SUBPROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA – ASSUNTOS JURÍDICOS
Parecer
Autos n. 176.339.0/7-00
Suscitante:
Décima Terceira Câmara de Direito Público
Objeto: Lei n. 1.289, de 14 de agosto de 1995, do Município de Brodowski
Ementa:
1) Lei n. 1.289, de 14 de agosto de 1995, do Município de Brodowski, que cria
cargos em comissão. 2) Criação arbitrária de cargos em comissão. 3)
Incompatibilidade com os arts. 111, 115, incisos I e II, e 144 da Carta
Paulista. 4) Inconstitucionalidade constatada. 5) Parecer pela declaração de
inconstitucionalidade.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado quando do
julgamento da Apelação Cível n. 446.859-5/0-00, em que é apelante (...) e
apelado o Ministério Público de São Paulo.
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Ocorre que, iniciado o julgamento da apelação, foi
questionada a validade jurídico-constitucional da Lei n. 1.289/95, do Município
de Brodowski, que criou cargos em comissão.
Por
força de ser considerada prejudicial a questão da eventual
inconstituciolnalidade, bem como por força do princípio da reserva de plenário
esculpido no art. 97 da Lei Maior, suscitou-se o incidente de
inconstitucionalidade previsto nos arts. 480/482 do CPC.
É
o breve relatório.
Com
a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é
inconstitucional a lei impugnada.
Ocorre
que o legislador municipal, ao criar cargos em comissão de forma arbitrária,
acabou por ofender os arts. 111, 115, incisos I e II, e 144 da Carta Paulista,
os quais assim dispõem:
Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação e interesse público.
Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e
indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
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I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros
que preencham os requisitos estabelecidos em lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre
nomeação e exoneração;
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade
federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na
organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, na
conformidade dos seus arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” (Cf. ALEXANDRE DE
MORAES, “Direito Constitucional”, Atlas, São Paulo, 7.ª ed., p. 261).
Essa autonomia consagrada ao Município não tem caráter
absoluto e soberano, porquanto “é limitada pelos princípios emanados dos
poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um
povo” (Cf. DE PLACIDO E SILVA, “Vocabulário Jurídico”, Forense, Rio de Janeiro,
Volume I, 1984, p. 251). Bem por isso,
a autonomia é definida por JOSE
AFONSO DA SILVA como “a
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capacidade ou poder de gerir
os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”,
que no caso é a própria Constituição (Cf. “Curso de Direito Constitucional
Positivo”, Malheiros, São Paulo, 8.ª ed., 1992, p. 545).
A autonomia municipal assenta-se em quatro capacidades
básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria,
(b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores, (c)
autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre
áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d)
auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços
de interesse local (Cf. JOSE AFONSO DA SILVA, ob. cit., p. 546).
Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a
autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia
normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência),
a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços
locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e
aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob.
e loc. cits.).
Assim, por força da autonomia administrativa de que foram
dotados, os Municípios dispõem de competência para organizar os seus próprios
serviços, de acordo com as conveniências locais. Na organização desses serviços
públicos, “a Administração cria cargos e
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funções, institui classes e
carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e
delimita os deveres e direitos de seus servidores” (Cf. HELY LOPES MEIRELLES,
“Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 1996, 8.ª ed., p. 420).
Entretanto, a liberdade conferida aos Municípios – e que
decorre da sua condição de ente federativo dotado de autonomia - para organizar
os seus próprios serviços não é ilimitada, subordinando-se às seguintes regras
fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por
lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado;
e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes
ao servidor público (ob. e loc. cits.).
E a Câmara Municipal de Brodowski, ao editar a Lei n. 1.289/95
e criar os cargos de provimento em comissão de Supervisor Técnico Geral,
Auxiliar Administrativo/Merenda Escolar, Médico Veterinário e Técnico
Agropecuário, acabou por ferir os limites constitucionais, considerando-se que
as funções correspondentes são de natureza burocrática e profissional.
Na lição de RUY CIRNE LIMA (“Princípios de Direito
Administrativo”, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se
peculiariza por quatro atributos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou
prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c)
vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter permanente dessa
vinculação.
