Autos n. 169.957.0/0-00
Suscitante: Décima
Terceira Câmara de Direito Público
Ementa: 1)
Lei Municipal n. 5.853/06 de Mogi das Cruzes, que obriga supermercados a
fornecer serviço de empacotamento. 2) Legislação que acabou por invadir o
campo de competência legislativa da União, a quem cabe legislar sobre Direito
Comercial e do Trabalho (art. 22, I, da CF). 3)Inconstitucionalidade
constatada. 4) Parecer pela declaração de inconstitucionalidade. |
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Colendo
Órgão Especial
Trata-se de incidente de
inconstitucionalidade suscitado quando do julgamento da Apelação Cível n.
644.695-5/5-00, em que é apelante Supermercado Veran de Brás Cubas Ltda. e
apelado o Secretário Municipal do Controle e Estratégia de Mogi das Cruzes.
Ocorre que, iniciado o
julgamento da apelação, foi questionada a validade jurídico-constitucional da
Lei Municipal n. 5.853/06, que obriga os estabelecimentos a prestarem serviço
específico de empacotamento dos produtos neles adquiridos.
Por força de ser considerada
prejudicial a questão da eventual inconstitucionalidade, bem como por força do
princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da Lei Maior, suscitou-se
o incidente de inconstitucionalidade previsto nos arts. 480/482 do CPC.
É o breve relatório.
Com a advertência de que o
parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é inconstitucional a Lei
Municipal n. 5.853/06. por violação ao art. 22, I, da CF. Vejamos.
A Lei Municipal impugnada, de
fato, acabou por invadir o campo de competências da União.
Com efeito, ao exigir dos supermercados
e estabelecimentos similares, nas condições que especifica, a presença de
empacotadores, dita legislação acabou por invadir o campo de competência
legislativa da União, a quem cabe legislar sobre Direito Comercial e do
Trabalho (art. 22, I, da CF).
Sobre o tema, Alexandre de
Moraes[1] afirma que “a
Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios
consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou
estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em
concordância com aquelas e desde que presente o requisito primordial de fixação
de competência desse ente federativo: interesse local”.
É evidente que a exigência
para que tais empresas passem a contratar empacotadores não é um problema que
deva ser resolvido em um ou outro Município. É medida que pertine ao interesse
geral, cabendo somente à União legislar a respeito.
Além disso, a lei sindicada na
presente ação não trata de matéria relativa ao direito do consumidor, ainda que
reflexamente ele possa ser atingido. Essa legislação, na verdade, está
restringindo a livre iniciativa e a livre concorrência. Leciona José Afonso da
Silva[2] que: “A liberdade de
iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa
e a liberdade de contrato. Consta do art. 170, como um dos esteios da ordem
econômica, assim como de seu parágrafo único que assegura a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de
órgãos públicos, salvo casos previstos em lei”.
Com efeito, as atividades
econômicas atingidas pela legislação impugnada estarão em desvantagem em
relação a outros municípios que não adotaram idêntica exigência.
Sobre o tema, o C. Supremo
Tribunal Federal[3] já teve oportunidade de
examinar legislação semelhante do Estado do Rio de Janeiro, e à época, em sede
cautelar, decidiu:
“Argüição de
inconstitucionalidade de norma estadual que obriga ‘as organizações de
supermercados e congêneres a manterem pelo menos um funcionário, por cada
máquina registradora, cuja atribuição seja o acondicionamento de compras ali
efetuadas’ (Lei nº 1.914/91, do Rio de Janeiro).
Relevância da fundamentação do
pedido, deduzida perante os artigos 22, I e parágrafo único e 24, § 3º, da
Constituição Federal.
Perigo da demora caracterizado
pelo elevado montante da multa estipulada para o caso de descumprimento da
obrigação.”
Nem se diga se está adotando
como objeto paradigma, a Constituição Federal.
É que, nos termos do art. 144,
da Carta Paulista, os municípios têm autonomia legislativa, mas ficam
compelidos a atender os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na
Constituição Estadual
Esse Colendo Órgão Especial
tem reiteradamente aplicado tal dispositivo como suporte exclusivo e necessário
para a eliminação de regras que hostilizam o texto fundamental federal.
Nesse sentido, caminhou
decisão relatada pelo eminente Desembargador Oliveira Ribeiro[4], em parte aqui
transcrita: “Além disso, é de se ver que em abono do propósito declaratório da
inconstitucionalidade do artigo discrepante, a Constituição do Estado de São
Paulo, sem repetir expressamente a fixação de ‘quorum’ de dois terços previsto
na Constituição da República, não deixou de especificar o seu entendimento no
sentido de impor observância desta exigência, fazendo-o com clareza posto que
de modo indireto.
Eis o texto do seu artigo 144:
‘Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
O mesmo posicionamento foi
adotado na decisão proferida por esse Colendo Colegiado, na Adin nº
108.578-0/4, em que foi relator o eminente Desembargador Denser de Sá, julgada
em 23/3/2005.
Em assim sendo, a lei
examinada é inconstitucional, por afronta aos arts. 1º e 144, da Constituição
Bandeirante como, aliás, já se decidiu, em situação idêntica, nos autos da Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 123.776-0/8.
Em
tais circunstancias, o parecer é pela inconstitucionalidade da
Lei Municipal n. 5.853/06.
São Paulo, 10 de outubro
de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça
[1]
Alexandre de Moraes, Constituição
do Brasil Interpretada, São Paulo, Atlas, 2002, p. 743
[2] Curso de Direito Constitucional
Positivo, José Afonso da Silva, RT, 5ª ed., 1989, pp. 662/663
[3] Adin nº 669-0, Rio de Janeiro, Rel. Min.
Octavio Gallotti, decisão de 20/3/1992.
[4] Adin nº 097.085-0/1-00, Rel. Des. Oliveira Ribeiro, j. 10/3/2004