Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº.  161.763-0/7

Suscitante: Décima Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça   

Objeto:  Lei n. 6.125/04, do Município de Franca

 

Parecer do Ministério Público

 

Ementa:  Lei  n.  6.125/04, do Município de Franca que “ Autoriza o Poder Executivo a outorgar, sob a égide do Instituto de Concessão de Direito real de Uso, à Associação do Engenheiros, Arquitetos e Engenheiros Agrônomos da Região de Franca – AERF, uma área localizada no Residencial Amazonas e dá outras providências”. Violação do inciso VII do art. 180, “caput”, da Constituição do Estado de São Paulo.  Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

1) Relatório

O Ministério Público de São Paulo, ajuizou Ação Civil Pública, objetivando a anulação da Lei n. 6.125/04, do Município de Franca, que autoriza o Poder Executivo local conceder direito real de uso de área pública institucional à Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Engenheiros Agrônomos  da Região de Franca e, ainda, a condenação do      Município de Franca, em obrigação de não fazer, consistente em abster-se, de qualquer forma, da área institucional mencionada na referida lei, em virtude desta violar o art. 180, VII, da Constituição do Estado de São Paulo.

A ação foi julgada procedente pela r. Sentença de fls. 314/319, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da norma pela mesma ter contrariado o disposto no art. 180, VII, da Constituição Estadual, ficando vedado ao Município de Franca alienar, ou, de qualquer outro modo, dispor da específica área, desvirtuando sua destinação.

 O Prefeito Municipal interpôs recurso de apelação. Defendeu a constitucionalidade da norma, afirmando que o art. 180, VII, da Constituição do Estado é inconstitucional, porque ofende a autonomia municipal, consagrada pela Constituição Federal, fls. 341/354.

As contra-razões foram apresentadas  a fls. 360/375.

Parecer da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, pelo não provimento do recurso interposto, fls. 382/392.

Pelo v. Acórdão de fls. 410/424, a Décima Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça determinou a remessa dos autos a este Colendo Colegiado para atendimento da cláusula do artigo 97 da Constituição da República e da recente Súmula Vinculante n. 10, do Supremo Tribunal Federal.

Eis, em breve síntese, o relatório.

2) Da admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.

A questão de direito deve ser solucionada para que seja possível concluir-se o julgamento da apelação interposta pelo Prefeito Municipal de Franca.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a argüição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).

No caso em exame, salvo eventual equívoco, a quaestio iuris – que se restringe à verificação da constitucionalidade da Lei  n. 6.125/04, do Município de Franca – não foi examinada pelo Plenário ou Órgão Especial.

De outro lado, e, de acordo com pesquisa informatizada, não há notícia    de     que a   validade dessa norma foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada.     

Assim, considerando que (a) a solução da quaestio iuris é imprescindível para o julgamento do recurso de apelação, e (b) ainda não houve declaração de inconstitucionalidade a seu respeito pelo E. STF ou por esse E. Tribunal de Justiça, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

3) Fundamentação.

Inicialmente é de se consignar que o artigo 180 da Constituição do Estado de São Paulo, cuja constitucionalidade já foi proclamada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, sofreu alteração redacional por ocasião da Emenda n° 23, de 31 de janeiro de 2007, passando a ter o seguinte teor:

“As áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originais alterados, exceto quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização de:

a) loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social, destinados à população de baixa renda e cuja alteração esteja consolidada;

b) equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento”.

 

A mencionada Emenda Constitucional ainda acrescentou dois parágrafos ao art. 180 da Carta Paulista, sendo que o § 1° teve a seguinte redação:

“§ 1° - As exceções contempladas nas alíneas “a” e “b” do inciso VII deste artigo serão admitidas desde que a situação das áreas objeto de regularização esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação que se dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de compensação”.

Fica absolutamente cristalina a intenção do legislador paulista no sentido de permitir raras exceções à regra    geral    no      sentido    de que  nenhuma área verde ou institucional havida pelo Poder Público Municipal pode ter sua destinação alterada.

De fato, as áreas verdes e institucionais têm a função de proporcionar aos habitantes de determinada localidade onde se instituiu um núcleo de pessoas a possibilidade de,  sem  um deslocamento de grandes proporções, desfrutar de lazer e equilíbrio ambiental, bem como ter acesso aos equipamentos públicos indispensáveis a uma vida digna.

Ao permitir o desvirtuamento dos objetivos, finalidades e destinações destas áreas, o Poder Público penaliza o cidadão, que deixa de alcançar a qualidade de vida pretendida pelo legislador. Daí porque, o Parlamento Paulista, através da Emenda Constitucional n° 23, admitiu a ocorrência da alteração destas situações em casos excepcionalíssimos.

Realmente, conquanto tenha o Poder Legislativo    Paulista admitido aquelas exceções, estas foram aceitas apenas para regularizar certas situações já consolidadas, cuja reversão era impossível ou de dificílima ocorrência.

Assim, permitiu a Constituição Bandeirante, a partir da citada Emenda, que pudesse ocorrer a alteração daquelas situações jurídicas, quando as áreas verdes ou institucionais já estivem total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais ocupados por população de baixa renda, e já consolidados, bem como para manter equipamentos públicos não previstos originariamente para aqueles locais.

E, mesmo nas situações acima retratadas, o § 1° do art. 180 exige que as hipóteses de exceção já estivessem consolidadas até dezembro de 2004, e que fossem feitas compensações de áreas, nas imediações daquelas que tiveram a alteração.

Não é o caso dos autos !

Com efeito, conforme podemos verificar da documentação anexada à presente inicial, o diploma legal ora combatido autorizou a  concessão de direito real de uso de área pública institucional com 14.051,53 m2 (avaliada em R$ 1.260.00,00), à Associação Anteriormente mencionada.

 Não existe, portanto, o elemento constitucional necessário para a ocorrência da alteração de destinação, fim ou objetivos, qual seja, a necessidade de regularização pretendida pela Lei n° 6.125/04 de Franca, pois, não há naquela área  nenhum núcleo habitacional de baixa renda já consolidado, e nem equipamento público de uso diverso de destinação originária.

Como  é   possível    verificar     dos autos, a sustação dos efeitos da Lei n° 6.124/04, do Município de Franca, era de fato de extrema urgência, na medida em que enquanto esta estiver em vigência, fica o Poder Executivo municipal autorizado a alterar as destinações de  áreas institucionais.

  Por essas razões, o parecer é pela inconstitucionalidade  do dispositivo em epígrafe.

 

                          São Paulo, 19 de fevereiro de 2009.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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