Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº.  174. 738-0/3

Suscitante: Décima Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça   

Objeto:  Lei n.  57, de 29 de dezembro de 2006, do Município de Nova Granada

 

Parecer do Ministério Público

 

Ementa. Lei  n. 57/2006, do Município de Nova Granada, que “institui no Município de Nova Granada, Estado de São Paulo, a Taxa de fiscalização para Funcionamento das Torres e Antenas de Transmissão e Receptação de Dados e Voz”.  Invasão da competência legislativa privativa da União: violação ao princípio federativo.  Parecer pela nulidade do v. Acórdão ou, alternativamente pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

A TIM CELULAR S/A, ajuizou Mandado de Segurança com pedido de medida liminar,  em face do Diretor da Unidade Administrativa de Finanças do Município de Nova Granada, objetivando não ser penalizado por não recolher a taxa de fiscalização e licença para o funcionamento das torres e antenas de transmissão e recepção de dados de voz, relativo ao ano-base de 2007 e subseqüentes, tudo a salvo de qualquer ameaça por parte da autoridade impetrada, ou de seus agentes, de aplicação de penalidades, multas, negativas de certidões negativas, ajuizamento de execuções fiscais, etc, suspendendo-se assim, a exigibilidade do respectivo crédito tributário.

A ação foi julgada procedente pela r. Sentença de fls. 291/295, sendo concedida a segurança pleiteada, declarando-se incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 57, de 29 de dezembro de 2006, editada pelo Município de Nova Granada, com relação à impetrante.

 O Município de Nova Granada interpôs recurso de apelação. Defendeu a constitucionalidade da norma, afirmando, em síntese, os Municípios detêm competência suplementar  prevista no seu art. 30 e incisos, da CF/88, editou norma de poder de polícia previsto no art. 145, II, da CF/88 e art. 77 e seguintes dos CTN, fls. 303/318.

 As contra-razões foram apresentadas  às fls. 321/344.

Pelo v. Acórdão de fls. 359/364, a Décima Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto e determinou a remessa dos autos a este Colendo Colegiado para atendimento da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal.  

Eis em síntese o relatório.

Preliminarmente.

Da nulidade do V. Acórdão.

Antes do órgão fracionário deliberar sobre o mérito do recurso de apelação, para provê-lo ou não, há necessidade de ser instaurado o necessário Incidente de Inconstitucionalidade, disciplinado a partir do art. 480 do CPC.

Assim, arguida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, é necessária a prévia deliberação da Câmara, que se rejeitar a argumentação, deverá prosseguir no julgamento e, nesse caso, negar ou dar provimento ao recurso.

Todavia, quando há o acolhimento da arguição de inconstitucionalidade, a Câmara “suspende” o julgamento, isto é, não pode prosseguir no julgamento para dar ou negar provimento ao recurso. Deve determinar a instauração do Incidente de Inconstitucionalidade, a fim de provocar a deliberação do Pleno.

Portanto, o V. Acórdão proferido pelo órgão fracionário, s.m.j., deve ser anulado, para que outro seja proferido, sem que seja adentrado o exame da questão de fundo antes da análise da questão prejudicial pelo Excelso Órgão Especial.

De fato, é prejudicial a questão da eventual inconstituciolnalidade, sendo que o órgão competente para apreciá-la, como se disse, é o Órgão Especial, por força do princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da Lei Maior.

Requer-se, pois, seja declarada a nulidade do V. Acórdão.

 

Em função do princípio da eventualidade, a Procuradoria-Geral passa a analisar o mérito, com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial. E, no mérito, tem-se que é inconstitucional a legislação impugnada.

 A Lei n. 57/2006, que “institui no Município de Nova Granada, Estado de São Paulo, a Taxa de Fiscalização de Licença para Funcionamento das Torres e Antenas de Transmissão e Recepção de Dados e Voz”, apresenta a seguinte redação:

Art. 1º - Fica instituída no Município de Nova Granada a Taxa decorrente do Efetivo Exercício do Poder de Polícia Administrativa de FISCALIZAÇÃO DE LICENÇA PARA O FUNCIONAMENTO DAS TORRES E ANTENAS DE TRANSMISSÃO E RECEPÇÃO DE DADOS E VOZ, QUE ESTEJAM INSTALADOS NOS LIMITES DO MUNICÍPIO.

