Parecer
Autos nº. 175.795-0/0-00
Suscitante: 2ª. Câmara de Direito Criminal
Objeto: Art. 180, § 1º, do Código Penal
Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 180, § 1º, do Código Penal (Receptação qualificada). Inocorrência de violação ao princípio da proporcionalidade. A conduta descrita no art. 180, § 1º, do Código Penal é mais gravosa do que aquela descrita no caput do dispositivo, eis que voltada para a prática delituosa do comerciante ou industrial, que, pela própria atividade profissional, possui maior facilidade para agir como receptador de mercadoria ilícita. Não obstante a falta de técnica na redação do dispositivo, a modalidade qualificada do § 1º abrange tanto o dolo direto como o dolo eventual, ou seja, alcança a conduta de quem ‘sabe’ e de quem ‘deve saber’ ser a coisa produto de crime. Se o tipo pune a forma mais leve de dolo (eventual), a conclusão lógica é de que, com maior razão, também o faz em relação à forma mais grave (dolo direto), ainda que não o diga expressamente. Parecer pela constitucionalidade do dispositivo questionado.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado, por maioria de votos, pela colenda 2ª Câmara de Direito Criminal no julgamento de apelação (com revisão) interposta por (...) contra a respeitável sentença do Juízo da 2ª. Vara da Comarca de Leme/SP, que o condenou às penas de quatro anos de reclusão e 13 dias-multa, como incurso no artigo 180, § 1º, c.c. o art. 71, do Código Penal (fls. 174/182).
Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 180, § 1º, do Código Penal .
Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPP).
Este é resumo do que consta dos autos.
O venerando acórdão cogita da inconstitucionalidade do art. 180, § 1º, do Código Penal, à luz do princípio da proporcionalidade. Considera que a violação do § 1º do artigo 180 do Código Penal é pertinente à prática de crime na forma de dolo eventual e a violação do artigo 180, caput, do Código Penal é referente a cometimento de crime na forma de dolo direto. Este delito é mais grave do que aquele e, portanto, não se admite o rigor penal estabelecido para o primeiro.
Concessa venia, a argüição de inconstitucionalidade não merece êxito porque inocorrente incompatibilidade com o princípio da proporcionalidade.
Com efeito, assim dispõem os incisos XLVI e LIV do art. 5º da Constituição de 1988:
“Art. 5º. (...)
XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
(...)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
O Código Penal assim cunha o delito de receptação no caput e nos §§ 1º e 2º do art. 180, na redação dada pela Lei n. 9.246/96, in verbis:
“Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.
§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência”.
O tipo penal da receptação qualificada pune o comerciante ou industrial, que pratica a ação criminosa, no exercício de sua atividade, mesmo irregular ou clandestina ou na residência (estas figuras equiparadas). Como preleciona Cezar Roberto Bitencourt:
“todas as condutas relacionadas no § 1º somente tipificarão a ‘receptação qualificada’ se visarem a proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, seja ele regular, irregular ou clandestino” (Tratado de Direito Penal, Parte Especial, São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 3, p. 394).
No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci destaca que o legislador introduziu a figura típica do § 1º do art. 180, do Código Penal:
“tendo por finalidade atingir os comerciantes e industriais que, pela facilidade que atuam no comércio, podem prestar maior auxilio à receptação de bens de origem criminosa” (Código Penal Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 2ª ed., p. 601).
Por fim, Mirabete esclarece que:
“sujeito ativo deve ser comerciante ou industrial. Trata-se, pois, de crime próprio que só pode ser praticado por essas pessoas. Entretanto, é de se ressaltar que não se exige um ato de comércio legal, regular, pois a própria lei prevê, no § 2º, que está equiparada à atividade comercial, para esse efeito penal, ‘qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência’(..)” (Manual de Direito Penal, Parte Especial, São Paulo: Atlas, 2005, 23ª ed., vol. II, p. 362).
Não há qualquer incongruência na punição mais severa do crime de receptação qualificada.
Não se discute que esse tipo penal, com a redação dada pela Lei nº 9.426/96, pune o comerciante ou industrial que, no exercício de sua atividade, comete a receptação.
A única razão para distinguir a conduta é para impor uma sanção penal mais grave ao crime próprio cometido por comerciante ou industrial.
Convém lembrar, também, a discussão legislativa que justificou o tratamento mais severo do tipo penal em apreço.
A Lei 9.426, de 24 de dezembro de 1996, reproduziu fielmente o Projeto de Lei n. 725, de 1995, enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional. Justificou-se na Mensagem n. 784 (que acompanhou o projeto de lei) a razão da necessidade de alteração legislativa, bem esclarecedora de seu escopo:
“7. As propostas de modificação ao art. 180 têm dois objetivos: ampliar o rol de condutas da receptação, a fim de aprimorar a repressão quanto àquele que transporta ou conduz a coisa que sabe ser produto de crime. Na sistemática vigente, tal conduta ou se ajusta ao favorecimento real (art. 349 do Código Penal), crime de menor gravidade, ou é forma de participação no furto ou na receptação. O novo enquadramento é mais adequado porque nem sempre aquele que transporta ou conduz objeto do crime participa do furto ou roubo, ou de receptação. Além disso, a inovação afronta problemas da natureza processual especialmente quanto à competência, quando o furto ou roubo foi cometido em comarca distante. A inclusão dos núcleos propostos permite a repressão direta e autônoma, sem prejuízo, é claro, de acusação por participação em crime mais grave se isso se demonstrar.
8. Por outro lado, cria-se a figura de receptação qualificada para aquele que faz da receptação um comércio, ainda que clandestino, conduta de maior gravidade e dano social do que a receptação individualizada ou simples. A grande incidência da receptação na atualidade, fator preponderante da ampliação dos casos de furto e roubo, é a receptação profissional, que vem, em geral, acompanhada do desmonte da coisa para venda dos componentes, dificultando sua identificação e recuperação. Nos dias de hoje, a receptação simples é insuficiente para coibir a atividade dos chamados ‘desmanches’ de veículos, jóias, computadores e outros equipamentos. Daí a proposta da figura qualificada, com pena significativamente maior.
(...)
Espera-se, com essas propostas de inovação, dar aos órgãos de persecução penal os instrumentos legais adequados à repressão de uma grave e crescente forma da criminalidade, no momento em que avultam os prejuízos patrimoniais, acompanhados, em grande número de casos, de violência contra a pessoa, corrupção e de criminalidade organizada”.
De fato, o tipo subjetivo do art. 180, § 1º, do Código Penal utiliza-se da expressão “deve saber produto de crime”. Contudo, a melhor interpretação para a espécie é a de que esse dispositivo não pode ser interpretado literalmente. A incriminação do tipo penal foi assim disposta não só para alcançar aquele que age com dolo direto, mas principalmente o comerciante ou industrial que atua com dolo eventual.
Luiz Régis Prado bem resume o problema:
“O tipo subjetivo centra-se na expressão deve saber empregada pelo legislador. Consigne-se, por oportuno, que o saber, no delito de receptação, implica o conhecimento pleno e absoluto por parte do agente da procedência criminosa da coisa por ele obtida. O dever saber, empregado na receptação qualificada, não expressa esta certeza sobre a realidade e, sim, um juízo de dúvida a respeito da origem criminosa da res. O agente, porém, mesmo diante de tal circunstancia, prefere continuar a sua conduta tendente à produção do resultado e ‘entre o renunciar à conduta e o risco de com ela concretizar o tipo, prefere essa atitude em detrimento daquela. Isso quer dizer que o agente opera com dolo eventual’. O elemento subjetivo especial do tipo está representado pelo particular fim de agir do agente, consistente em obter proveito ilícito para si ou para outrem (animus lucrandi).
Costuma-se apontar que a expressão deve saber constitui elemento subjetivo do injusto. Contudo, deve ser repelida tal tese, já que antes do advento da Lei nº 9.426/96 era pacífico o entendimento de que a receptação dolosa só era admissível através do dolo direto e a inovatio legis teve por escopo permitir a incriminação ainda quando o agente atue com dolo eventual. Discute-se, também, se na hipótese de o agente atuar com dolo direto deve responder pela norma em estudo, já que o legislador utilizou-se tão-somente da expressão deve saber. A péssima redação da norma, aliada à interpretação literal, leva, de fato, ao entendimento preconizado por alguns de que a norma incriminadora não abrange a conduta de quem ‘age com dolo direto’. No entanto, a intenção do legislador foi de que não apenas o dolo direto como também o dolo eventual implicarão no reconhecimento do crime de receptação. No caso, o legislador disse menos do que queria expressar e deve-se buscar o espírito normativo, ampliando-se o alcance da expressão utilizada no tipo, aplicando-se, por conseguinte, a interpretação extensiva” (Curso de Direito Penal Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, 2000, pp. 604-605 – g.n.).
Com a mesma percuciência, Guilherme de Souza Nucci explica:
“(...) Ocorre que, a despeito do princípio da reserva legal, não se proíbe no direito penal o emprego da interpretação extensiva, nem tampouco da interpretação teleológica. O que se vê na aparente contradição existente entre o caput e o § 1º do art. 180 é a mesma situação ocorrente com inúmeros outros dispositivos que contam com a mesma imprecisão técnica do legislador. É evidente que a conduta mais grave é a do § 1º, que é uma autêntica receptação qualificada, alterando-se o mínimo e o máximo abstratamente fixados para a pena. Quando o delito for cometido por comerciante ou por um industrial, possuidor de maior facilidade para cometer receptações, diante da sua própria atividade profissional que lhe fornece infra-estrutura (como o mencionado caso dos ‘desmanches’), tanto que o tipo penal, no caso do § 1º, usa os verbos ‘ter em depósito’, ‘desmontar’, ‘montar’, ‘remontar’, ‘vender’, ‘expor à venda’, não elencados no caput, é lógico que é muito mais grave do que a receptação simples. Houve um lapso na redação da figura qualificada, que merecia, expressamente, as expressões ‘que sabe ou deve saber ser produto de crime’. Entretanto, não cremos ser suficiente tal omissão para haver total desprezo à pena fixada no preceito secundário. Lembremos que também a pena obedece ao princípio da legalidade, bem como ao princípio da indeclinabilidade, não podendo deixar de ser aplicada por conta da vontade do juiz. Assim, pensamos ser o caminho mais adequado interpretar com lógica o pretendido pelo legislador (...)” (Código Penal Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 2ª ed., pp. 602-603 – g.n.).
Como se vê, a conduta prevista no art. 180, § 1º, do Código Penal é, na verdade, mais grave que aquela prevista no caput deste mesmo dispositivo, porque atinge uma modalidade de receptação mais lesiva para a sociedade e, além disso, contenta-se com o simples dolo eventual para incriminar o agente.
Pese a decisão monocrática do eminente Ministro Celso de Mello, seu entendimento não é unânime nem majoritário no Supremo Tribunal Federal, como se verifica de recente julgamento posterior à sua emissão, da lavra da eminente Ministra Ellen Gracie, adiante transcrito e a cujos fundamentos se reporta:
“1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão
da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
assim ementado (fls. 1102/1103): ‘APELAÇÃO-CRIME. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
MAJORADA. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. É de rigor a condenação nos
termos do artigo 168, § 1º, III, do Código Penal, quando há nos autos elementos
que demonstram terem os agentes se apropriado indevidamente de carga por um
deles transportada na condição da caminhoneiro a fim de vendê-la a pessoa
previamente contatada e ciente da prática ilícita. FALSA COMUNICAÇÃO DE CRIME. MATERIALIDADE E
AUTORIA. COMPROVAÇÃO. Tendo os agentes registrado ocorrência policial dando
conta do roubo do caminhão que, na verdade, após terem-no usado para
transportar carga da qual se apropriaram, abandonaram em um posto de
combustíveis, é certa a ocorrência do delito tipificado no artigo 340 do Código
Penal. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA.
MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO . A condenação nos termos do artigo 180, §
1º, do Código Penal, é medida imperativa quando o acusado adquiriu carga de
couro, no exercício da atividade comercial, sabendo que se tratava de produto
de origem ilícita. MANUTENÇÃO DA GUARDA
E OCULTAÇÃO DE ARMA DE FOGO. MATERIALIDADE E AUTORIA. A confissão do réu no
sentido de que mantinha sob guarda e ocultava em sua chácara arma de fogo sem autorização
legal, roborada pela apreensão do artefato em tal local e pelos depoimentos de
testemunhas, é suficiente para a condenação nos moldes do artigo 10, ‘caput’ da
Lei nº 9437/97. USO DE DOCUMENTO FALSO.
MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO . Tendo o agente apresentado à autoridade
policial notas fiscais falsas, buscando isentar-se da responsabilidade pelo
delito de receptação, resta caracterizado o crime de uso de documento
falso. PENAS. ALTERAÇÃO. Denotando as
circunstâncias judiciais do delito a necessidade de imposição de reprimenda
mais severa, é de rigor seu redimensionamento justamente para alcance dos fins
preventivo e retributivo. À
unanimidade, deram parcial provimento do apelo ministerial: a) para condenar
Justino Nunes Saggiorato por incurso nos termos do artigo 304 do Código Penal,
à pena de um 01 ano e 06 meses de reclusão e ao pagamento de 20 dias-multa no
valor de 1/5 do salário mínimo cada dia, e estabelecer o regime inicialmente
fechado para cumprimento das penas a ele impostas; b) para redimensionar a pena
privativa de liberdade de Mário Giussani para 02 anos e 04 meses de reclusão
por incurso nos termos do artigo 168, § 1º, III, do Código Penal; c) e para
redimensionar a pena de Adelino José Dalla Riva para 03 anos, 06 meses e 20
dias de reclusão em regime inicialmente fechado e 60 dias-multa por incurso nos
ditames do artigo 168, § 1º, III, do Código Penal. Por maioria, deram parcial
provimento do apelo de Justino Nunes Saggiorato a fim de reduzir para 1/5 do
salário-mínimo o valor do dia-multa cominado em face dos delitos tipificados
nos artigos 180, § 1º, do Código Penal, e 10, ‘caput’, da Lei nº 9437/97, bem
como para reduzir para 20 o número de dias-multa aplicados em decorrência deste
ilícito. À unanimidade, negaram provimento aos apelos de Mário Giussani e
Adelino José Dalla Riva’. Deste
acórdão, interpôs o recorrente embargos infringentes visando reconhecer como
prevalente o voto vencido que dava parcial provimento ao recurso de apelação
para reduzir a pena aplicada em relação ao delito do art. 180, § 1º, do Código
Penal, entendendo que a mesma viola o princípio da proporcionalidade. Os embargos infringentes foram rejeitados
pelo Quarto Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos
seguintes termos: ‘EMBARGOS
INFRINGENTES. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. DOLO EVENTUAL. APENAMENTO SUPERIOR AO
FIXADO AO DOLO DIRETO. PROPORCIONALIDADE. Não se resumindo o maior apenamento
da forma qualificada meramente ao elemento anímico do agente, mas também a
outros fatores ensejadores de maior reprovação social, não há falar em
aplicação da pena do ‘caput’ do artigo 180 do Código Penal à figura
qualificada, porquanto não constatada ofensa ao princípio constitucional da
proporcionalidade. Referendada decisão da maioria. Embargos rejeitados, por
maioria’. Inconformado, o recorrente
interpôs embargos de declaração que também foram rejeitados, de acordo com a
seguinte ementa: ‘EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. REJEIÇÃO. Não demonstrado ser o acórdão omisso, inadmissíveis os
embargos declaratórios, por serem impróprios. Embargos de declaração
rejeitados, por unanimidade’. Argumenta
o recorrente, em síntese, que o § 1º do art. 180 do Código Penal é
inconstitucional por afrontar o disposto no art. 5º, XLVI da Constituição
Federal. Aduz que o parágrafo primeiro
do art. 180 do Código Penal fere o princípio da proporcionalidade, pois prevê
uma pena mais gravosa para o agente que ‘deve saber’ da origem ilícita do
produto, em relação àquele que ‘sabe’ da origem ilícita, como reza o caput do dispositivo
legal. Requer o provimento do recurso
para o fim de, reconhecendo a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo
180 do Código Penal, promover a desclassificação da figura qualificada para a
figura simples, contemplada no caput do referido dispositivo, alterando,
também, o regime de cumprimento da pena para o regime semi-aberto, em
substituição ao regime fechado. 2. Não
houve admissão do recurso extraordinário pela 2ª Vice-Presidência do Tribunal
de Justiça (fls. 1246/1248), tendo os autos subido a esta Corte em razão de
determinação contida nos autos do agravo de instrumento interposto contra
decisão que inadmitiu o extraordinário (fl. 1265). 3.
