Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo
Órgão Especial
Incidente de
Inconstitucionalidade n. 172.877-0/2-00
Incidente de inconstitucionalidade –
Lei n. 2.391, de 01 de fevereiro de 2001, do Município de Miguelópolis –
Contenção de despesas com pessoal – Extinção de cargos públicos de provimento
efetivo, com programa de demissão voluntária, estendido a todos servidores
públicos municipais, inclusive os não estáveis – Criação concomitante de novos
cargos para desenvolvimento de atribuições iguais ou assemelhadas – Inobservância
dos arts. 37 e 169, §§ 3º a 7º, da Constituição Federal.
Egrégio Tribunal,
Colendo Órgão
Especial:
1. A colenda 9ª Câmara de Direito Público
do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suscitou a instauração de
incidente de inconstitucionalidade da Lei n. 2.391, de 01 de fevereiro de 2001,
do Município de Miguelópolis, em reexame necessário de sentença que julgou
procedente ação proposta para, declarar incidenter
tantum referida lei, anular portaria de exoneração de servidor público e
reintegrá-lo ao cargo público, condenando-se, ainda, o ente público local ao
pagamento de perdas e danos (fls. 235/239).
2. A Lei n. 2.391, de 01 de fevereiro de
2001, extinguiu cargos públicos (art. 1º), colocando em disponibilidade os seus
titulares (art. 2º). Com relação aos servidores em estágio probatório, a lei
local previu a exoneração com a faculdade de ingresso no Programa de Demissão
Voluntária (art. 2º, § 1º), estendido a todos os servidores públicos municipais
(art. 2º, § 2º), consistente no pagamento de indenização correspondente a 8% dos
vencimentos (arts. 3º e 4º) e, ao mesmo tempo, criou novos cargos públicos de
provimento efetivo (art. 5º).
3. Segundo a exposição de motivos da
propositura do respectivo projeto de lei, a medida objetivava a adequação aos
limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 04 de
maio de 2000), asseverando que o incentivo à demissão voluntária por
indenização não afetará o limite de despesas com pessoal, bem como que a
criação de novos cargos de provimento efetivo servirá para, após análise
concreta, verificar o cumprimento da meta de acerto da estrutura administrativa
e a adequação da ocupação de cargos e funções nos termos da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
4. Abstraída a questão de fato subjacente
à instauração do incidente de controle de constitucionalidade, cuja suscitação
observa os termos da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, a lei
local impugnada deve ser cotejada com os arts. 37 e 169 da Constituição
Federal.
5. O art. 169 da Constituição Federal, no
que interessa, expressa que:
“Art.
(...)
§ 3º. Para o cumprimento dos limites
estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar
referida no caput, a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:
I – redução em pelo menos vinte por
cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;
II – exoneração dos servidores não
estáveis.
§ 4º. Se as medidas adotadas com base
no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação
da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o
cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a
atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de
pessoal.
§ 5º. O servidor que perder o cargo na
forma do parágrafo anterior fará jus a indenização correspondente a um mês de
remuneração por ano de serviço.
§ 6º. O cargo objeto da redução
prevista nos parágrafos anteriores será considerado extinto, vedada a criação
de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo
de quatro anos.
§ 7º. Lei federal disporá sobre as
normas gerais a serem observadas na efetivação do disposto no § 4º”.
6. O
confronto entre a lei local e a Constituição Federal revela a integral
inconstitucionalidade daquela na medida em que não foi precedida a exoneração
de servidores não estáveis e estáveis da medida prevista no art. 169, § 3º, I. Com
efeito, os §§ 3º e 4º do art. 169 estabelecem uma ordem sucessiva de medidas
para adequação das despesas de pessoal aos limites regulados em lei
complementar, de modo que, primo,
deverá haver redução de gastos com cargos de provimento em comissão e funções
de confiança para, em seguida, promover-se a exoneração de servidores não estáveis
(inclusive aqueles em estágio probatório) e, ao final, a perda do cargo e
conseqüente exoneração de servidores estáveis.
