Processo n.º 170.138.0/6-00
Suscitante: 7.ª
Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Suscitados: Municipalidade
de Ribeirão Preto
Ementa.
Incidente de Inconstitucionalidade. Alegação da eiva por leis municipais que não
proibiam a Fazenda Municipal a descontar contribuição previdenciária de aposentado.
Leis Complementares Municipais nºs 290/93 e 360/94 que foram expressamente
revogadas pelo art. 91 da Lei Complementar Municipal nº 1.012, de 17 de maio de
2.000. Impossibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade de lei
revogada. Situação fático-jurídica não alcançada pelo teor da Súmula Vinculante
nº 10 do STF. Parecer pela não instauração do Incidente. Mérito. Impossibilidade
de exigência de contribuição previdenciária de servidor inativo, no período que
medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, ante a expressa vedação
constitucional. Pedido julgado parcialmente procedente.
No
curso da presente ação ordinária – em que servidora aposentada reclama a
devolução de valores descontados em favor do Órgão Público, a título de
contribuição previdenciária –, foi questionada a validade
jurídico-constitucional das Leis Complementares nºs 290, de 29 de novembro de
1993 e 360, de 29 de junho de 1994, motivando a digna relatora, com assento na
E. 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a
suscitar incidente de inconstitucionalidade, nos termos do art. 97 da
Constituição Federal (fl. 135), notadamente em função da Súmula Vinculante nº 10,
do Supremo Tribunal Federal.
Vieram
os autos à Procuradoria-Geral de Justiça por força do art. 480 do Código de
Processo Civil.
Entendemos
não ser o caso de instaurar o de inconstitucionalidade de lei.
É
que as contribuições previdenciárias indevidamente cobradas tiveram por base as
leis complementares acima mencionadas, mas que a esta altura já se encontram
expressamente revogadas ao teor do artigo 91 da Lei Complementar nº 1.012, de
17 de maio de 2.000 (fl. 87). Todavia, conforme entendimento do Pretório Excelso,
necessário o Tribunal de Justiça decidir sobre as relações concretas que
decorreram da lei revogada. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal no RE-AgR
nº 397.354-SC, relatado pela Min. ELLEN GRACIE, julgado em 18/10/2005, pela Segunda
Turma, publicado no Diário da Justiça de 18/11/2005, pág. 21, no Ementário Vol.
2.214-03, pág. 552, assim ementado:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. VIÚVA DE
SERVIDOR. CF/69. RECEBIMENTO DE PENSÃO INTEGRAL. LEI AUTORIZADORA. REVOGAÇÃO.
CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. 1. Parágrafo 2º do art. 117 da Lei
6.745/85 do Estado de Santa Catarina, instituído por emenda parlamentar, que
permitia o pagamento de pensão integral a dependentes de servidor falecido por
causa de doença grave. Aumento de despesa. Vício de iniciativa.
Inconstitucionalidade formal. Precedentes: RE 134.278 e Rp 890. 2. Superada a
controvérsia em torno da constitucionalidade da norma discutida, torna-se
prejudicada a questão da existência de direito adquirido ao recebimento de
pensão integral em face de lei posterior que a revogou. 3. Esta Suprema Corte
entende que é inviável o controle concentrado de constitucionalidade de norma
já revogada. Se tal norma, porém, gerou efeitos residuais concretos, o Poder
Judiciário deve se manifestar sobre as relações jurídicas dela decorrentes, por
meio do controle difuso. Precedente: ADI 1.436. 4. Art. 40, § 7º, da CF/88. Inaplicabilidade.
Discussão referente a proventos recebidos antes da promulgação da atual Constituição.
5. Agravo regimental improvido.”
Necessário
dizer que em hipóteses como a tratada nestes autos, ou seja, de revogação de
determinada lei, não tem aplicação a Súmula Vinculante nº 10, do Supremo Tribunal
Federal, dado que esta se direciona aos casos em que há - formalmente –
declaração ou afastamento de lei ou ato normativo do Poder Público. O verbete
só pode ser lido à luz do artigo 97 da Constituição e este é expresso quanto à
declaração de inconstitucionalidade.
Nessa
trilha, opinamos pela não instauração do incidente, com prosseguimento do
julgamento pela Colenda Câmara.
