Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Incidente de Inconstitucionalidade n. 174.119-0/9-00

 

 

Incidente de inconstitucionalidade. § 1º do art. 180 do Código Penal. Receptação qualificada. Inocorrência de ofensa ao princípio da proporcionalidade.

A conduta descrita no § 1º do art. 180 do Código Penal é mais gravosa do que aquela descrita no caput do dispositivo, eis que voltada para a prática delituosa pelo comerciante ou industrial, que, pela própria atividade profissional, possui maior facilidade para agir como receptador de mercadoria ilícita.  Não obstante a falta de técnica na redação do dispositivo, a modalidade qualificada do § 1º abrange tanto do dolo direto como o dolo eventual, ou seja, alcança a conduta de quem ‘sabe’ e de quem ‘deve saber’ ser a coisa produto de crime. Se o tipo pune a forma mais leve de dolo (eventual), a conclusão lógica é de que, com maior razão, também o faz em relação à forma mais grave (dolo direto), ainda que não o diga expressamente. Se o dolo eventual está presente no tipo penal, parece evidente que o dolo direto também esteja, pois o menor se insere no maior.

 

 

 

 

Egrégio Tribunal,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.           Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado, por maioria de votos, pela colenda 2ª Câmara da Seção de Direito Criminal no julgamento de apelação interposta contra a respeitável sentença do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Itaquaquecetuba que condenou os réus à reclusão por 03 (três) anos e 10 (dez) dias-multa, por infração § 1º do art. 180 do Código Penal (fls. 329/348).

 

2.           O venerando acórdão põe em relevo a argüição ex officio de inconstitucionalidade à luz do princípio da proporcionalidade:

“A violação do § 1º do artigo 180 do Código Penal é pertinente à prática de crime na forma de dolo eventual e a violação do artigo 180, caput, do Código Penal é referente a cometimento de crime na forma de dolo direto. Este delito é mais grave do que àquele.

A legislação penal, quando se trata de receptação, pune o crime menos grave (aquele que é praticado sob dolo eventual) com maior rigor que o crime mais grave (aquele que é praticado sob dolo direto)” (fls. 331/332).

 

3.           Estima em sua fundamentação decisão monocrática do eminente Ministro Celso de Mello (fls. 334/347).

 

4.           Concessa venia, a argüição de inconstitucionalidade não merece êxito porque inocorrente incompatibilidade com o princípio da proporcionalidade.

 

5.           Com efeito, assim dispõem os incisos XLVI e LIV do art. 5º da Constituição de 1988:

“Art. 5º. (...)

XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

(...)

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

 

6.           O Código Penal assim cunha o delito de receptação no caput e nos §§ 1º e 2º do art. 180, na redação dada pela Lei n. 9.246/96, in verbis:

“Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência”.

 

7.           O tipo penal da receptação qualificada pune o comerciante ou industrial, que pratica a ação criminosa, no exercício de sua atividade, mesmo irregular ou clandestina ou na residência (estas figuras equiparadas). Como preleciona Cezar Roberto Bitencourt:

“todas as condutas relacionadas no § 1º somente tipificarão a ‘receptação qualificada’ se visarem a proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, seja ele regular, irregular ou clandestino” (Tratado de Direito Penal, Parte Especial, São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 3, p. 394).

 

8.           No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci destaca que o legislador introduziu a figura típica do § 1º do art. 180, do Código Penal:

“tendo por finalidade atingir os comerciantes e industriais que, pela facilidade que atuam no comércio, podem prestar maior auxilio à receptação de bens de origem criminosa” (Código Penal Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 2ª ed., p. 601).

 

9.           Por fim, Mirabete esclarece que:

“sujeito ativo deve ser comerciante ou industrial. Trata-se, pois, de crime próprio que só pode ser praticado por essas pessoas. Entretanto, é de se ressaltar que não se exige um ato de comércio legal, regular, pois a própria lei prevê, no §2º, que está equiparava à atividade comercial, para esse efeito penal, ‘qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência’(..)” (Manual de Direito Penal, Parte Especial, São Paulo: Atlas, 2005, 23ª ed., vol. II, p. 362).