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Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam
o provimento em comissão, as funções profissionais ou burocráticas devem ser
exercidas em caráter permanente, por servidores públicos efetivos, os quais,
pela vigente Constituição, só podem ser arregimentados por meio de concurso
público (CE., art. 115, inciso II).
Com efeito, os cargos em comissão destinam-se às atribuições
de “direção, chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação determinada
pela EC n.º 19/1998) e têm por finalidade propiciar ao governante o controle de
execução das suas diretrizes políticas; exigindo, assim, dos servidores
nomeados para cargos dessa natureza absoluta fidelidade às orientações traçadas
pela autoridade nomeante, decorrendo, daí, a precariedade do vínculo jurídico
estabelecido, o qual poderá ser rompido a qualquer tempo, não tendo os seus
ocupantes nenhum direito a neles permanecer (STF – Pleno, MS 23103/DF, Rel.
Min. NELSON JOBIM, j. em 30.05.2001, DJU de 06.02.2004, p. 32; STF – Pleno, MS
20.933/DF, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, j. em 09.08.1989, DJU de 08.09.1989, p.
14232; ).
Nesse mesmo sentido, esse Órgão Especial desse Egrégio
Tribunal de Justiça já decidiu que: “O provimento de cargos em comissão, cujo
desempenho liga-se intimamente à filosofia administrativa e ao estilo da
atuação prefeitoral, torna irrecusável a liberdade de nomeação, a qual deve
recair sobre pessoa de estrita confiança do titular do Executivo.” (ADIn n.º
20.767-0 - São Paulo, rel. Des. NEY ALMADA, j. em 23.11.94)
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Decorre, daí, que a exceção contida na parte final do inciso
II, do art. 115, da Constituição Paulista (“ressalvadas as nomeações para cargo
em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”), que, no ponto,
reproduz a dicção do art. 37, inciso II, da Constituição Federal, tem alcance
limitado às situações excepcionais - em que se faça necessário o
estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade e o agente nomeado
-, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de
concurso público.
Evidentemente, a limitação apontada não tem caráter
puramente formal, de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento
em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional que consagra a
igual acessibilidade aos cargos públicos.
Em
monografia sobre o tema, MARCIO CAMMAROSANO ensina que o princípio democrático
implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade
dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade
administrativa” (“Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro”, RT, 1.ª
ed., p. 45).
Assim, para que não venha a constituir burla ao princípio
constitucional enunciado expressamente pelo art. 37, incisos I e II, da
Constituição da República, a lei criadora de um cargo em comissão deverá
observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois
que, no dizer de CELSO ANTONIO BANDEIRA
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DE MELLO (O “Conteúdo Jurídico
do Princípio da Igualdade”, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.ª
edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento
diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.
Afinado a esse mesmo entendimento, HELY LOPES MEIRELLES (Cf.
“Direito Administrativo Brasileiro”, editora Malheiros, São Paulo, 18.ª ed., p.
378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que
“a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as
praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada
como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso” (STF –
Pleno, Representação n.º 1.282-4-SP).
Nessas condições, onde se encontra a necessidade do
estabelecimento de vínculo de confiança e lealdade para o exercício dos cargos
de Supervisor Técnico Geral, previstos na lei sob exame? É irrecusável que a
parte final do inciso II do art. 115 da Constituição Paulista, tem alcance
circunscrito às situações em que o requisito da confiança seja predicado
indispensável ao exercício do cargo.
Ora, os cargos previstos na lei em exame não correspondem a
cargos ou funções de administração superior, que exijam o estabelecimento de
relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela
autoridade nomeante, tratando-se, na verdade, de cargos comuns, de natureza
burocrática ou profissional, que devem ser assumidos, em caráter definitivo,
por servidores aprovados em concurso público.
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Bem a propósito, ao examinar iniciativa semelhante, o
Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça (ADIn. n.º 11.939-0, relator Des.
OLIVEIRA COSTA) entendeu por bem declarar a inconstitucionalidade material de
expressões de lei criadora de cargos em comissão, cuja natureza não
correspondia às características próprias dessas funções.
Em
tais circunstancias, o parecer é pela inconstitucionalidade da Lei n. 1.289, de
14 de agosto de 1995, do Município de Brodowski, no tocante aos cargos ora
versados.
São
Paulo, 1 de abril de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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