No
mérito, nosso posicionamento é pela impossibilidade da cobrança da contribuição,
no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs 20 e 41, justamente por
haver expressa vedação constitucional, sendo inconstitucionais as leis
autorizadoras, na época em que vigoraram no período que medeia as duas Emendas
Constitucionais. Com efeito, com a promulgação da EC nº 20, de 15/12/1998, o
art. 195, inciso II, passou a dispor que:
“Art. 195 - A seguridade social será
financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I -
...........
II - do
trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de
previdência social de que trata o art.
A
EC nº 20/98 também alterou substancialmente a redação do art. 40 da
Constituição da República (“Aos servidores titulares de cargos efetivos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas
autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter
contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial e o disposto neste artigo.”), ao qual foi acrescido o § 12, ‘verbis’:
“Além
do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos
titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os
requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.”
Ao
apreciar o pedido de Medida Cautelar na ADIn n.º 2.010-2/DF, proposta pelo
Conselho Federal da OAB, o Supremo Tribunal Federal ementou que: “O regime
de previdência de caráter contributivo, a que se refere o art. 40, caput, da
Constituição, na redação dada pela EC n.º 20/98, foi instituído, unicamente, em
relação ‘Aos servidores titulares de cargos efetivos...’, inexistindo, desse modo,
qualquer possibilidade jurídico-constitucional de se atribuir, a inativos e a pensionistas
da União, a condição de contribuintes da exação prevista na Lei n.º 9.783/99.
Interpretação do art. 40, §§ 8.º e 12, c/c o art. 195, II, da Constituição,
todos com a redação que lhes deu a EC n.º 20/98.”
Naquela
assentada, o Min. CELSO DE MELLO fez constar no seu Voto condutor que: “...
a instituição da contribuição pertinente à seguridade social, referentemente
aos servidores inativos e aos pensionistas, ofende, de um lado, a
cláusula constitucional da não-incidência (CF., art. 40, § 12, c/c o art. 195,
II, na redação dada pela EC n.º 20/98) e transgride, de outro, o princípio
constitucional do equilíbrio atuarial (CF., art. 195, § 5.º), evidenciando que
essa exação, quanto a aposentados e a pensionistas, apresenta-se
destituída da necessária causa suficiente, consoante observa, com
inquestionável procedência, a ilustre Professora MISABEL DERZI (‘Da Instituição
de Contribuição Sobre os Proventos dos Servidores Inativos’, in ‘Enfoque
Jurídico’, n.2, p. 13 - Suplemento)”
Na
linha desse precedente, somos forçados a concluir que as leis complementares
municipais – nos pontos em que supostamente autorizam a cobrança e fixam como
contribuintes obrigatórios os inativos e pensionistas -- não foi
recepcionado pela EC n.º 20/98, o que – pedimos licença para ingressar
no mérito da questão -- desautorizaria a cobrança de contribuição
previdenciária do Autor desta ação no período compreendido entre a promulgação
da EC n.º 20 (15/12/98) e a promulgação da EC n.º 41/03 (19/12/2003), que
permitiu a cobrança de contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas.
Inclusive, apreciando caso idêntico, o Supremo Tribunal Federal entendeu
legítima a cobrança de contribuição previdenciária de inativos no período
anterior à promulgação da EC nº 20/98 e determinou a restituição dos valores
pagos pelos inativos e pensionistas somente com relação ao
período posterior à referida emenda (REAgRg 367.094-RS, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE).
Por fim, cumpre
anotar que não apresenta nenhuma consistência jurídica a distinção que a
Fazenda Municipal procura estabelecer com o Instituto de Previdência do
Município, pois as aposentadorias oneram o Tesouro Municipal, fazendo da
Municipalidade parte passiva legítima.
Nesses
termos, nosso parecer é pela não instauração do incidente, para prosseguimento
do julgamento e, aplicando-se teor do § 3º, do art. 515, do Código de Processo
Civil[1], julgar
parcialmente procedente o pedido, para determinar a devolução dos valores
indevidamente cobrados a título de contribuição previdenciária da servidora
inativa, no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, ante a
expressa vedação constitucional.
São Paulo, 24 de novembro de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
Procurador de Justiça,
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça
[1] Art.
§ 1o (...)
§ 3o Nos casos de
extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode
julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e
estiver em condições de imediato julgamento.