Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 0587963-43.2010.8.26.0000

Suscitante: Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça   

Objeto: Alíneas “a” e “c” do inciso III do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo

 

 

Ementa:

a) Incidente de inconstitucionalidade das alíneas “a” e “c” do inciso III do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo.  

b) Impossibilidade de exigência de contribuição previdenciária de servidor inativo, no período que medeia as Emendas Constitucionais n. 20 e n. 41, ante a expressa vedação constitucional.

c) Parecer pelo reconhecimento da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

(...) e (...), funcionárias públicas municipais aposentadas, ajuizaram “ação ordinária” em face da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, objetivando a cessação e a restituição de valores cobrados a título de contribuição previdenciária, incidente sobre seus proventos, instituída pela Lei Municipal n. 4.828/99.

A ação foi julgada parcialmente procedente, sobrevindo apelação do Município de São Bernardo do Campo.

Em V. Acórdão relatado pelo eminente Desembargador XAVIER DE AQUINO, a Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, determinou a remessa dos autos a este Colendo Colegiado em decorrência do disposto nos arts. 480 e 481, do Código de Processo Civil; art. 97 da Constituição Federal e Súmula Vinculante n. 10 do E. Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o reconhecimento da inconstitucionalidade das alíneas “a” e “c” do inciso III do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo.

É o breve relatório.

Da admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.

A questão de direito deve ser solucionada para que seja possível concluir-se o julgamento da apelação interposta pela municipalidade.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a arguição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol. V, 13ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 44).

No caso em exame, como não há notícia de que a validade dessa norma foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

Registre-se que a consulta de processos em Segunda Instância revelou que o incidente de inconstitucionalidade suscitado nos autos do Processo n. 0257699-19.2010.8.26.0000 (990.10.8.26.0000), que versa sobre idêntica questão, ainda não foi julgado.

Assim, em se tratando de tese jurídica repetitiva, opina-se pela suspensão do presente incidente até que seja julgada a idêntica questão por esse Colendo Órgão Especial.

De toda sorte, com a advertência de que a manifestação se restringe à questão prejudicial, o parecer é no sentido da inconstitucionalidade dos dispositivos legais impugnados.

Os descontos combatidos pelos autores são fundamentados nas alíneas “a” e “c” do inciso III do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo.

Nosso posicionamento é pela impossibilidade da cobrança da contribuição, no período que medeia as Emendas Constitucionais n. 20 e n. 41, justamente por haver expressa vedação constitucional, sendo inconstitucionais as leis autorizadoras, no período compreendido entre as duas Emendas Constitucionais. Com efeito, com a promulgação da EC n.º 20, de 15/12/1998, o art. 195, inciso II, passou a dispor que:

 “Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - ...........

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201.”

 

A EC n.º 20/98 também alterou substancialmente a redação do art. 40 da Constituição da República (“Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.”), ao qual foi acrescido o § 12, ‘verbis’:

“Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.”                                                                                                                          

Ao apreciar o pedido de Medida Cautelar na ADIn n.º                      2.010-2/DF, proposta pelo Conselho Federal da OAB, o Supremo Tribunal Federal ementou que: “O regime de previdência de caráter contributivo, a que se refere o art. 40, “caput”, da Constituição, na redação dada pela EC n.º 20/98, foi instituído, unicamente, em relação ‘Aos servidores titulares de cargos efetivos...’, inexistindo, desse modo, qualquer possibilidade jurídico-constitucional de se atribuir a inativos e a pensionistas da União a condição de contribuintes da exação prevista na Lei n.º 9.783/99. Interpretação do art. 40, §§ 8.º e 12, c/c o art. 195, II, da Constituição, todos com a redação que lhes deu a EC n.º 20/98.”

Naquela assentada, o Min. CELSO DE MELLO fez constar no seu Voto condutor que: “... a instituição da contribuição pertinente à seguridade social, referentemente aos servidores inativos e aos pensionistas, ofende, de um lado, a cláusula constitucional da não incidência (CF, art. 40, § 12, c/c o art. 195, II, na redação dada pela EC n.º 20/98) e transgride, de outro, o princípio constitucional do equilíbrio atuarial (CF, art. 195, § 5.º), evidenciando que essa exação, quanto a aposentados e a pensionistas, apresenta-se destituída da necessária causa suficiente, consoante observa, com inquestionável procedência, a ilustre Professora MISABEL DERZI (‘Da Instituição de Contribuição Sobre os Proventos dos Servidores Inativos’, in ‘Enfoque Jurídico’, n. 2, p. 13 - Suplemento)”

Na linha desse precedente, somos forçados a concluir que as leis complementares municipais – nos pontos em que supostamente autorizam a cobrança e fixam como contribuintes obrigatórios os inativos e pensionistas – não foram recepcionadas pela EC n.º 20/98, o que – pedimos licença para ingressar no mérito da questão – desautorizaria a cobrança de contribuição previdenciária das Autoras desta ação no período compreendido entre a promulgação da EC n.º 20 (15/12/98) e a promulgação da EC n.º 41/03 (19/12/2003), que permitiu a cobrança de contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas. Inclusive, apreciando caso idêntico, o Supremo Tribunal Federal entendeu legítima a cobrança de contribuição previdenciária de inativos no período anterior à promulgação da EC n.º 20/98 e determinou a restituição dos valores pagos pelos inativos e pensionistas somente com relação ao período posterior à referida emenda (REAgRg 367.094-RS, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE).

Por essas razões, o parecer é pela inconstitucionalidade das alíneas “a” e “c” do inciso III do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo.

                         São Paulo, 26 de maio de 2011.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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