 

10.         Não há qualquer incongruência na punição mais severa do crime de receptação qualificada.

 

11.         Não se discute que esse tipo penal, com a redação dada pela Lei nº 9.426/96, pune o comerciante ou industrial que, no exercício de sua atividade, comete a receptação.

 

12.         A única razão para distinguir a conduta é para impor uma sanção penal mais grave ao crime próprio cometido por comerciante ou industrial.

 

13.         Convém lembrar, também, a discussão legislativa que justificaram o tratamento mais severo do tipo penal em apreço.

             

14.         A Lei 9.426, de 24 de dezembro de 1996, reproduziu fielmente o Projeto de Lei n. 725, de 1995, enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional. Justificou-se na Mensagem n. 784 (que acompanhou o projeto de lei) a razão da necessidade de alteração legislativa, bem esclarecedora de seu escopo:

“7. As propostas de modificação ao art. 180 têm dois objetivos: ampliar o rol de condutas da receptação, a fim de aprimorar a repressão quanto àquele que transporta ou conduz a coisa que sabe ser produto de crime. Na sistemática vigente, tal conduta ou se ajusta ao favorecimento real (art. 349 do Código Penal), crime de menor gravidade, ou é forma de participação no furto ou na receptação. O novo enquadramento é mais adequado porque nem sempre aquele que transporta ou conduz objeto do crime participa do furto ou roubo, ou de receptação. Além disso, a inovação afronta problemas da natureza processual especialmente quanto à competência, quando o furto ou roubo foi cometido em comarca distante. A inclusão dos núcleos propostos permite a repressão direta e autônoma, sem prejuízo, é claro, de  acusação por participação em crime mais grave se isso se demonstrar.

8. Por outro lado, cria-se a figura de receptação qualificada para aquele que faz da receptação um comércio, ainda que clandestino, conduta de maior gravidade e dano social do que a receptação individualizada ou simples. A grande incidência da receptação na atualidade, fator preponderante da ampliação dos casos de furto e roubo, é a receptação profissional, que vem, em geral, acompanhada do desmonte da coisa para venda dos componentes, dificultando sua identificação e recuperação. Nos dias de hoje, a receptação simples é insuficiente para coibir a atividade dos chamados ‘desmanches’ de veículos, jóias, computadores e outros equipamentos. Daí a proposta da figura qualificada, com pena significativamente maior.

9. A nova conduta é incriminada mediante a inclusão de parágrafos ao art. 180, com renumeração e revisão dos demais.

(...)

Espera-se, com essas propostas de inovação, dar aos órgãos de persecução penal os instrumentos legais adequados à repressão de uma grave e crescente forma da criminalidade,  no momento em que avultam os prejuízos patrimoniais, acompanhados, em grande número de casos, de violência contra a pessoa, corrupção e de criminalidade organizada”.

 

15.         De fato, o tipo subjetivo do art. 180, § 1º, do Código Penal utiliza-se da expressão “deve saber produto de crime”. Contudo, a melhor interpretação para a espécie é a de que esse dispositivo não pode ser interpretado literalmente. A incriminação do tipo penal foi assim disposta não só para alcançar aquele que age com dolo direto, mas principalmente o comerciante ou industrial que atua com dolo eventual.