Parágrafo único- Fica isento da taxa de que trata o art. 1º , as torres e ou antenas pertencentes ao Poder Público Municipal.

Art. 2º - O valor cobrado de cada TORRE OU ANTENA de que trata o artigo anterior, será de 64 UFM´s (Unidade Fiscal do Município) anuais.

Art. 3º - os contribuintes da Taxa de que trata o art. 1º , serão quaisquer Pessoas Jurídicas que deram causa ao exercício de atividade ou a prática de atos sujeitos ao poder de polícia administrativo do município.

Art. 4º - A taxa será arrecada mediante guia oficial preenchida pelo setor competente ou pelo contribuinte, cujo pagamento deverá ocorrer até o dia 31 de março de cada ano.

 

         Parágrafo 1º - Quando anual, para efeito de renovação da licença será arrecadada conforme definido no artigo anterior e as iniciais serão arrecadadas no ato da concessão da licença.

         Parágrafo 2º - Será a Taxa, lançada de forma individual e integral ou na razão de 1/12 (um doze avos) para cada um dos meses restantes do ano, a partir da data de início das atividades.

         Art. 5º - Esta lei entrará em vigor em 01 de janeiro de 2007”.                            

         A lei local impugnada é inconstitucional porque rompe a repartição de competências legislativas ofendendo o princípio federativo.

         Com efeito, o Município não tem competência para a disciplina de assunto pertencente a outra esfera da Federação e, muito menos, para, a pretexto de suplementá-la nos limites do interesse local, dispor de modo divergente a suas disposições e, conseqüentemente, nulificá-las.

         A Constituição do Estado de São Paulo traça os limites da competência normativa municipal por força da permissão contida no art. 29 da Constituição Federal que ao conferir autonomia normativa ao Município subordina-lhe, entretanto, aos princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do respectivo Estado. Daí decorre a supremacia da Constituição Estadual em relação a leis ou atos normativos locais, abarcando todos os seus preceitos reproduzidos (obrigatoriamente ou não), remissivos, imitados ou implícitos de observância compulsória (princípios sensíveis e extensíveis; normas de preordenação institucional; princípios constitucionais estabelecidos) da Constituição Federal, ou, autonomamente estabelecidos (Léo Ferreira Leoncy. Controle de constitucionalidade estadual, São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 82-94).

Um desses princípios é o princípio federativo constante também da Constituição Federal em seu art. 1º. O pacto federativo é estabelecido exatamente através da repartição de competências entre os entes federados à vista da outorga das respectivas autonomias por critérios horizontais (privativas e exclusivas), através da enumeração das competências federais e municipais ou verticais e das residuais às estaduais, ou verticais (comuns e concorrentes próprias ou impróprias) pressupondo a simultaneidade de ação de cada um deles (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1999, 3ª ed., pp. 179, 189-195), como se infere dos arts. 1º, 18, 21 a 25, 29 e 30, da Constituição Federal.

Para efeito de fiscalização abstrata de constitucionalidade da lei municipal essa infringência caracteriza violação aos arts. 1º e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, in verbis:

“Art. 1º. O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A lei local impugnada exibe incompatibilidade vertical em face desses preceitos da Constituição Estadual na medida em que invadiu a esfera normativa da União prevista na partilha de competências normativas decorrente do princípio federativo - normas essas de observância compulsória por Estados e Municípios (regras de subordinação normativa) – que foram absorvidas da Constituição Federal pela Constituição Estadual e, que, portanto, limitam a atividade normativa municipal. A doutrina já resolveu a questão dos princípios que devem os Estados observar (o que, obviamente, aplica-se aos Municípios,  já agora por força do art. 144 da Constituição do Estado). Na glosa ao art. 25 da Constituição da República, que direcionar as competências dos Estados (como o art. 144 da Constituição do Estado condiciona as competências dos Municípios), Manoel Gonçalves Ferreira Filho refere-se à existência das “regras de preordenação institucional”, “regras de extensão normativa” e “regras de subordinação normativa”, inseridas na Constituição da República, vinculantes para os demais entes políticos, pronunciando que “ainda cerceiam a autonomia dos Estados regras de subordinação normativa, como os arts. 37 e 39 da Constituição Federal. São estas as que, presentes na própria Constituição Federal e direcionadas por ela a todos os entes federativos (União, Estados, Municípios), predefinem o conteúdo da legislação que será editada por eles. E isto, ou orientando positivamente tal conteúdo (mandando que siga determinada linha), ou negativamente (proibindo que adote certas normas ou soluções) (...) Observe-se que esta subordinação normativa pode ser direta ou indireta. Ela é direta (e imediata) quando deflui, sem intermediário, da Constituição Federal e obriga desde logo o legislador. É indireta (e mediata) quando se faz por meio da legislação federal obrigatória para os Estados. Esta ‘subordinação normativa indireta’ ocorre no campo da competência legislativa concorrente da União e dos Estados (bem como do Distrito Federal), que enuncia o art. 24 da Constituição brasileira. Com efeito, este artigo confere à União a competência de ‘estabelecer normas gerais’ (art. 24, § 1.°). Conseqüentemente, a estas normas gerais se subordinam as que os Estados editarem em vista de suas peculiaridades (art. 24, §§ 2°, 3° e 4°)” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo: Saraiva, 1997, v. I, p. 197).