7. Aliás, esta última medida, só tem
lugar quando as primeiras denotarem insuficiência e, ao mesmo tempo, houver ato
normativo com motivação específica, não se admitindo, como ocorrido in casu, assertivas genéricas e
distanciadas da parte final do § 4º do art. 169.
8. Para agravar esse contexto, a lei
local oferece como incentivo à demissão (rectius:
exoneração) voluntária totalmente alheio aos parâmetros do § 5º do art. 169 da
Constituição Federal. Ora, quando a Constituição Federal possibilita perda do
cargo por motivo de redução de gastos com pessoal indica a edição de ato
normativo – obviamente unilateral – que dispensa qualquer adesão do servidor
estável ou a atribuição de incentivo, porque se trata de ato de império
justificado pela supremacia do interesse público, incondicionado a aquiescência
do destinatário.
9. Por essa razão, a norma constitucional
prevê a paga de indenização como reflexo da responsabilidade civil do Estado
por ato lícito. No caso em foco, e para agravar, a lei local estende o
benefício contido na norma constitucional aos servidores estáveis aos
não-estáveis (em estágio probatório ou investidos em cargos de provimento em
comissão), discrepando do § 5º do art. 169 da Magna Carta.
10. É importante realçar a subversão contida
na lei local que não assegura indenização como prescreve o art. 169, § 5º, da
Constituição Federal, aos servidores estáveis. De fato, ela tão somente faculta
essa indenização condicionada ao pedido de exoneração dos respectivos cargos.
Ora, a obra normativa local discrepa flagrantemente do citado preceito
constitucional, que impõe o pagamento incondicionado de indenização.
11. Para além, a lei local,
concomitantemente, cria cargos públicos no mesmo instante em que os extingue,
denotando visível infração do § 6º do art. 169. Essa norma contém vedação da
criação de cargo, função ou emprego com atribuição igual ou assemelhada, bem
como se distancia dos próprios parâmetros da reserva de lei nacional para o
procedimento de exoneração de servidores estáveis, indicada no art. 169, § 7º.
12. Por outro prisma, a inconsistente
coexistência (extinção e criação de cargos) caracteriza violação aos princípios
de moralidade, impessoalidade e razoabilidade (art. 37, Constituição Federal;
art. 111, Constituição Estadual). Neste sentido, analisando a mesma lei local
assim decidiu a colenda 3ª Câmara de Direito Público deste egrégio Tribunal:
“MANDADO DE SEGURANÇA – Servidores
públicos municipais – Lei Municipal nº 2.391/01 que extinguiu 424 cargos,
criando, concomitantemente, 370 cargos novos – Alegada inconstitucionalidade,
por desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal – Ocorrência – Evidente
descompromisso da Administração Pública com os vetores axiológicos da
Constituição, com afronta aos princípios da finalidade, impessoalidade,
moralidade e boa-fé – Sentença concessiva mantida – Recursos não providos” (AC
240.867-5/5-00, Miguelópolis, Rel. Des. Magalhães Coelho, m.v., 18-06-2002).
13. Pois, ainda que reduzidos cargos de
provimento efetivo por sua extinção isso torna-se absolutamente incompossível
com a criação de outros, se o fundamento era o de redução de despesas com
pessoal.
14. De fato, o que se constata é que apenas
se cambiou a denominação da função pública lato
sensu, indicativo da escolha aleatória, pessoal, irracional e subjetiva de
cargos a serem extintos, sopesados finalidade e motivo da providência.
15. Como já exposto, e não é ocioso
reiterar, o ato normativo não indicou as necessidades nem alinhavou os
critérios de extinção de cargos públicos de provimento efetivo ocupados por
servidores estáveis; não observou a ordem sucessiva de medidas de contenção de
pessoal; e, ainda, conferiu indenização condicionada, inclusive a quem não faz
jus, ao largo das disposições constitucionais.
16. Opino pela declaração de
inconstitucionalidade da Lei n. 2.391, de 01 de fevereiro de 2001, do Município
de Miguelópolis, por afronta aos arts. 37 e 169, §§ 3º a 7º, da Constituição
Federal.
São
Paulo, 22 de dezembro de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR de JUSTIÇA
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça