Incidente de Inconstitucionalidade

Autos n. 170.045.0/1-00

Suscitante: 3ª Vara Cível da Comarca de São Paulo

 

 

Ementa: 1) Art. 15 da Lei Estadual n. 3.947/83 e Resolução n. 200/2005 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça; 2) Dispositivos legais que estabelecem a competência da Vara de Falências para apreciar os crimes falimentares; 3) Confronto com o art. 183 da nova Lei de Falências e com o art. 22 da Constituição Federal; 4) Suscitado incidente de inconstitucionalidade; 5) Parecer pela declaração de constitucionalidade considerando-se o art. 125 da Constituição Federal que reconhece a autonomia da Justiça Estadual para definir a competência dos órgãos jurisdicionais (juízos) que institui.

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

                           

                   O advogado (...) impetrou o presente Habeas Corpus a favor de (...), apontando como autoridade coatora a Excelentíssima Juíza de Direito da 3ª Vara Cível do Foro Central da Capital, em função da Ação Penal Falimentar autuada sob o número 000.07.000058-1.

                   Alega o impetrante a incompetência do Juízo Cível após a entrada em vigor da nova Lei de Falências (Lei n. 11.101/2005) que, em seu art. 183, dispõe competir ao juízo criminal o conhecimento da ação penal no caso de crime falimentar.

                   A Terceira Procuradoria de Justiça opinou, a fls. 33/37, pela denegação da ordem, argumentando que a Lei n. 11.101/2005 não revogou o art. 15 da Lei Estadual n. 3.947/83, que estabelece a competência do Juízo Cível para conhecer da ação penal falimentar. Acrescenta que a Resolução n. 200/2005 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, que criou as Varas de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca da Capital, expressamente determinou a competência dessas Varas para processar e julgar as ações penais falimentares.

                   Sobreveio, então, o V. Acórdão de fls. 40/47 que determinou a remessa dos autos a esse Colendo Órgão Especial, em atenção ao art. 97 da Constituição Federal e à Súmula Vinculante n. 10. Ocorre que a Ilustrada 7ª Câmara de Direito Criminal entendeu presente questão de ordem constitucional, sob o argumento de que é competência legislativa exclusiva da União legislar sobre processo. Assim, deve prevalecer a Lei de Falências sobre a Lei Estadual e sobre a Resolução antes referidas, que se tornaram inconstitucionais com a superveniência da Lei de Falências.

                   É o breve relato.

                   Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que não é inconstitucional a Lei Estadual n. 3.947/83.

                   Ocorre que o art. 125 da Constituição Federal é muito claro ao consagrar aos Estados a necessária autonomia para organizar sua justiça:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

                   Devemos lembrar que a determinação do órgão jurisdicional interno competente passa, em primeiro lugar, pela determinação da Justiça Competente (“Competência de Jurisdição”.

                   Contrariando a regra de que a competência estadual é residual, a Constituição Federal de 1988 atribuiu, de forma expressa, competência à Justiça Estadual para julgar as causas de falência, com se vê do art. 109, I.

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho – negritamos.

                   Definida a Justiça Competente, passa-se à determinação da competência territorial, isto é, a definição da comarca competente para apreciar a causa.

                   Por fim, considerando que dentro da mesma comarca é possível a existência de diversos órgãos jurisdicionais (juízos), compete, nos termos do já citado art. 125 da Constituição Federal, aos Estados a organização da sua justiça.

                   Como ensina Dinamarco[1], “competência de juízo é a quantidade de jurisdição cujo exercício se atribui a um específico órgão judiciário ou a órgãos da mesma espécie, pertencentes à mesma Justiça, localizados no mesmo grau de jurisdição e ocupando a mesma base territorial.

                   Sendo juízo cada um dos órgãos instituídos pelo Estado para o exercício da jurisdição, o tema da competência de juízo compreende a determinação do órgão concretamente competente para conduzir o processo a partir do início (competência inicial, originária) e também para apreciar os recursos que no processo vierem a ser interpostos (competência recursal)”.

                   Portanto, cabe ao Estado definir a competência de seus órgãos jurisdicionais.

                   Inconstitucional é a interpretação que enxerga no art. 183 da Lei de Falências uma vinculação ao legislador estadual, pois o Estado tem autonomia garantida constitucionalmente para definir a competência dos órgãos que cria.

                   Oportuna, mais uma vez, a precisa lição do mestre Dinamarco: “Os Estados, não tendo competência para legislar em matéria processual (Const., art. 22, inc. I), limitar-se-ão a temas de organização judiciária, entendendo-se pacificamente que a disciplina da competência de juízo se contém nessa órbita” - negritamos.

                   Portanto, em termos técnicos, desconsideradas as questões de conveniência e oportunidade, não há qualquer inconstitucionalidade nos dispositivos legais impugnados.

                   No mesmo sentido a lição de Guilherme de Souza Nucci[2]: “Em suma, a Constituição Federal autorizou o Estado-membro a organizar sua Justiça, vale dizer, qual juízo deve julgar qual matéria. Não há na Carta Magna, como ocorre com o Tribunal do Júri, regra de competência expressa em relação ao juízo cabível para apreciar casos de crimes falimentares. Por isso, a lei estadual paulista continua a prevalecer sobre o disposto no art. 183 da Lei 11.101/05”.

                  Em tais circunstancias, o parecer é pela constitucionalidade do art. 15 da Lei Estadual n. 3.947/83 e, em conseqüência, da Resolução n. 200/2005 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 13 de outubro de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

 



[1] Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo: Malheiros, 2001, v. 1, p. 543.

[2] Leis penais e processuais penais comentadas, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 578.