Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 165.667.0/8-00

Suscitante: 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

                           

                   O Município de Andradina move a presente ação de cobrança em face de (...), objetivando a condenação do réu a restituir valores recebidos por ele, na condição de vereador, em face de comparecimentos a sessões extraordinárias. A causa de pedir é inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 1.899/2001, que fundamentou o pagamento ao réu.

                   O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, nos autos do processo n. TC – 76/026/01, julgou irregulares as contas da Câmara Municipal de Andradina ao verificar que o pagamento se deu amparado pela mencionada lei municipal, a qual foi editada no curso da legislatura. Ou seja, flagrante a afronta ao disposto no inciso VI, primeira parte, do art. 29, da Constituição Federal, assim redigido pro força da EC n. 25/2000:

O subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente (...) - negritamos.

                   Distribuída a inicial, submetida ao juízo de admissibilidade, determinou-se a citação do réu, que se concretizou de forma pessoal (fls. 24).

                   Em resposta, sob a forma de contestação, aduz o réu (fls. 25/44) a improcedência do pedido inicial, sob o argumento de que a decisão do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo fere dispositivo constitucional em decorrência da “aplicação ilegal da norma que acarretará lesão e efetiva ameaça a direito patrimonial material e moral do requerido”.

                   Em primeira instância, a ação foi julgada procedente (fls. 64/70). Concluiu Sua Excelência, a nobre magistrada, Dra. Amanda Eiko Sato, que “a Lei Municipal 1.862/00, além de inconstitucional por violação ao preceito constitucional previsto no artigo 29, VI, viola também os princípios orçamentários”.

                   Inconformado, o réu (...) apelou (fls. 74/83).

                   Oferecidas as contra-razões (fls. 87/92), os autos foram distribuídos à Colenda Terceira Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo designado como relator o Excelentíssimo Desembargador Dr. Laerte Sampaio (fls. 96).

                   Elaborado relatório (fls. 97), procedeu-se à revisão (fls. 98).

                   Iniciado o julgamento da apelação, foi questionada a validade jurídico-constitucional da Lei Municipal n. 1.899/2001, tendo o Nobre Relator concluído pela inconstitucionalidade (fls. 102/103).

                   Por força de ser considerada prejudicial a questão da eventual inconstitucionalidade, bem como por força do princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da Lei Maior, suscitou-se o incidente de inconstitucionalidade previsto nos arts. 480/482 do CPC.

                   É o breve relatório.

                   Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é inconstitucional a Lei Municipal n. 1.899/2001. por violação aos arts. 29, V, e 39, § 4º da CF. Vejamos.

                   Na presente ação, está sendo questionada a validade da Lei Municipal n. 1.899/2001, que instituiu parcela indenizatória na Câmara Municipal de Andradina (fls. 07) para o exercício de 2001.

                   É manifesta a incompatibilidade da legislação municipal com a regra da anterioridade e o princípio da autonomia municipal, dado que, com base nessa lei, o vereador obteve aumento irregular do seu subsídio dentro da própria legislatura.

                   Como se sabe, as regras para a fixação dos subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais são diferentes das regras que tratam da fixação do subsídio dos Vereadores. Enquanto os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais serão fixados por lei de iniciativa da Câmara (CF, art. 29, V), o subsídio correspondente aos Vereadores será fixado pela própria Câmara (competência exclusiva), em cada legislatura para a subseqüente (CF, art. 29, VI).

                   Com a superveniência da EC n. 19/1998, que acrescentou o § 4º ao art. 39 da Constituição Federal, o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais passaram a ser remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, incisos X e XI.

                   Ao dispor que o subsídio dos Vereadores será fixado de uma legislatura para a outra – o que deverá ocorrer, impreterivelmente, antes de proclamado o resultado final das eleições municipais –, a Constituição quis impedir que tais agentes políticos legislassem em causa própria, prática bastante comum antes de instituída essa regra moralizadora.

                   No caso em análise, ao cuidar da definição do subsídio dos Vereadores para a atual legislatura, a lei municipal sindicada afrontou ao texto expresso da Constituição Federal, sobretudo por permitir a modificação do subsídio dos Vereadores dentro da própria legislatura, o que, como se viu, não é permitido.

                   Além de ser inconstitucional por esses aspectos, a questionada lei municipal também não está afinada com os valores e princípios consagrados no art. 111 da Constituição do Estado, como a legalidade, a moralidade, a razoabilidade, a finalidade e o interesse público.

                  Em tais circunstancias, o parecer é pela inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 1.899/2001.

São Paulo, 3 de julho de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça