Parecer
Autos nº 175.199-0/0-00
13ª Câmara de
Direito Público
Apelante:
Fazenda Pública do Estado de São Paulo
Apelados: (...)
Objeto: Lei
Federal nº 10.029/00 e Lei Estadual nº 11.064/02
Ementa:
1)Incidente de inconstitucionalidade. Lei Federal nº 10.029/00 e Lei Estadual nº 11.064/02. Contratação de policiais militares e bombeiros temporários.
2)Inexistência de inconstitucionalidade. Competência do legislador federal para editar normas gerais sobre as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (art. 22 XXI da CR/88). Competência do legislador estadual para legislar, sobre o tema, aplicando-se ainda as regras gerais previstas na CR/88 para os servidores públicos militares (regime jurídico dos servidores militares), no respectivo âmbito (art. 25 §1º; art. 42 § 1º; art. 142 §3º X, todos da CR/88).
3)Regime jurídico dos servidores públicos civis. Não extensão automática de direitos sociais do art. 7º da CR/88, mas apenas daqueles especificamente indicados na Constituição (art. 39 §3º da CR/88). Analogia com relação aos servidores militares. Disciplina específica, que deve ser estabelecida em lei.
4)Inconstitucionalidade inexistente.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
1)Relatório.
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 13ª Câmara de Direito Público desse E. Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do v. acórdão de fls.379/384, rel. des. Ivan Sartori, proferido nos autos da apelação cível com revisão nº 822.481-5/6-00, na sessão de julgamento realizada em 10.12.2008.
Por força da referida decisão, foi remetido o feito a esse C. Órgão Especial, para apreciação quanto a possível inconstitucionalidade da Lei Federal nº 10.029/00 e da Lei Estadual nº 11.064/02, que regulam a contratação de policiais militares e bombeiros em caráter temporário.
A demanda foi proposta por ex-soldados temporários da Polícia Militar do Estado de São Paulo, admitidos com fundamento na Lei Federal nº 10.029/00 e da Lei Estadual nº 11.064/02, buscando o reconhecimento de vínculo empregatício entre eles e o Poder Público Estadual, bem como o pagamento das verbas trabalhistas daí decorrentes, tais como férias, 13º salário e adicionais de insalubridade e periculosidade.
Em razão da procedência da ação, apelou a Fazenda do Estado de São Paulo, buscando inversão do resultado do processo, sendo presente, também, a hipótese do reexame necessário (art. 475 I do CPC).
Ao iniciar a apreciação do apelo e do reexame necessário, a C. 13ª Câmara de Direito Público, por unanimidade, suscitou o incidente de inconstitucionalidade, determinando a remessa dos autos a esse C. Órgão Especial, apresentando, no voto vencedor, a seguinte fundamentação para tal encaminhamento:
“ (...) Ocorre
que, da simples leitura das normas em foco, vê-se que, em verdade, não se trata
de prestação de serviço voluntário, dadas a exigência de jornada de trabalho
comum aos demais servidores públicos (40 horas semanais, fl. 330), aplicação de
sanções disciplinares e a natureza das funções a serem desempenhadas pelos
contratados, algumas típicas da instituição, tais como guarda de quartel e de
outras instalações estaduais, auxiliar do Centro das Operações Policiais e
atendente de telecomunicações (fl. 336), tudo a desvirtuar a natureza do
voluntariado.
Assim, em que pese expressa previsão
legal acerca da inexistência de vínculo empregatício e de obrigações de
natureza trabalhista (art. 6º § 2º da Lei Federal e art. 11 da Lei Estadual –
fls. 328 e 330), evidente o caráter temporário do serviço prestado, que foi
contratado em desrespeito aos preceitos constitucionais previstos no art. 7º da
Carta da República.
Inconstitucionais, então, as Leis
10.029/00 e 11.064/02, por possibilitar à Administração a contratação ilegal de
serviço temporário, sem garantia aos admitidos dos direitos constitucionalmente
assegurados, tais como férias e décimo terceiro salário.”
É o relato do essencial.
2)Juízo de
admissibilidade do incidente.
Estando presente, ao menos em tese, a discussão a respeito da incompatibilidade entre os atos normativos já referidos, e o texto da Constituição da República, mormente considerando a “cláusula de reserva de plenário” prevista no art. 97 da Carta Magna, o incidente deve ser admitido.
3)Mérito.
O objeto do presente incidente de inconstitucionalidade é a verificação quanto à existência ou não de incompatibilidade vertical, com relação ao ordenamento constitucional, das leis que criaram a figura do policial militar e do bombeiro temporários.
A contratação temporária, na hipótese, decorre da Lei Federal nº 10.029/00, e da Lei Estadual nº 11.064/02.
A Lei Federal nº 10.029/00, conforme respectiva rubrica
estabelece normas gerais para a “prestação
voluntária de serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de
defesa civil nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros e dá outras
providências”.
Eis o teor da referida lei:
“LEI Nº. 10.029,
DE 20 DE OUTUBRO DE 2000.
Estabelece normas gerais para a prestação
voluntária de serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de
defesa civil nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares e dá
outras providências.
Art. 1º. Os
Estados e o Distrito Federal poderão instituir a prestação voluntária de
serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil
nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares, observadas as
disposições desta Lei.
Art. 2º. A
prestação voluntária dos serviços terá duração de um ano, prorrogável por, no
máximo, igual período, a critério do Poder Executivo, ouvido o Comandante-Geral
da respectiva Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militar.
Parágrafo único.
O prazo de duração da prestação voluntária poderá ser inferior ao estabelecido
no caput deste artigo nos seguintes casos:
I – em virtude
de solicitação do interessado;
II – quando o
voluntário apresentar conduta incompatível com os serviços prestados; ou
III – em razão
da natureza do serviço prestado.
Art. 3º. Poderão
ser admitidos como voluntários à prestação dos serviços:
I – homens,
maiores de dezoito e menores de vinte e três anos, que excederem às
necessidades de incorporação das Forças Armadas; e
II – mulheres,
na mesma faixa etária do inciso I.
Art. 4º. Os
Estados e o Distrito Federal estabelecerão:
I – número de
voluntários aos serviços, que não poderá exceder a proporção de um voluntário
para cada cinco integrantes do efetivo determinado em lei para a respectiva
Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militar;
II – os
requisitos necessários para o desempenho das atividades ínsitas aos serviços a
serem prestados; e
III – o critério
de admissão dos voluntários aos serviços.
Art. 5º. Os
Estados e o Distrito Federal poderão estabelecer outros casos para a prestação
de serviços voluntários nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros
Militares, sendo vedados a esses prestadores, sob qualquer hipótese, nas vias
públicas, o porte ou o uso de armas de fogo e o exercício do poder de polícia.
Art. 6º. Os
voluntários admitidos fazem jus ao recebimento de auxílio mensal, de natureza
jurídica indenizatória, a ser fixado pelos Estados e pelo Distrito Federal,
destinado ao custeio das despesas necessárias à execução dos serviços a que se
refere esta Lei.
§ 1º O auxílio
mensal a que se refere este artigo não poderá exceder dois salários mínimos.
§ 2º. A
prestação voluntária dos serviços não gera vínculo empregatício, nem obrigação
de natureza trabalhista, previdenciária ou afim.
Art. 7º.o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Tal diploma estabeleceu, em síntese:
(a) que o serviço voluntário consistirá em prestação de atividades administrativas e serviços auxiliares de saúde e defesa civil (art.1º);
(b) será pelo prazo de um ano, prorrogável uma única oportunidade por no máximo um ano (art. 2º);
(c) condições e requisitos para a prestação do serviço voluntário (art. 3º e 4º).
No Estado de São Paulo, acolhendo proposta do Senhor Governador, a Assembléia Legislativa aprovou, e foi sancionada, a Lei Estadual nº 11.064/02, que, conforme respectiva rubrica, “Institui o Serviço Auxiliar Voluntário na Polícia Militar do Estado”.
Eis o inteiro teor do diploma estadual:
“LEI Nº 11.064,
DE 08 DE MARÇO DE 2002.
Institui o
Serviço Auxiliar Voluntário na Polícia Militar do Estado.
O GOVERNADOR DO
ESTADO DE SÃO PAULO:
Faço saber que a
Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:
Artigo 1º - Fica
instituído na Polícia Militar do Estado, nos termos da Lei federal nº 10.029,
de 20 de outubro de 2000, o Serviço Auxiliar Voluntário, obedecidas as
condições previstas nesta lei.
Parágrafo único
- O voluntário que ingressar no serviço de que trata esta lei será denominado
Soldado PM Temporário e estará sujeito, no que couber, às normas aplicáveis aos
integrantes da Polícia Militar.
Artigo 2º - O
Serviço Auxiliar Voluntário objetiva:
I - proporcionar
a ocupação, qualificação profissional e renda aos jovens que especifica,
contribuindo para evitar o seu envolvimento em atividades anti-sociais;
II - aumentar o
contingente de policiais nas atividades diretamente ligadas à segurança da
população.
Artigo 3º - O
Serviço Auxiliar Voluntário, de natureza profissionalizante, tem por finalidade
a execução de atividades administrativas, de saúde e de defesa civil.
Parágrafo único
- No exercício das atividades a que se refere o "caput" deste artigo,
ficam vedados, sob qualquer hipótese, nas vias públicas, o porte ou o uso de
arma de fogo e o exercício do poder de polícia.
Artigo 4º - O
recrutamento para o Serviço Auxiliar Voluntário deverá ser precedido de
autorização expressa do Governador do Estado, mediante proposta fundamentada do
Comandante Geral da Polícia Militar, observado o limite de 1 (um) Soldado PM
Temporário para cada 5 (cinco) integrantes do efetivo total fixado em lei para
a Polícia Militar.
Artigo 5º - O
ingresso no Serviço Auxiliar Voluntário dar-se-á mediante aprovação em prova de
seleção, além do preenchimento dos seguintes requisitos:
I - se homem,
ser maior de 18 (dezoito) anos e menor de 23 (vinte e três) anos, que excederem
às necessidades de incorporação das Forças Armadas;
II - se mulher,
estar na mesma faixa etária a que se refere o inciso anterior;
III - estar em
dia com as obrigações eleitorais;
IV - ter
concluído o ensino fundamental;
V - ter boa
saúde, comprovada mediante apresentação de atestado de saúde expedido por órgão
de saúde pública ou realização de exame médico e odontológico na Polícia
Militar, a critério desta;
VI - ter aptidão
física, comprovada por testes realizados na Polícia Militar;
VII - não ter
antecedentes criminais, situação comprovada mediante a apresentação de
certidões expedidas pelos órgãos policiais e judiciários estaduais e federais,
sem prejuízo de investigação social realizada pela Polícia Militar, a critério
desta;
VIII - estar
classificado dentro do número de vagas oferecidas no edital da respectiva
seleção;
IX - estar em
situação de desemprego;
X - não ser
beneficiário de qualquer outro programa assistencial;
XI - não haver
outro beneficiário do Serviço Auxiliar Voluntário, no seu núcleo familiar.
Artigo 6º - O
prazo de prestação do Serviço Auxiliar Voluntário será de 1 (um) ano,
prorrogável por igual período, desde que haja manifestação expressa do Soldado
PM Temporário e interesse da Polícia Militar.
§ 1º - O pedido
de prorrogação deverá ser protocolado na organização policial militar em que
estiver em exercício o Soldado PM Temporário, 60 (sessenta) dias antes da data
de encerramento do período de prestação do serviço.
§ 2º - Findo o
prazo previsto no "caput" deste artigo e não havendo manifestação
expressa do Soldado PM Temporário, não havendo interesse da Polícia Militar ou
não sendo mais possível a prorrogação, será ele desligado de ofício.
