Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 178.011-0/5-00

Suscitante: 11ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 1.549/92, do Município de Itápolis

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade da Lei nº 1.549/92, do Município de Itápolis, que autoriza a desafetação de área verde e sua cessão à escola privada. Violação do art. 180, inc. VII, da Constituição do Estado, que não permite que a destinação, fim e objetivos originalmente reservados a determinadas áreas do loteamento sejam alterados, a não ser nas excepcionais hipóteses que especifica. Parecer pela declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade do ato normativo questionado.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 11a. Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como apelantes a S.E.I. Sociedade de Ensino de Itápolis e Prefeitura Municipal de Itápolis e como apelado o Ministério Público do Estado de São Paulo.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 1.549/92 do Município de Itápolis.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPP).

Este é resumo do que consta dos autos.

Foi implantado no Município de Itápolis, neste Estado, o loteamento denominado “Jardim Santa Mônica”, em cujo lote 58, situado na rua “A”, recaiu a área verde.

É certo, todavia, que, com base na Lei nº 1.549/92, a Municipalidade celebrou com a empresa S.E.I. – Sociedade Educacional de Itápolis o contrado de permissão de uso reproduzido a fls. 37/38, pelo qual esta se obrigou a “urbanizar a área recebida, fazendo construir uma quadra de esportes que será franqueada ao uso da comunidade, nos finais de semana e nos horários vagos dos dias úteis” (grifei para destacar a restrição de acesso à área).

Como se vê, a lei autorizativa e o contrato administrativo mencionado alteraram a destinação original da área, como estipulada pelo loteador, notando-se nos autos que o ginásio de esportes ali edificado foi cercado e é utilizado por uma escola particular.

A lei sob exame tem a seguinte redação:

Lei  nº 1549 de 16 de dezembro de 1992

Dispõe sobre permissão de uso de imóvel.

ARTIGO 1º. - Fica o Executivo Municipal autorizado a ceder à Empresa Sociedade Educacional de Itápolis, a área cuja descrição perimétrica é a seguinte: "O perímetro tem início na cerca de divisa do Ramal de acesso à SP - 335 no ponto onde a propriedade  da S.E.I. faz divisa com a área verde do Jardim Santa Mônica, daí segue pela divisa da S.E.I. numa distância de 64,40 metros até encontrar o lote n. 59, daí deflete à direita e segue pela divisa do lote 59 numa distância de 50,00 mts. até encontrar a Rua D, dai deflete à direita  em linha reta numa distância de 5,60 mts. e em curva de concordância à esquerda 14,14 mts. dai deflete è direita e segue margeando com remanescente da área numa distância de 49,50 mts. daí deflete à direita e segue pela divisa da estrada (Ramal) de acesso A SP/ 335  numa distância de 39,00 mts. até alcançar o ponto onde se iniciou o perímetro, fechando-se o mesmo com uma área de 2.335,43 M².

§1.º A cessão mencionada no "caput" se opera nas normas do Instituto de direito Administrativo denominado "Permissão de Uso", e será instrumentalizado entre as partes.

ARTIGO 2.º - A permissão de uso mencionado no artigo anterior é por título gratuito e prazo indeterminado.

ARTIGO 3.º- A empresa permissionária compromete-se a urbanizar a área construindo uma quadra de esportes cuja utilização será facultada à comunidade nos fins de semana e horários vagos nos dias úteis.

ARTIGO 4.º- Durante a vigência do contrato todas as despesas com a manutenção do imóvel serão pagas pela permissionária, inclusive as taxas de serviços públicos não municipais.

§ 1º - Fica concedida a isenção de impostos e taxas municipais durante o prazo da permissão.

ARTIGO 5.º- A permissão de uso será revogada de pleno direito se a permissionária deixar de existir legalmente ou paralisar suas atividades por 2 (dois) anos consecutivos.

§ único- Na hipótese da revogação imotivada da permissão de uso, o Executivo deverá indenizar a permissionária de todos os investimentos feitos e prejuízos sofridos.

ARTIGO 6.º- Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Itápolis, 16 de dezembro de 1992.

UBALDO JOSÉ MASSARI JUNIOR

Prefeito Municipal

Seu texto colide, à evidência, com o art. 180, inciso VII, da Constituição do Estado, que estabelecia, na redação original, que “as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos, alterados”.

Essa regra foi mitigada, é verdade, pelas Emendas Constitucionais nº 23, de 31 de janeiro de 2007, e nº 26, de 15 de dezembro de 2008. Na disciplina atual, as áreas verdes e institucionais podem ter destinação, fim e objetivos originais alterados nas seguintes situações: “a) loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social, destinados à população de baixa renda e cuja situação esteja consolidada; b) equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento; c) imóveis ocupados por organizações religiosas para suas atividades finalísticas”.

Essas hipóteses, contudo, estão sujeitas às seguintes condições, igualmente inseridas na Constituição do Estado pela Emenda retrocitada: a) a situação das áreas objeto de regularização deve estar consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação, que se dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de compensação; e b) a compensação poderá ser dispensada, por ato fundamentado da autoridade competente, desde que nas proximidades já existam outras áreas com as mesmas finalidades que atendam as necessidades da população local.

No caso em exame, a lei e o contrato administrativo permitiram a construção de equipamentos (uma quadra poli-esportiva e um mini-campo de futebol – cf. fls. 85) administrados por pessoa jurídica de direito privado, cercados de alambrados, em área verde do loteamento (fls. 105).

Há, no mais, prova inequívoca de que isso se concretizou sem compensação (fls. 115, 121).

Tal conduta, contudo, não é permitida pela Constituição do Estado, tanto assim que esse Sodalício tem reconhecido a inconstitucionalidade de normas análogas, que desafetam áreas verdes ou institucionais de loteamentos implementados, como comprova recentíssimo julgado:

Incidente de inconstitucionalidade. Incidente suscitado pela 11ª. Câmara da Seção de Direito Publico do Tribunal de Justiça objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.528/97 do Município de Tambaú, que desafetou área institucional reservada em loteamento, alterando sua destinação para conceder direito de uso a entidade privada filantrópica, para destinação especial e diversa da prevista originalmente. Alteração vedada pela Constituição Estadual. Inconstitucionalidade da lei municipal em face dos arts 180, VII, e 144 da Constituição Paulista. Argüição incidenter tantum procedente (II nº 172.801-0/7-00, rel. José Santana, j. 1/4/2009).

Diante do exposto, o parecer é pela declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade da Lei nº 1.549/92, do Município de Itápolis.

 

São Paulo, 12 de maio de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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