Ora, conforme disposto na Constituição Federal:

“Art. 21. Compete à União:

(...)

XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

(...)

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão”.

O esquema de repartição de competências entre os entes federados – expressão do princípio federativo – conferiu à União, sem espaço para Estados e Municípios, tanto a competência material dos serviços de telecomunicações e radiodifusão (art. 21, XI e XII, a), titularizando essa atividade como serviço público federal, quanto a competência legislativa revelada duplamente no art. 22, IV, e na expressão “nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de órgão regulador e outros aspectos institucionais”, constante da segunda parte do inciso XI do art. 21.

E a razão é muito simples. O trato da matéria, visualizada numa perspectiva abrangente e múltipla, envolve não só as telecomunicações, mas, sua conexão com relações e efeitos direta ou indiretamente dela derivados, ou seja, o impacto e a interferência em questões colaterais à execução da atividade, como segurança, meio-ambiente, saúde, tranqüilidade, privacidade, proteção ao consumidor etc., demandando, por isso mesmo, uma disciplina normativa uniforme para todo território nacional e aplicável a todas as coisas e pessoas físicas ou jurídicas.

Nem se alegue a existência de interesse local ou autonomia municipal para simples disciplina do uso e ocupação do solo urbano. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência da predominância – chave-mestra para delimitação da autonomia local – na medida em que não se cinge às peculiaridades de cada comuna o estabelecimento de posturas edilícias para evitar riscos ou perigos à vida, à saúde, à segurança, decorrentes de instalações de telecomunicações, posto que em qualquer espaço do território nacional prevalece, ao contrário, a identidade de causas e efeitos. Deste modo, normas que contém ou indicam padrões ou parâmetros para uso de instalações e equipamentos dos serviços de telecomunicações, inclusive relativamente a seus reflexos a terceiros, são da órbita de competência normativa federal.

Ademais, a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações, já vem sendo exercida, com a edição do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.177/62), Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9,472/97), Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Decreto n. 2.338/97), Lei n. 9.691/98 e Resoluções da ANATEL, destacando a Resolução 255 de 2001, que regulamenta a arrecadação de receitas do fundo de fiscalização das telecomunicações –FISTEL.

Assim é que cabe a ANATEL a responsabilidade pelo efetivo exercício do poder de polícia sobre tal atividade,  cabendo exclusivamente a ela, expedir normas e padrões quanto aos equipamentos utilizados pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, e ainda,  expedir e extinguir licença, autorização e permissão para prestação do serviço de telecomunicações, instalação e funcionamento de equipamentos,  fiscalização e aplicação de sanções.

Por fim, a instituição da taxa de funcionamento e antenas pelo Município de Nova Granada, configura bitributação, na medida em que a impetrante já está obrigada ao pagamento de taxa de funcionamento cobrada pela ANATEL para cada uma de suas estações de rádio-base instaladas no território nacional.

Em tais circunstancias, o parecer é no sentido da decretação da nulidade do V. Acórdão ou, se assim não se entender, que seja reconhecida a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 57, de 29 de dezembro de 2006, do Município de Nova Granada.

 

                          São Paulo, 10 de março de 2009.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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