 

16.         Luiz Régis Prado bem resume o problema:

“O tipo subjetivo centra-se na expressão deve saber empregada pelo legislador. Consigne-se, por oportuno, que o saber, no delito de receptação, implica o conhecimento pleno e absoluto por parte do agente da procedência criminosa da coisa por ele obtida. O dever saber, empregado na receptação qualificada, não expressa esta certeza sobre a realidade e, sim, um juízo de dúvida a respeito da origem criminosa da res. O agente, porém, mesmo diante de tal circunstancia, prefere continuar a sua conduta tendente à produção do resultado e ‘entre o renunciar à conduta e o risco de com ela concretizar o tipo, prefere essa atitude em detrimento daquela. Isso quer dizer que o agente opera com dolo eventual’. O elemento subjetivo especial do tipo está representado pelo particular fim de agir do agente, consistente em obter proveito ilícito para si ou para outrem (animus lucrandi).

Costuma-se apontar que a expressão deve saber constitui elemento subjetivo do injusto. Contudo, deve ser repelida tal tese, já que antes do advento da Lei nº 9.426/96 era pacífico o entendimento de que a receptação dolosa só era admissível através do dolo direto e a inovatio legis teve por escopo permitir a incriminação ainda quando o agente atue com dolo eventual. Discute-se, também, se na hipótese de o agente atuar com dolo direto deve responder pela norma em estudo, já que o legislador utilizou-se tão-somente da expressão deve saber. A péssima redação da norma, aliada à interpretação literal, leva, de fato, ao entendimento preconizado por alguns de que a norma incriminadora não abrange a conduta de quem ‘age com dolo direto’. No entanto, a intenção do legislador foi de que não apenas o dolo direto como também o dolo eventual implicarão no reconhecimento do crime de receptação. No caso, o legislador disse menos do que queria expressar e deve-se buscar o espírito normativo, ampliando-se o alcance da expressão utilizada no tipo, aplicando-se, por conseguinte, a interpretação extensiva” (Curso de Direito Penal Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, 2000, pp. 604-605 – g.n.).

 

17.         Com a mesma percuciência, Guilherme de Souza Nucci explica:

“(...) Ocorre que, a despeito do princípio da reserva legal, não se proíbe no direito penal o emprego da interpretação extensiva, nem tampouco da interpretação teleológica. O que se vê na aparente contradição existente entre o caput e o § 1º do art. 180 é a mesma situação ocorrente com inúmeros outros dispositivos que contam com a mesma imprecisão técnica do legislador. É evidente que a conduta mais grave é a do § 1º, que é uma autêntica receptação qualificada, alterando-se o mínimo e o máximo abstratamente fixados para a pena. quando o delito for cometido por comerciante ou por um industrial, possuidor de maior facilidade para cometer receptações, diante da sua própria atividade profissional que lhe fornece infra-estrutura (como o mencionado caso dos ‘desmanches’), tanto que o tipo penal, no caso do § 1º, usa os verbos ‘ter em depósito’, ‘desmontar’, ‘montar’, ‘remontar’, ‘vender’, ‘expor à venda’, não elencados no caput, é lógico que é muito mais grave do que a receptação simples. Houve um lapso na redação da figura qualificada, que merecia, expressamente, as expressões ‘que sabe ou deve saber ser produto de crime’. Entretanto, não cremos ser suficiente tal omissão para haver total despreza à pena fixada no preceito secundário. Lembremos que também a pena obedece ao princípio da legalidade, bem como ao princípio da indeclinabilidade, não podendo deixar de ser aplicada por conta da vontade do juiz. Assim, pensamos ser o caminho mais adequado interpretar com lógica o pretendido pelo legislador (...)” (Código Penal Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 2ª ed., pp. 602-603 – g.n.).

 

18.         Como se vê, a conduta prevista no art. 180, § 1º, do Código Penal é, na verdade, mais grave que aquela prevista no caput deste mesmo dispositivo, porque atinge uma modalidade de receptação mais lesiva para a sociedade e, além disso, contenta-se com o simples dolo eventual para incriminar o agente.