Artigo 7º - O
desligamento do Soldado PM Temporário ocorrerá nas seguintes hipóteses:
I - ao final do
período de prestação do serviço, nos termos do artigo 5º desta lei;
II - a qualquer
tempo, mediante requerimento do Soldado PM Temporário;
III - quando o
Soldado PM Temporário apresentar conduta incompatível com os serviços
prestados;
IV - em razão da
natureza do serviço prestado.
Artigo 8º - São
direitos do Soldado PM Temporário:
I - freqüência a
curso específico de treinamento, a ser ministrado pelas Organizações Policiais
Militares, cuja duração será de 90 (noventa) dias;
II - auxílio
mensal equivalente a 2 (dois) salários mínimos;
III - alimentação
na forma da legislação em vigor;
IV - uso de
uniforme, exclusivamente em serviço, com identificação ostensiva da condição de
Soldado PM Temporário;
V - contar, como
título, em concurso público para Soldado PM de 2ª Classe, 1 (um) ponto para
cada ano de serviço prestado;
VI - assistência
médica, hospitalar e odontológica, prestada pela Polícia Militar.
Artigo 9º - O
Soldado PM Temporário estará sujeito à jornada semanal de 40 (quarenta) horas
de trabalho.
Artigo 10 -
Deverá ser contratado, para todos os integrantes do Serviço Auxiliar
Voluntário, seguro de acidentes pessoais destinado a cobrir os riscos do
exercício das respectivas atividades.
Artigo 11 - A
prestação do Serviço Auxiliar Voluntário não gera vínculo empregatício, nem
obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim.
Parágrafo único
- Fica vedada a criação de cargos em decorrência da instituição do Serviço
Auxiliar Voluntário.
Artigo 12 - Os
municípios poderão responsabilizar-se pelos custos dos Soldados PM Temporários
em exercício nas Organizações Policiais Militares sediadas nos respectivos
territórios, incumbindo à Polícia Militar, mediante planejamento estratégico,
observadas as prioridades administrativas e a disponibilidade de recursos,
empregar os policiais militares por eles substituídos nas atividades
operacionais locais, na forma a ser definida em convênio.
Artigo 13 - O
Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo poderá baixar
instruções complementares necessárias à aplicação do disposto nesta lei.
Artigo 14 - As
despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão à conta das dotações
consignadas no orçamento da Secretaria da Segurança Pública.
Artigo 15 - Esta
lei entra em vigor na data de sua publicação.”
De conformidade com o v. acórdão que rendeu ensejo à instauração do incidente, a inconstitucionalidade decorreria do desrespeito ao teor das normas de garantia previstas no art. 7º da Constituição da República, em especial aquelas de natureza pecuniária, decorrentes da existência de vínculo “empregatício” entre o policial temporário e o Poder Público.
Pois bem.
De acordo com o art. 22 XXI da CR/88, é competência da União legislar sobre “normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares”.
À competência privativa da União para edição de regras gerais a respeito do funcionamento das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, entretanto, associa-se a competência dos Estados-membros para se desincumbir de seu dever de prestar os serviços e os meios para a realização da segurança pública, bem como, através de lei própria, disciplinar a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela referida atividade (cf. art. 144 caput e § 7º, c.c. o art. 25 § 1º da CR/88).
Assim, é possível afirmar que cabe efetivamente à União legislar, de forma geral, a respeito do regime jurídico dos servidores militares, visto que, nos termos do art. 142 § 3º X na CR/88, a lei disporá, entre outras coisas, sobre “os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares”. Cabe-lhe, ainda, traçar as diretrizes a serem observadas pelos Estados-membros na regulamentação do regime daqueles que integram as corporações policiais estaduais, como visto, por força do disposto no art. 22 XXI da CR/88.
No exercício dessas competências, foram editados os dois atos normativos questionados no presente incidente, ou seja, a Lei Federal nº 10.029/00, e a Lei Estadual nº 11.024/02.
Nos limites de sua competência, pode o Estado de São Paulo, assim, legislar a respeito do regime jurídico dos servidores públicos, entre os quais se incluem os servidores militares (integrantes da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo).
Anote-se, a propósito, que a iniciativa na matéria é reservada pela Constituição Bandeirante, expressamente, ao Chefe do Executivo Estadual. O art. 25 § 2º n. 5 da Carta Paulista determina caber ao Governador do Estado a iniciativa de lei sobre “militares, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para inatividade, bem como a fixação ou alteração do efetivo da Polícia Militar”.
Não há dúvida, destarte, quanto à possibilidade de edição de lei federal fixando normas gerais e lei estadual, tratando do regime jurídico dos servidores militares. Resta saber se, ao legitimamente valer-se de sua competência legislativa, tanto o legislador federal como o estadual, editaram leis materialmente inconstitucionais.
Nos termos em que foi prevista a contratação de “Serviço Auxiliar Voluntário” pela Polícia Militar do Estado, chega-se à conclusão de que essa modalidade de ingresso no serviço público apresenta certa similaridade com a hipótese de contratação temporária de servidores públicos civis.
Nesse sentido, é relevante observar que, na Lei Estadual nº 11.064/02, por exemplo, há previsão de que:
(a) o ingresso do Soldado PM temporário decorre de processo seletivo, e do preenchimento dos inúmeros requisitos previstos na lei (art. 5º caput e incisos);
(b) o prazo de prestação do serviço de auxiliar voluntário será de um ano, prorrogável por igual período (art. 6º caput);
(c) além de outros direitos inerentes ao exercício da função, o policial temporário percebe mensalmente auxílio equivalente a dois salários-mínimos (art. 8º II);
(d) a jornada semanal dos policiais temporários é de quarenta horas de trabalho (art. 9º), não gerando vínculo empregatício ou obrigações de natureza trabalhista, previdenciária ou afim (art. 11);
(e) a contratação temporária se dá sem a criação de cargos (art. 11 parágrafo único);
(f) aplicam-se aos temporários, no que for cabível, as regras relativas ao regime jurídico dos policiais militares efetivos (art. 1º parágrafo único).
A matriz constitucional da contratação temporária de servidores públicos está assentada, na Constituição da República, no art. 37 IX, e na Carta Paulista no art. 115 X.
Os requisitos e limites para a contratação temporária foram
assentados pelo E. STF, como se infere do seguinte julgado:
“A regra é a admissão de servidor público mediante concurso
público: CF, art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em
comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por
tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as
seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos; b) tempo
determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse
público excepcional. Lei 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que
autoriza o Poder Executivo a contratar, temporariamente, defensores públicos:
inconstitucionalidade.” (ADI 2.229, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em
9-6-04, DJ de 25-6-
Como
se vê, e diverso não poderia ser, a interpretação quanto à possibilidade de
contratação de servidores sem concurso é restritiva, considerada sua
excepcionalidade, bem como a premissa geral que o acesso ao serviço público
deve ser feito mediante concurso (cf. art. 37 II da CR/88; e art. 115 II da
Carta Bandeirante).
No
mesmo sentido se posiciona a doutrina.
Confira-se:
Hely Lopes Meirelles, Direito
Administrativo Brasileiro, 34ªed., São Paulo, Malheiros, 2008, p.445/446;
Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito
Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p.251; Maria Sylvia Zanella Di
Pietro, Direito Administrativo,
19ªed., São Paulo, Atlas, 2006, p.511/512; José Afonso da Silva, Comentário Contextual à Constituição,
São Paulo, Malheiros, 2005, p.339).
Uma
das premissas fundamentais para a contratação temporária, portanto, é que se dê
por “tempo determinado” e para atender a “necessidade temporária de excepcional
interesse público”. O caráter temporário é, assim, a nota fundamental da
espécie. A urgência, a impossibilidade de previsão tempestiva para fins de
realização de concurso, e a ausência de perenidade, definem a figura que
decorre do permissivo constitucional.
No
caso dos policiais contratados em caráter temporário, a temporariedade se dá,
de fato, na contratação, tendo em vista que é realizada com o limite temporal
máximo de dois anos, considerada a possibilidade de uma prorrogação. Não se dá,
entretanto, na própria instituição da figura do policial temporário: trata-se,
aqui, de contratação de servidor para atividade absolutamente previsível,
permanente e ordinária, realizada no âmbito da atividade-meio na instituição
policial militar.
Nesse
sentido, basta notar que a própria Lei Estadual nº 11.064/02, no art. 3º, prevê
que o “Serviço Auxiliar Voluntário, de
natureza profissionalizante, tem por finalidade a execução de atividades
administrativas, de saúde e de defesa civil”.
Em
outras palavras, os policiais temporários são empenhados no exercício de
atividades administrativas que compõem parcela das funções dos policiais
militares de carreira. Daí sua previsibilidade e permanência.
Esse
quadro poderia conduzir, numa interpretação sumária e literal, à conclusão no
sentido de que a previsão legal seria inconstitucional, por ferir os limites
constitucionais à contratação de servidores temporários.
Entretanto,
realizando-se interpretação sistemática e finalista chegar-se-á a conclusão
diversa.
Embora a contratação de policiais temporários
tenha certa similitude com a hipótese sugerida pelo permissivo constitucional
contido no art.37 IX da CR/88, e no art. 115 X da Carta Paulista, a figura se
apresenta, em nosso sentir, distinta.
É
necessário ponderar que os servidores militares são servidores públicos, mas, a
aplicação do regime jurídico destes àqueles se dá apenas dentro do que couber.
É que os servidores militares estão submetidos a peculiaridades próprias,
inerentes à especial natureza das instituições militares, e das
particularidades indissociáveis de suas funções.
A
propósito do tratamento parcialmente diferenciado dos servidores públicos
militares, basta recordar que, aos militares estaduais, o art. 42 § 1º da CR/88
determina aplicação de disposições que regulam do regime dos servidores
militares federais (art. 142 §§ 2º e 3º da CR/88), prevendo ainda que lei
estadual específica disciplinará matérias contidas no art. 142 § 3º X da CR/88,
ou seja, além do ingresso na força policial, “os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência
do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as
prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as
peculiaridades de suas atividades”
Essa
diversidade de situações, como fator de discrímen legitimador para o tratamento
diferenciado, se manifesta, por exemplo, na diversidade do regime
previdenciário, e nas diferentes condições para a passagem para a inatividade
dos integrantes das corporações militares, quando formulado o cotejo com os
servidores civis em situação análoga.
Também
se manifesta na existência de legislação processual penal e penal específica,
como, aliás, já assentou o próprio E. STF, ao aduzir que “o tratamento diferenciado decorrente dos referidos Códigos tem
justificativa constitucionalmente aceitável em face das circunstâncias
peculiares relativas aos agentes e objetos jurídicos protegidos."
(RE 115.770, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 29-10-91, DJ de 21-2-
Nesse
contexto, a interpretação sistemática do perfil constitucional dos servidores
públicos militares federais e estaduais, bem como o respectivo regime de
recrutamento de pessoal, leva-nos a admitir a viabilidade do estabelecimento
por lei, sem qualquer ofensa ao regime do concurso público, da contratação por
processo seletivo de servidores militares em caráter temporário.
Igualmente,
nessa perspectiva, apresenta-se legítima a solução no sentido de que não se
estabeleça vínculo de emprego ou estatutário com a Administração Militar, sendo
mais adequada a conclusão de que ostentam condição de certo modo similar à
figura dos conscritos, que se encontram em serviço militar obrigatório.
Isso
legitima, também, a conclusão no sentido de que não há ilegitimidade
constitucional nos diplomas aqui examinados, com a devida vênia com relação aos
fundamentos apontados para chegar-se à posição assumida pelo i. magistrado
sentenciante em primeira instância, bem como pela C. 13ª Câmara de Direito
Público desse E. Tribunal de Justiça ao suscitar este incidente.
Essa
afirmação é válida, especialmente com relação à perspectiva adotada nos
julgados acima referidos, no sentido de que as leis examinadas seriam
verticalmente incompatíveis com o art. 7º da Constituição da República, que arrola
os direitos sociais dos trabalhadores rurais e urbanos.
É
oportuno afirmar que a aplicação dos direitos previstos no art. 7º da CR/88 aos
servidores públicos não é automática, e não decorre de forma direta do aludido
dispositivo.
Ao
contrário, há disciplina expressa a esse respeito, e encontra-se no art. 39 §
3º da CR/88, que indica precisamente, em rol taxativo, quais são os direitos,
entre aqueles previstos no art. 7º da Carta Magna, que são aplicáveis aos
servidores públicos titulares de cargos, regidos, portanto, pelo regime
estatutário, e não pela Consolidação das Leis do Trabalho.
A
esse respeito, ensina Hely Lopes Meirelles que a Constituição, tratando dos
servidores públicos, “detalhou seus
direitos, indicando especificamente os que lhe são extensivos dentre os
reconhecidos aos trabalhadores urbanos e rurais (CF, art. 7º)” (Direito Administrativo Brasileiro, cit.,
p.481).
No
mesmo sentido é o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo, cit., p. 576),
ao afirmar, textualmente, que o art. 39 § 7º da CR/88 “estende aos servidores ocupantes de cargos públicos” os direitos sociais previstos no art. 7º da
Lei Maior. Esse alcance, evidentemente, só pode decorrer daquilo que foi
expressamente discriminado na Constituição da República.
Como
a lei não contém palavras inúteis, caso fosse correto o entendimento de que
todos os direitos sociais dos trabalhadores (regime da Consolidação das Leis do
Trabalho) são extensíveis, automaticamente, aos servidores públicos, o art. 39
§ 3º da CR/88 não teria razão de ser.
Ora,
se há nítidas distinções entre servidores públicos ocupantes de cargos
(estatutários) e empregados, privados ou públicos (regidos pela CLT), com maior
razão, consideradas as peculiaridades do serviço policial militar, o tratamento
jurídico dos respectivos quadros deve ser – e efetivamente é – distinto.
Isso
legitima as conclusões no sentido de que: (a) há dispositivos constitucionais
que, expressamente, conferem aos servidores públicos militares federais e
estaduais um regime jurídico diferenciado, quando posto em cotejo com os
servidores civis, e com maior razão, com os trabalhadores em geral; (b) cabe ao
legislador federal editar normas gerais a respeito do regime jurídico dos
servidores militares estaduais, sem prejuízo da competência do legislador
estadual para regular especificidades na matéria; (c) não se revela qualquer
inconstitucionalidade nas leis em exame, seja pela forma de contratação dos
temporários (processo seletivo), seja quanto à não especificação de direitos
sociais que poderiam ser aplicáveis a eles, visto que determinar ou não essa
aplicação, é nada mais que uma opção política do legislador.
Anote-se
ainda, finalmente, que em julgados de colegiados fracionários dessa C. Corte
Estadual, tem sido reconhecida a legitimidade do regime diferenciado dos
policiais militares temporários, conforme precedentes indicados a seguir:
apelação nº 834.192.5/0-00, rel. des. Luiz Burza Neto; apelação nº
422.122.5/2-00, rel. des. Antônio Rulli; apelação nº 520.057-5/00, rel. des.
Nogueira Diefenthaler.
3)Conclusão.
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido de que o incidente de inconstitucionalidade
seja conhecido, reconhecendo-se, entretanto, a constitucionalidade da
Lei Federal nº 10.029/00 e da Lei Estadual nº 11.064/02.
São Paulo, 03 de março de
2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
rbl