Manifestação da Procuradoria-Geral da República no sentido do
não-conhecimento ou, eventualmente, do improvimento do recurso (fls.
1269/1274). 4. Transcrevo, por oportuno, trecho da
manifestação do Subprocurador-Geral da República, Dr.Wagner Gonçalves, a
respeito do caso (fl. 1272):
Preliminarmente, cumpre observar que, embora tempestivo, o RE não merece
ser conhecido, por padecer do indispensável prequestionamento. Com efeito,
verifica-se, pela decisão hostilizada, que o Eg. Colegiado não manifestou, de
forma expressa, qualquer posicionamento sobre o dispositivo tido por violado.
Conforme acentua a jurispudência desse Excelso Pretório, o prequestionamento
deve ser explícito, senão ‘inviabilizada fica a conclusão sobre a violência ao
preceito evocado pelo recorrente’. (AI 476.354 AGR/MS, in DJU 28/10/2005, pág.
47, Rel. Min. Marco Aurélio, unânime, 1ª Turma). In casu, nem mesmo a
apresentação de embargos declaratórios seria capaz de suprir tal requisito, uma
vez que a matéria constitucional não foi objeto de prévia argüição. Como é
deveras sabido, ‘os embargos de declaração não se prestam a inovar na causa e
incluir fundamentos até então ausentes’ (RE nº 420.201 AGR/DF, Rel. Min. Ellen
Gracie, 2ª Turma, DJ 24.06.2005). A hipótese, portanto, é de incidência das
Súmulas 282 e 356 dessa Suprema Corte. Afora isso, a análíse do pleito recursal
não prescinde do exame de normas infraconstitucionais. Assim, havendo ofensa ao
Texto Maior, esta seria apenas indireta, inviabilizando-se o acesso à via
extraordinária.’ 5. O recurso é
tempestivo. (...) 7.
Entretanto, entendo que não houve prequestionamento explícito do
dispositivo constitucional tido como violado.
Com efeito, o julgamento da apelação no âmbito do Tribunal a quo não
tratou de contrariedade à norma constitucional apontada nas razões do
extraordinário e, por isso, deve ser negado seguimento ao presente
recurso. Após entender pela prova
induvidosa da autoria em relação ao recorrente, eis que este, de acordo com o
voto condutor do acórdão, tinha ciência acerca da origem ilícita do material
adquirido, a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
admitiu a configuração da qualificadora prevista no § 1º do art. 180 do CP,
pelo fato do recorrente ser proprietário de empresa que trabalha com a
matéria-prima adquirida. A questão foi solucionada, assim, com base na
normativa infraconstitucional. A
questão da inconstitucionalidade do § 1º do art. 180 do Código Penal não foi
suscitada pelo recorrente quando da interposição de sua apelação e somente foi
aventada no voto vencido por ocasião do julgamento do recurso pela 8ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sem que tenha sido
apreciada pelos demais julgadores do órgão colegiado. Mesmo no julgamento dos embargos
infringentes a alegada inconstitucionalidade não foi debatida pelos julgadores,
que resolveram a questão com fundamento no fato de que a figura qualificada do
delito ‘transcende a conduta do ‘caput’ ao trazer em seu bojo uma conotação
empresarial, como acima afirmado, às ações nas quais a receptação é utilizada
como meio propulsor de negócios. Situação concreta que, sem dúvida, representa
maior reprovação social, mormente nos tempos atuais em que a criminalidade
organizada grassa os mais diversos setores da sociedade, com alta incidência na
espécie’. (fl. 1175) Ao embargar de declaração da decisão que rejeitou os
embargos infringentes o recorrente alegou apenas que o colegiado não se
posicionou ‘explicitamente quanto a ter o acusado agido com dolo direto ou com
dolo eventual’. (fl. 1181) Portanto, verifico que não houve manifestação
expressa do colegiado do Tribunal a quo sobre o dispositivo constitucional tido
por violado pelo recorrente, o que inviabiliza o conhecimento do apelo extremo,
consoante jurisprudência desta Corte, consolidada na Súmula 282.
Diante do exposto, o parecer é pela rejeição da inconstitucionalidade do art. 180, § 1º, do Código Penal.
São Paulo, 16 de março de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
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