 

19.         Pese a decisão monocrática do eminente Ministro Celso de Mello, seu entendimento não é unânime nem majoritário no Supremo Tribunal Federal, como verifica de recente julgamento posterior à sua emissão, da lavra da eminente Ministra Ellen Gracie, adiante transcrito e a cujos fundamentos se reporta:

“1.  Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fls. 1102/1103): ‘APELAÇÃO-CRIME. APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. É de rigor a condenação nos termos do artigo 168, § 1º, III, do Código Penal, quando há nos autos elementos que demonstram terem os agentes se apropriado indevidamente de carga por um deles transportada na condição da caminhoneiro a fim de vendê-la a pessoa previamente contatada e ciente da prática ilícita.   FALSA COMUNICAÇÃO DE CRIME. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. Tendo os agentes registrado ocorrência policial dando conta do roubo do caminhão que, na verdade, após terem-no usado para transportar carga da qual se apropriaram, abandonaram em um posto de combustíveis, é certa a ocorrência do delito tipificado no artigo 340 do Código Penal.   RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO . A condenação nos termos do artigo 180, § 1º, do Código Penal, é medida imperativa quando o acusado adquiriu carga de couro, no exercício da atividade comercial, sabendo que se tratava de produto de origem ilícita.   MANUTENÇÃO DA GUARDA E OCULTAÇÃO DE ARMA DE FOGO. MATERIALIDADE E AUTORIA. A confissão do réu no sentido de que mantinha sob guarda e ocultava em sua chácara arma de fogo sem autorização legal, roborada pela apreensão do artefato em tal local e pelos depoimentos de testemunhas, é suficiente para a condenação nos moldes do artigo 10, ‘caput’ da Lei nº 9437/97.   USO DE DOCUMENTO FALSO. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO . Tendo o agente apresentado à autoridade policial notas fiscais falsas, buscando isentar-se da responsabilidade pelo delito de receptação, resta caracterizado o crime de uso de documento falso.   PENAS. ALTERAÇÃO. Denotando as circunstâncias judiciais do delito a necessidade de imposição de reprimenda mais severa, é de rigor seu redimensionamento justamente para alcance dos fins preventivo e retributivo.   À unanimidade, deram parcial provimento do apelo ministerial: a) para condenar Justino Nunes Saggiorato por incurso nos termos do artigo 304 do Código Penal, à pena de um 01 ano e 06 meses de reclusão e ao pagamento de 20 dias-multa no valor de 1/5 do salário mínimo cada dia, e estabelecer o regime inicialmente fechado para cumprimento das penas a ele impostas; b) para redimensionar a pena privativa de liberdade de Mário Giussani para 02 anos e 04 meses de reclusão por incurso nos termos do artigo 168, § 1º, III, do Código Penal; c) e para redimensionar a pena de Adelino José Dalla Riva para 03 anos, 06 meses e 20 dias de reclusão em regime inicialmente fechado e 60 dias-multa por incurso nos ditames do artigo 168, § 1º, III, do Código Penal. Por maioria, deram parcial provimento do apelo de Justino Nunes Saggiorato a fim de reduzir para 1/5 do salário-mínimo o valor do dia-multa cominado em face dos delitos tipificados nos artigos 180, § 1º, do Código Penal, e 10, ‘caput’, da Lei nº 9437/97, bem como para reduzir para 20 o número de dias-multa aplicados em decorrência deste ilícito. À unanimidade, negaram provimento aos apelos de Mário Giussani e Adelino José Dalla Riva’.   Deste acórdão, interpôs o recorrente embargos infringentes visando reconhecer como prevalente o voto vencido que dava parcial provimento ao recurso de apelação para reduzir a pena aplicada em relação ao delito do art. 180, § 1º, do Código Penal, entendendo que a mesma viola o princípio da proporcionalidade.   Os embargos infringentes foram rejeitados pelo Quarto Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos seguintes termos:   ‘EMBARGOS INFRINGENTES. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. DOLO EVENTUAL. APENAMENTO SUPERIOR AO FIXADO AO DOLO DIRETO. PROPORCIONALIDADE. Não se resumindo o maior apenamento da forma qualificada meramente ao elemento anímico do agente, mas também a outros fatores ensejadores de maior reprovação social, não há falar em aplicação da pena do ‘caput’ do artigo 180 do Código Penal à figura qualificada, porquanto não constatada ofensa ao princípio constitucional da proporcionalidade. Referendada decisão da maioria. Embargos rejeitados, por maioria’.   Inconformado, o recorrente interpôs embargos de declaração que também foram rejeitados, de acordo com a seguinte ementa:   ‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REJEIÇÃO. Não demonstrado ser o acórdão omisso, inadmissíveis os embargos declaratórios, por serem impróprios. Embargos de declaração rejeitados, por unanimidade’.   Argumenta o recorrente, em síntese, que o § 1º do art. 180 do Código Penal é inconstitucional por afrontar o disposto no art. 5º, XLVI da Constituição Federal.  Aduz que o parágrafo primeiro do art. 180 do Código Penal fere o princípio da proporcionalidade, pois prevê uma pena mais gravosa para o agente que ‘deve saber’ da origem ilícita do produto, em relação àquele que ‘sabe’ da origem ilícita, como reza o caput do dispositivo legal.   Requer o provimento do recurso para o fim de, reconhecendo a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 180 do Código Penal, promover a desclassificação da figura qualificada para a figura simples, contemplada no caput do referido dispositivo, alterando, também, o regime de cumprimento da pena para o regime semi-aberto, em substituição ao regime fechado.   2.  Não houve admissão do recurso extraordinário pela 2ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça (fls. 1246/1248), tendo os autos subido a esta Corte em razão de determinação contida nos autos do agravo de instrumento interposto contra decisão que inadmitiu o extraordinário (fl. 1265).   3.  Manifestação da Procuradoria-Geral da República no sentido do não-conhecimento ou, eventualmente, do improvimento do recurso (fls. 1269/1274).   4.  Transcrevo, por oportuno, trecho da manifestação do Subprocurador-Geral da República, Dr.Wagner Gonçalves, a respeito do caso (fl. 1272):   Preliminarmente, cumpre observar que, embora tempestivo, o RE não merece ser conhecido, por padecer do indispensável prequestionamento. Com efeito, verifica-se, pela decisão hostilizada, que o Eg. Colegiado não manifestou, de forma expressa, qualquer posicionamento sobre o dispositivo tido por violado. Conforme acentua a jurispudência desse Excelso Pretório, o prequestionamento deve ser explícito, senão ‘inviabilizada fica a conclusão sobre a violência ao preceito evocado pelo recorrente’. (AI 476.354 AGR/MS, in DJU 28/10/2005, pág. 47, Rel. Min. Marco Aurélio, unânime, 1ª Turma). In casu, nem mesmo a apresentação de embargos declaratórios seria capaz de suprir tal requisito, uma vez que a matéria constitucional não foi objeto de prévia argüição. Como é deveras sabido, ‘os embargos de declaração não se prestam a inovar na causa e incluir fundamentos até então ausentes’ (RE nº 420.201 AGR/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ 24.06.2005). A hipótese, portanto, é de incidência das Súmulas 282 e 356 dessa Suprema Corte. Afora isso, a análíse do pleito recursal não prescinde do exame de normas infraconstitucionais. Assim, havendo ofensa ao Texto Maior, esta seria apenas indireta, inviabilizando-se o acesso à via extraordinária.’ 5.  O recurso é tempestivo.   (...)  7.  Entretanto, entendo que não houve prequestionamento explícito do dispositivo constitucional tido como violado.   Com efeito, o julgamento da apelação no âmbito do Tribunal a quo não tratou de contrariedade à norma constitucional apontada nas razões do extraordinário e, por isso, deve ser negado seguimento ao presente recurso.   