Incidente de Inconstitucionalidade nº 161.802.-0/6-00
Suscitante: Sexta
Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
Suscitados: Município
de Jundiaí e outros
Parecer do Ministério Público
Ementa. Lei complementar fundada em autorização concedida em outra lei
complementar, cuja inconstitucionalidade já foi decretada pelo E. Tribunal de
Justiça. Lei complementar municipal que considerava fechado loteamento já
existente ao tempo de sua edição e autoriza a edificação de guarita de
segurança nas vias de acesso. Necessária declaração de inconstitucionalidade
por arrastamento ou conseqüencialidade. Incidente de inconstitucionalidade acolhido.
O
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO, pelo seu órgão de execução (Promotor de Justiça da Cidadania de
Jundiaí) propôs ação civil pública em face do Município de Franca e outros,
tendo em vista o fechamento de loteamento denominado Jardim Tereza Cristina
(Bairro Medeiros), autorizado pela Lei Complementar n. 233, de 17 de julho de
1997, lei esta editada com base no inc. III do artigo 18 da Lei Complementar n.
222, de 27 de dezembro de 1996, cuja inconstitucionalidade já foi reconhecida
pelo Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça. Suscitado o incidente de
inconstitucionalidade pela Colenda 6.ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO (fls. 1016/1021
– Relator o I. Desembargador (...)), manifesto-me nos termos dos artigos 480 e
ss. do Código de Processo Civil. O Relator do Incidente de Inconstitucionalidade
é o I. Desembargador (...).
A
questão sob exame cinge-se, a saber, se a Lei Complementar nº 233, de 17 de
julho de 1997 (cópia fl. 45) é ou não constitucional. A resposta é positiva.
Nos
autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 087.654.0/0-00, proposta por esta Procuradoria Geral de Justiça, foi o
pedido julgado procedente e o julgado restou assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI –
Loteamento de forma fechada – adoção para loteamento já existente – Impossibilidade
– Transgressão à regra do artigo 180, VII, da Constituição Estadual.
“Considera-se ofensivo ao artigo 180, VII, da
Constituição do estado dispositivo de lei municipal que autoriza a formação de
loteamento fechado para o loteamento já existente, de modo que possa ocorrer o
desvirtuamento das funções das áreas verdes ou institucionais especificadas no
projeto original do loteamento.”
O
v.acórdão relata o pedido: “1- Move o
Procurador-Geral de Justiça de São Paulo ação direta de inconstitucionalidade
em que busca a declaração de inconstitucionalidade de artigos da Lei Municipal
n. 222/96, do município de Jundiaí. Sustenta que os dispositivos dos artigos 15
e 18 da referida lei vulnerariam o artigo 180, VII, da Constituição do Estado
(...).”
Com
efeito, a Lei Complementar nº. 222/96 previa:
“Artigo 18 – A
aprovação dos loteamentos fechados deverá obedecer:
I – para o caso de
loteamentos não existentes, a aprovação será feita com base nas disposições estabelecidas
nesta lei complementar;
II – para o caso
de loteamentos existentes, poderá ser concedida autorização pela Prefeitura, a
partir de requerimento formulado por entidade regularmente constituída para
representar os proprietários de lotes instruído com os seguintes documentos:
a) cópia de título
de propriedade dos imóveis;
b) cópia de
notificação-recibo do imposto predial e territorial dos imóveis;
c) planta aprovada
do loteamento;
d) documento que
comprove a anuência de todos os moradores do local;
III – para os casos previstos no inciso anterior, a
medida dependerá de aprovação prévia através de lei específica e, após análise
dos órgãos técnicos e jurídico, a Prefeitura manifestar-se-á acerca da
viabilidade de autorização, quando deverá ser apresentado o comprovante do ato
constitutivo da entidade requerente, criada com poderes específicos de
representação dos proprietários de lotes, seus herdeiros ou sucessores a
qualquer título; (g.n.)
IV – a aprovação
final, em qualquer hipótese será dada através da Secretaria Municipal de Obras,
no prazo de 60 (sessenta) dias úteis, ouvidas a Coordenadoria Municipal de
Planejamento, a Secretaria Municipal de Transportes e a Secretaria Municipal de
Negócios Jurídicos.” (fls. 61/62)
Por
sua vez, a Lei Complementar nº. 233, de 17 de julho de 1997, considera fechado
o Jardim Tereza Cristina (bairro Medeiros) e autorizou os interessados a
edificar guarita de segurança nas vias de acesso ao loteamento.
Necessário
relatar que o v.acórdão relativo a ação direta de inconstitucionalidade
referida não transitou em julgado, dado que o RE 555.386 ainda não foi apreciado, embora esteja conclusos ao
relator (acompanhamento processual anexado).
