - Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

V - Recurso extraordinário conhecido e improvido.

(...)”

Como é possível observar, nesse julgamento o STF examinou expressamente a questão relativa à legitimidade constitucional da fixação, pela lei, de alíquotas progressivas em função da quantidade do consumo de energia elétrica e da classe de consumidor, e considerou esse parâmetro adequado, indicando-o como forma possível de concretização do princípio da capacidade contributiva, estabelecido no art. 145, § 1º da CR/88.

Nesse particular, é útil transcrever excerto do voto do relator, Min. Ricardo Lewandowski, que esclarece a posição adotada pelo Plenário do STF quanto à matéria em debate:

“(...)

O art. 2º da Lei Complementar municipal sob análise estabeleceu como base de cálculo da contribuição o valor da Tarifa de Iluminação Pública, apurado mês a mês (TARIFA de I.P./Mês), correspondente ao custo mensal do serviço de iluminação pública, variando as alíquotas conforme a qualidade dos consumidores de energia elétrica e quantidade de seu consumo.

Explicando melhor, a ‘Tarifa de I.P./Mês’ é aferida a cada trinta dias, levando-se em conta o valor gasto pelo Município com a iluminação pública. Esse montante é rateado pelos contribuintes, segundo alíquotas que variam conforme o tipo de usuário do serviço, classificado em consumidor primário, residencial, comercial, industrial e serviço público, e de acordo com o respectivo gasto de energia elétrica.

Não resta dúvida de que a LC 7/2002, nesse sentido, instituiu um sistema progressivo de alíquotas, mas o fez sem ofensa ao princípio da isonomia e com respeito à capacidade contributiva dos sujeitos passivos.

(...)

Embora não deixe de ter certa plausibilidade a assertiva do recorrente segundo a qual ‘não há um critério seguro de discriminação para se conferir a determinado contribuinte uma carga tributária maior’, diante do silêncio da Constituição Federal no que toca à hipótese de incidência da contribuição de iluminação pública, liberando, assim, o legislador local a eleger a melhor forma de cobrança do tributo, e tendo em conta o caráter sui generis da exação, considero que se mostram razoáveis e proporcionais os critérios escolhidos pelo diploma legal impugnado para estabelecer a sua base de cálculo, discriminar seus contribuintes e estabelecer as alíquotas a que estão sujeitos.

Sim, porque o Município de São José, ao empregar o consumo mensal de energia elétrica de cada imóvel, como parâmetro para ratear entre os contribuintes o gasto com a prestação do serviço de iluminação pública, buscou realizar, na prática, a almejada justiça fiscal, que consiste, precisamente, na materialização, no plano da realidade fática, dos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, porquanto é lícito supor que quem tem um consumo maior tem condições de pagar mais.

Por fim, cumpre repelir o último argumento do recorrente, segundo o qual a base de cálculo da COSIP se confunde com a do ICMS. Tal hipótese, permissa venia, não ocorre no caso, porque a contribuição em tela não incide propriamente sobre o consumo de energia elétrica, mas corresponde ao rateio do custo do serviço municipal de iluminação pública entre contribuintes selecionados por critérios objetivos, pelo legislador local, com amparo na faculdade que lhe conferiu a EC 39/2002.

(...)

Diante de todo o exposto, por não vislumbrar, na espécie, ofensa a qualquer princípio constitucional, em particular aos postulados da isonomia e da capacidade contributiva, e por entender, ainda, que os parâmetros empregados pela Lei 7/2002 do Município de São José para instituir a Contribuição para Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP não excederam os lindes da razoabilidade e da proporcionalidade, conheço do presente recurso extraordinário, negando-lhe provimento.

(...)”

É relevante observar que a decisão acima referida reflete o posicionamento atual e dominante do STF a respeito da matéria, na medida em que foi proferida pelo Tribunal Pleno, havendo um único voto vencido, do Min. Marco Aurélio, visto que do extrato da ata de julgamento constou o seguinte:

“O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, conheceu e desproveu o recurso extraordinário, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que conhecia e o provia, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade da norma”.

Assim, nada obstante o posicionamento que anteriormente vinha sendo adotado no âmbito desse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, é certo que não se pode deixar de tomar em consideração que cabe ao Supremo Tribunal Federal, em nosso sistema jurídico, a palavra final quanto às questões relacionadas à interpretação e aplicação da Constituição.

Embora o posicionamento adotado pelo STF, nessa hipótese, tenha eficácia essencialmente persuasiva, e não vinculativa (a não ser para os destinatários da lei que fora glosada na ação direta de inconstitucionalidade proposta junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina), não se pode olvidar que se trata de expressivo pronunciamento do intérprete mais autorizado da Constituição da República (mormente considerando, como antes frisado, que houve apenas um voto vencido).

Esse quadro recomenda, com a devida vênia, seja obsequiado o posicionamento sedimentado no STF.

Diante do exposto, opino pelo conhecimento da arguição de inconstitucionalidade e, no mérito, pela rejeição, declarando-se a constitucionalidade da Lei nº 13.479/2002.

 

São Paulo, 14 de março de 2011.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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