Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 0531762-31.2010.8.26.0000  (990.10.531762-6)

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: item 1.05 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, e da Lei Municipal n. 2.499/03, do Município de Santana do Parnaíba 

 

Ementa: Arguição de inconstitucionalidade do item 1.05 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, e da Lei Municipal n. 2.499/03, do Município de Santana do Parnaíba, que prevê a incidência do ISS sobre o licenciamento do direito de uso de "software". O art. 156, III, CF identifica um campo material da hipótese tributária do ISS, vinculando o legislador, estando ele, pois, impedido de tributar fatos que não se enquadrem no conceito de “serviço” aurido do Direito Privado. Atividade que não constitui prestação de serviço (obrigação de fazer), escapando, portanto, da referida tributação, sob pena de afronta ao art. 156, inc. III, da CF. Precedentes do STF no sentido de que somente obrigações de fazer ensejam o ISS. Parecer pelo acolhimento da arguição.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 15ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes NETSUPER S/A e o Sr. SECRETÁRIO MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO E RECEITA DO MUNICÍPIO DE SANTANA DE PARNAÍBA.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), pois se trata de pronunciamento de inconstitucionalidade do órgão colegiado do item 1.05 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, e da Lei Municipal n. 2.499/03, do Município de Santana do Parnaíba.

Concluiu o V. Acórdão que “o licenciamento e a cessão do direito de uso de softwares não se caracterizam exatamente como efetiva prestação de serviços (...)

(...) Assim sendo, referidos negócios jurídicos não se afiguram obrigações de fazer, mas obrigações de dar, segundo leciona o Professor Aires F. Barreto em sua obra 'Curso de Direito Tributário Municipal' (São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 394)” (fls. 253/255).

É o relatório.

A arguição procede, ou melhor, o item 1.05 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, e da Lei Municipal n. 2.499/03, do Município de Santana do Parnaíba, estão em conflito com o art. 156, inc. III, da Constituição Federal.

Com efeito, no exercício de sua autonomia, cabe aos Municípios instituir e arrecadar os tributos da sua competência (art. 30, inc. III, CF), dentre os quais o imposto sobre “serviços de qualquer natureza”, nos termos do que dispõe o art. 156, III, da CF, verbis:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).

O dispositivo constitucional transcrito identifica um campo material específico de hipótese tributária, isto é, delimita o perímetro de atuação do legislador local.

Bem por isso, “todo e qualquer fato que – exorbitando o conceito de serviço empregado pelo art. 156, III, da Constituição Federal – for colocado sob a incidência do imposto municipal importa exigência inconstitucional de tributo por invasão de competência alheia” (Amilcar de Araújo Falcão, Sistema Tributário Brasileiro, 1ª. ed., Rio de Janeiro, Financeiras, 1965, p. 51, apud: Aires F. Barreto, ISS na Constituição e na lei, 2ª. ed., rev. e ampl., São Paulo, Dialética, 2005, p. 27, g.nº).

A Constituição Federal, como se sabe, não discrimina que fatos se compreendem como “serviços” ou serviços tributáveis. A omissão, contudo, não concede maior liberdade ao legislador. Se este pudesse, pela deturpação do conceito de “serviço”, instituir tributo sobre um fato qualquer, estaria burlando a exaustividade, a rigidez e a privatividade das competências tributárias, o que não se compadece com o sistema normativo hierarquizado.

Daí a precisa advertência de Geraldo Ataliba:

A circunstância de outorgar a Constituição à lei complementar a tarefa de definir os serviços não quer significar, absolutamente, que a Constituição tenha dado ao legislador complementar liberdade de ampliar o conceito de serviço pressuposto constitucionalmente (Geraldo Ataliba, Imposto sobre Serviços – Diversões Públicas – Convites e Ingressos Gratuitos, in RDA 104/383, apud: Marcelo da Silva Prado, O papel da lista de serviços no imposto sobre serviços de qualquer natureza, in: Rodrigo Brunelli Machado (coord.), ISS na Lei Complementar nº 116/2003, São Paulo, Quartier Latin, 2004, p. 236).

Doutrina e jurisprudência têm entendido que o conceito de “serviço” há de ser encontrado no Direito Privado, como ressalta, aliás, o art. 110 do Código Tributário Nacional.

Orientam-se no sentido de ser tributável pelo ISS uma prestação de fazer consistente em “atividade lícita, não vedada pela lei e pelos bons costumes, oriunda da energia humana aproveitada por outrem, e que pode ser material ou imaterial” (Eduardo Pugliese Pincelli e Marcelo Knoepfelmacher, O ISS na Lei Complementar nº 116/2003, in: Rodrigo Brunelli Machado (coord.), ISS na Lei Complementar nº 116/2003, São Paulo, Quartier Latin, 2004, p. 201).

O STF, ao que parece, inclina-se nesse sentido e tem rechaçado a tributação pelo ISS de fatos que, embora previstos na lei complementar, não são essencialmente obligatio in faciendo, como demonstram os seguintes julgados:

IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) - LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR - INADMISSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DA INCIDÊNCIA DESSE TRIBUTO MUNICIPAL - DISTINÇÃO NECESSÁRIA ENTRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (OBRIGAÇÃO DE DAR OU DE ENTREGAR) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (OBRIGAÇÃO DE FAZER) - IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL ALTERAR A DEFINIÇÃO E O ALCANCE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO (CTN, ART. 110) - INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 79 DA ANTIGA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68 - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO IMPROVIDO. - Não se revela tributável, mediante ISS, a locação de veículos automotores (que consubstancia obrigação de dar ou de entregar), eis que esse tributo municipal somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. Precedentes (STF). Doutrina (RE 446003 AgR/PR – Minº Celso de Mello, j. 30.5.2006, 2ª. T).

IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) - LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR - INADMISSIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DESSE TRIBUTO MUNICIPAL - DISTINÇÃO ENTRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (OBRIGAÇÃO DE DAR OU DE ENTREGAR) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (OBRIGAÇÃO DE FAZER) - IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL ALTERAR A DEFINIÇÃO E O ALCANCE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO (CTN, ART. 110) - INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 79 DA ANTIGA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68 - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - ATENDIMENTO, NA ESPÉCIE, DOS PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA CONCESSÃO DE PROVIMENTO CAUTELAR (RTJ 174/437-438) - OUTORGA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA A RECURSO EXTRAORDINÁRIO, QUE, INTERPOSTO POR EMPRESAS LOCADORAS DE VEÍCULOS AUTOMOTORES, JÁ FOI ADMITIDO PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL RECORRIDO - DECISÃO REFERENDADA PELA TURMA (AC 661/MG – Minº Celso de Mello, j. 8.3.2005, 2ª. T).

TRIBUTO - FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional (RE 116121/SP, Minº Marco Aurélio, j. 11.10.2000, Pleno).

É de se convir que o licenciamento do direito de uso de "software", a rigor, não pode ser considerado de prestação de serviço, nos termos e pelos exatos fundamentos adotados no Acórdão proferido pela Colenda 15ª Câmara de Direito Público.

Posto isso, opino pelo acolhimento da arguição de inconstitucionalidade do item 1.05 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, e da Lei Municipal n. 2.499/03, do Município de Santana do Parnaíba.

São Paulo, 1º de março de 2011.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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