A
despeito da presença de razões de fundo que justificam o reconhecimento da
inconstitucionalidade da lei inquinada, conforme percucientemente defendido
pelo douto Procurador de Justiça oficiante, Doutor (...) (fls. 986/999), uma
questão anterior leva à procedência deste incidente de inconstitucionalidade de
lei.
De
início merece ressalto a impropriedade de uma lei complementar exigir a edição
de outra igual lei complementar, esta última apenas para expressar uma
autorização. De toda forma, a lei complementar em questão (LC 233/97) está
fundada naquela já declarada inconstitucional (LC 222/96), obrigando ao
reconhecimento também em relação a ela. Canotilho traz lição que se ajusta ao
caso examinado:
“...está em saber se a invalidade da
lei delegante implicará invalidade da lei delegada (fala-se aqui de invalidade consenqüencial ou sucessiva.
O decreto-lei autorizado fundado sobre uma lei de autorização inconstitucional
é também um acto legislativo inconstitucional, embora seja discutível se a
declaração de inconstitucionalidade da lei de autorização opera automaticamente
a invalidade do decreto-lei autorizado. Assim, se a lei de autorização é
aprovada pela AR em reunião de comissão ou comissões parlamentares e não em
plenário, ou se a lei de delegação não fixa qualquer prazo para o exercício de
autorização legislativa, o decreto-lei é afectado pelos vícios da
inconstitucionalidade da lei delegante, Todavia, como se trata, apesar de tudo,
de um acto legislativo autónomo, é necessária a declaração expressa da
inconstitucionalidade do próprio decreto-lei autorizado.”[1]
No
mesmo sentido está Jorge Miranda, para quem “...o decreto-lei ou decreto legislativo autorizado que então for emanado
será também, conseqüentemente, inconstitucional.”[2]
E segue o
mesmo autor em outra passagem: “Assim
como ele permite responder positivamente ao problema simétrico: chamado a
apreciar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de uma norma que se funda
noutra norma legal (por exemplo, a norma de um decreto-lei autorizado, o qual
pressupõe lei de autorização), ele pode também apreciar esta segunda norma.”[3]
Entre
nós, Gilmar Ferreira Mendes defende a declaração de inconstitucionalidade por
arrastamento, fazendo-o nos seguintes termos:
“A dependência ou
interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a
extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais
mesmo nos casos em que estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação. É
o que a doutrina denomina de declaração
de inconstitucionalidade conseqüente ou por arrastamento.
Assim, mesmo diante do assentado entendimento
de que o autor deve impugnar não apenas as partes inconstitucionais da lei, mas
todo o sistema normativo no qual elas estejam inseridas, sob pena de a ação não
ser conhecida, o Supremo Tribunal Federal tem flexibilizado o princípios do
pedido para declarar a inconstitucionalidade por arrastamento de outros
dispositivos em virtude de sua dependência normativa em relação aos dispositivos
inconstitucionais expressamente impugnados.”[4]
Com
efeito, sendo julgado procedente o pedido na ADIn n. 087.654.0/0-00, declarando-se inconstitucionais os incisos
II e III do artigo 18 e o § 3º. do artigo 15, todos da Lei Complementar n. 222,
de 27 de dezembro de 1996, de Jundiaí, mister o reconhecimento da inconstitucionalidade
da Lei Complementar n. 233, de 17 de julho de 1997, dado que fundada justamente
no inciso III do artigo 18 daquela. Era caso de “declaração consenqüencial ou por arrastamento (...) em razão da relação
de dependência entre sua validade e a legitimidade constitucional da lei objeto
da ação. Precedentes: ADI 437-QO, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.02.93 e ADI
173-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.04.90” (conforme ADI 3645/PR, rel.
Min. Ellen Gracie, julgada em 31/5/06, Tribunal Pleno, publicado no DJ de
01.09.06, pág. 16 e na LEXSTF v. 28, n. 334, 2006, pág. 75-91).
Como
se nota, a doutrina e a jurisprudência são uníssonas em relação à necessidade
de reconhecimento da inconstitucionalidade por arrastamento, como é o caso sub exame.
Assim sendo, pelas
mesmas razões expressadas na ADI nº 087.654.0/0-00,
bem como por aquelas acima expostas, somos pelo conhecimento do incidente de
inconstitucionalidade, para declarar, por arrastamento ou conseqüencialidade, a
inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 233/97, do Município de Jundiaí.
São Paulo, 10 de abril de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
Procurador de Justiça,
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça
[1]
CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito
Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991, pág. 868.
[2] MIRANDA,
Jorge. Manual de Direito Constitucional.
3ª ed. Coimbra: Coimbra Editores, 2004, tomo V, pág. 323.
[3] Op. cit., tomo VI, pág. 242.
[4] MENDES,
Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2007, pág. 1183.