Após entender pela prova induvidosa da autoria em relação ao recorrente, eis que este, de acordo com o voto condutor do acórdão, tinha ciência acerca da origem ilícita do material adquirido, a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul admitiu a configuração da qualificadora prevista no § 1º do art. 180 do CP, pelo fato do recorrente ser proprietário de empresa que trabalha com a matéria-prima adquirida. A questão foi solucionada, assim, com base na normativa infraconstitucional.   A questão da inconstitucionalidade do § 1º do art. 180 do Código Penal não foi suscitada pelo recorrente quando da interposição de sua apelação e somente foi aventada no voto vencido por ocasião do julgamento do recurso pela 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sem que tenha sido apreciada pelos demais julgadores do órgão colegiado.   Mesmo no julgamento dos embargos infringentes a alegada inconstitucionalidade não foi debatida pelos julgadores, que resolveram a questão com fundamento no fato de que a figura qualificada do delito ‘transcende a conduta do ‘caput’ ao trazer em seu bojo uma conotação empresarial, como acima afirmado, às ações nas quais a receptação é utilizada como meio propulsor de negócios. Situação concreta que, sem dúvida, representa maior reprovação social, mormente nos tempos atuais em que a criminalidade organizada grassa os mais diversos setores da sociedade, com alta incidência na espécie’. (fl. 1175)   Ao embargar de declaração da decisão que rejeitou os embargos infringentes o recorrente alegou apenas que o colegiado não se posicionou ‘explicitamente quanto a ter o acusado agido com dolo direto ou com dolo eventual’. (fl. 1181)   Portanto, verifico que não houve manifestação expressa do colegiado do Tribunal a quo sobre o dispositivo constitucional tido por violado pelo recorrente, o que inviabiliza o conhecimento do apelo extremo, consoante jurisprudência desta Corte, consolidada na Súmula 282.   8.  A alegação de que a conduta do recorrente se enquadraria no tipo previsto no caput do art. 180 do Código Penal ou a verificação se o mesmo agiu com dolo direto ou eventual envolve, necessariamente, reapreciação de matéria fático-probatória, o que é inadmissível em sede de recurso extraordinário, de acordo com a Súmula 279 desta Corte.   9.  Além disso, a análise do presente recurso extraordinário passa, obrigatoriamente, pelo exame de normas infraconstitucionais. Assim, a afronta à Constituição Federal, se existisse, não seria direta, e sim de modo indireto ou reflexo, não autorizando a interposição do apelo extremo. Neste sentido: AgR no RE 343.847/SC, de minha relatoria, 2ª Turma, DJ 24.06.2005.   10.  Observo que, mesmo em se admitindo o conhecimento do recurso extraordinário no âmbito do Supremo Tribunal Federal, melhor sorte não assistiria ao recorrente.   A conduta descrita no § 1º do art. 180 do Código Penal é evidentemente mais gravosa do que aquela descrita no caput do dispositivo, eis que voltada para a prática delituosa pelo comerciante ou industrial, que, pela própria atividade profissional, possui maior facilidade para agir como receptador de mercadoria ilícita.   Não obstante a falta de técnica na redação do dispositivo em comento, a modalidade qualificada do § 1º abrange tanto do dolo direto como o dolo eventual, ou seja, alcança a conduta de quem ‘sabe’ e de quem ‘deve saber’ ser a coisa produto de crime.   Ora, se o tipo pune a forma mais leve de dolo (eventual), a conclusão lógica é de que, com maior razão, também o faz em relação à forma mais grave (dolo direto), ainda que não o diga expressamente.   Se o dolo eventual está presente no tipo penal, parece evidente que o dolo direto também esteja, pois o menor se insere no maior.   Deste modo, não há que se falar em violação ao princípio da proporcionalidade, como pretende o recorrente. 11.  Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (Lei n° 8.038/90, art. 38)” (STF, RE 589.455-RS, Rel. Min. Ellen Gracie, 03-12-2008, DJe 17-12-2008 – g.n.).

 

20.         Opino pela rejeição da inconstitucionalidade.

 

             São Paulo, 26 de janeiro de 2009.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça