INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Autos n. 176.882-0/4-00

Suscitante: Nona Câmara de Direito Público

Lei impugnada: Decreto nº4.752/02 do município de Leme

 

Incidente de inconstitucionalidade. Decreto n. 4.752/02 do município de Leme. Servidor Público Municipal.   Revisão de vencimentos. Procedimento administrativo. Inobservância dos princípios do contraditório e da amplitude de defesa.  Parecer pela inconstitucionalidade da norma.

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

                  

        

         Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado quando do julgamento da Apelação Cível n. 824.655-5/5, em que é apelante Prefeitura Municipal de Leme e apelada (...).

         Ocorre que, iniciado o julgamento da apelação, foi questionada a validade jurídico-constitucional Decreto Municipal n. 4.752 de 2002, na medida em que reviu e reduziu os vencimentos da apelada.

         Por força de ser considerada prejudicial à questão da eventual inconstitucionalidade, bem como por força do princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da Lei Maior, suscitou-se o incidente de inconstitucionalidade previsto nos arts. 480/482 do CPC.

Sustenta a apelada que referido diploma vê-se eivado pela inconstitucionalidade, enquanto que a apelante sustenta o contrário.

         Este é o breve relato do que consta dos autos.

         Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é inconstitucional o Decreto impugnado.

         Ressalte-se, outrossim, que a inconstitucionalidade não reside na redução dos vencimentos da apelada, mas sim na forma como o vergastado Decreto previu para a promoção da revisão salarial dos servidores públicos, que culminou com a propalada diminuição.

         Posta assim a questão, observa-se que o Decreto não prevê notificação para defesa, mas tão somente para que o interessado apresente recurso.

         Desta forma, instaurado restou o procedimento administrativo, pelo Decreto atacado, sem respeito ao princípio do contraditório e da amplitude de defesa, ao arrepio do que dispõe o art. 5º, inc. LV da Constituição Federal.

         Ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro que:

         “O princípio da ampla defesa é aplicável em qualquer tipo de processo que envolva o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas.

         O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo:  quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta.

         O princípio do contraditório supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou reação.

         Ele exige:

1.     notificação dos atos processuais à parte interessada;

2.     possibilidade de exame das provas constantes do processo;

3.     direito de assistir à inquirição de testemunhas;

4.     direito de apresentar defesa escrita.  (“in” Direito Administrativo, Ed. Atlas, 5ª edição, 1995, pág.402)

Como se pode ver, o Decreto impugnado não permite o “direito de apresentar defesa escrita” e nem mesmo questionar as provas do processo, já que a notificação prevista no art. 1º é tão somente para que “no prazo de 30 (trinta) dias apresentem, querendo, recurso, dirigido ao Exmo. Sr. Prefeito”.

E, como já decidido: “Esses princípios constitucionais deverão ser garantidos aos litigantes, em processo judicial criminal e civil ou em procedimento administrativo (RTJ 83/385; RJTJSP 14/219)”  “apud” Constituição do Brasil Interpretada, por Alexandre de Moraes, Ed. Atlas, 2002, pág.363.

É do mesmo autor o magistério:  “O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, à produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)”.   E, mais adiante, prossegue:   “O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial criminal e civil ou em procedimento administrativo, inclusive nos militares, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso.”  (ob. e aut. cits., págs. 360/361).

Ressente-se, pois, o Decreto do município de Leme de inquestionável inconstitucionalidade, ao não observar o princípio do contraditório e impossibilitar ao servidor público o exercício da ampla defesa, a ser reconhecida e declarada através do controle difuso de constitucionalidade.

         Por tudo quanto exposto, o parecer é pela declaração de inconstitucionalidade Decreto Municipal n. 4.752 de 2002, do município de Leme.

São Paulo, 14 de julho de 2009.

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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